É preciso conciliar luta contra a miséria e respeito ambiental. É natural que isso gere algum estranhamento de quem teme o fim do foco ambiental único
A Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, deverá estabelecer nova inflexão política desde que o mundo apontou, na Rio-92, a mudança no modelo de desenvolvimento como o caminho para superar os graves danos causados pela exploração desordenada dos recursos naturais.
As questões ambientais, desde então, se tornaram tão presentes e complexas que pensá-las, hoje, implica ir além delas. O papel da Rio+20 é reverter a ideia de que desenvolvimento sustentável é um desafio só ambiental. São inseparáveis o crescimento econômico, a inclusão social e o respeito ao meio ambiente.
Esperamos que ela provoque o mundo a se mover para se tornar sustentável em todas as suas dimensões. É natural que a inflexão cause estranhamento a quem teme a perda do foco ambiental único e a quem vê a inevitabilidade de grandes transformações mas tenta postergá-las.
De certa forma, a conferência lida com a defensiva dos espaços econômicos e políticos já demarcados, em prejuízo da síntese sem a qual continuaremos a andar em círculos.
Talvez daí venha tanta polêmica sobre a economia verde. A desconfiança de que seja um ardil do tipo “mudar para ficar tudo igual” não pode estigmatizar o debate, atropelando sua profundidade.
Defendemos a governança tanto ambiental quanto para o desenvolvimento sustentável. Uma não subsiste sem a outra. Internacionalmente, é preciso criar na ONU uma instância integradora que dê coerência às ações sustentáveis. Ao mesmo tempo, o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) vai colocá-lo à altura da gravidade crescente dos problemas ambientais.
São passos importantes para soluções duradouras num momento em que o mundo passa por duas inquietantes crises: econômica e ambiental. Recessão e ameaças ambientais afetam sobretudo os mais pobres. Seremos um dia um mundo sem miséria, lidando adequadamente com os desafios ambientais e sociais? A Rio+20 é parte da resposta.
É urgente que os líderes do planeta percebam as consequências da insanável contradição entre falar em desenvolvimento sustentável e insistir em instrumentos sociais, políticos, institucionais, conceituais e tecnológicos do passado.
A sustentabilidade não é mais questão de idealismo, mas de pragmatismo. Chegou a hora de enfrentar as crises com a mudança do padrão de desenvolvimento, com plena aceitação e gestão correta dos limites ambientais e redução das desigualdades entre nações e pessoas.
Sede e presidente da Rio+20, o Brasil deve à sua sociedade e à comunidade internacional uma liderança à altura dos desafios. A legitimidade da liderança vem da vigorosa reescrita que o país faz em sua história, consolidando a democracia por torná-la mais justa e inclusiva.
Vitórias na conservação ambiental são parte dessa reescrita, mas o grande diferencial é o combate à miséria. A ascensão de milhões de brasileiros a condições dignas de vida nos credencia a falar de desenvolvimento sustentável na sua essência: a inclusão, a participação e o interesse público como guia da economia e do uso dos recursos naturais.
O mundo não pode parar de crescer, mas terá necessariamente que aprender a crescer de outra forma. Precisamos acelerar esse aprendizado e fazê-lo avançar em nossa casa, no Brasil. A Rio+20 é uma oportunidade excepcional. Não podemos perdê-la.
IZABELLA TEIXEIRA, 50, doutora em planejamento ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é ministra do Meio Ambiente
Artigo publicado no jornal Folha de S Paulo