Ferramentas exploradas pelos governos do PT para impulsionar o fortalecimento do mercado interno, como investimento em infraestrutura, com forte aporte público, acesso ao crédito e distribuição de renda, foram substituídos, nos últimos anos, pela desregulamentação em série do mercado de trabalho, hoje mais precarizado que nunca; por mudanças no arranjo administrativo das estatais, que abdicaram de seu papel essencial nas políticas de desenvolvimento do país; pela fragilização cada vez maior da indústria nacional, entre vários outros desmontes.
O que fazer, então, para que a retomada do desenvolvimento econômico, a partir do ano que vem, sob um novo governo, possa recuperar o modelo de inclusão social, gerar emprego, repartir a riqueza nacional e, fundamentalmente, combater a volta da fome no Brasil? Essas questões foram debatidas nesta segunda-feira (4) no Seminário Resistência, Travessia e Esperança – Tema Economia. O evento foi promovido pelo PT Nacional, Fundação Perseu Abramo, Instituto Lula e pelas bancadas do PT no Congresso.
Numa das mesas, foram debatidas ações prioritárias para reativar a economia popular. Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Dilma Rousseff, afirmou que uma das prioridades é tirar o Brasil, de novo, do Mapa da Fome – o que foi alcançado nos governos do PT. Para isso, explicou ela, “é necessário construir um mercado de massas e de economia popular para incluir a população excluída. Essa não é uma missão não apenas social, mas também econômica, porque não teremos um desenvolvimento consistente se não conseguirmos reduzir nossas desigualdades”. A ex-ministra ressaltou que Lula assumiu o país, em 2003, com mais de 51 milhões de pessoas na pobreza (renda familiar média de R$ 305 por pessoa, ao mês) e que em 2014, no governo Dilma, esse número era de 20,7 milhões de pessoas. “Nos governos do PT a renda de todos cresceu, porém a renda dos 20% mais pobres cresceu 4 vezes mais do que a renda dos mais ricos”. Já nos governos Temer e Bolsonaro, comparou Tereza Campello, a renda praticamente não cresceu, variando entre 0,4% e 1,6%, em média, entre 2016 e 2020.
Todos concordam que os desmontes provocados nos últimos anos em diversas áreas de governo aumentam os desafios. Para Tereza Campello, é preciso enfrentá-los com políticas multisetoriais que combatam as desigualdades, protejam o trabalhador e impulsionem o desenvolvimento em novas bases. Como exemplo, ela citou o estímulo ao crescimento do emprego e da renda, com a retomada de direitos trabalhistas e sua extensão a novas categorias, como trabalhadores de aplicativos e informais; a recuperação do poder de compra do salário mínimo; a adoção de políticas de investimentos públicos em obras e programas sociais; investimentos na chamada transição ecológica, com incentivo às energias renováveis, à produção agrícola sustentável e aos empregos verdes; e a aposta na reconstrução de programas específicos de transferência direta de renda, como era o Bolsa Família.
Outro ponto a ser enfrentado é a série de estragos provocados pela Emenda (EC 95/2016) do Teto de Gastos. Para Esther Dweck, professora da UFRJ, para muito além de uma medida de ajuste fiscal, “trata-se de um projeto de desconstrução do pacto social de 1988 naquilo que ele tem de melhor: a cidadania social”. Ela chama a atenção para o nível de desemprego recorde no país que, combinado com o corte de políticas sociais e com o aumento do custo de vida, provocou a ampliação da população de rua. Assim como Tereza Campello, Esther enxerga outro caminho, o da retomada de um modelo de desenvolvimento que busque o crescimento com transformação social. Para ela, o Brasil deve buscar ampliar o impacto distributivo da política fiscal tanto pelo lado tributário, com uma reforma tributária solidária, quanto pelo lado do gasto, especialmente com a ampliação da oferta de bens e serviços públicos pela transferência de renda.
“O Brasil terá um enorme potencial de crescimento econômico e desenvolvimento produtivo quando enfrentar duas de suas principais mazelas sociais: a concentração de renda e a carência na oferta pública de bens e serviços sociais. Isso porque a distribuição de renda e o investimento social são importantes impulsionadores do crescimento econômico”, defende.
Outro participante do seminário, o também economista e professor (Unicamp) Pedro Rossi é coautor, junto com Esther Dweck e Ana Luiza Matos de Oliveira, do livro ‘Economia Pós-Pandemia’. Ao mirar a forma como é produzida a Lei Orçamentária no Brasil, eles propõem uma inversão: “em vez de olhar qual o Orçamento a gente tem e o que cabe dentro dele, propomos pensar qual país a gente quer e, a partir daí, como financiar a sua construção”.