A diligência bicameral, com seis senadores e três deputados que representam as duas comissões de Direitos Humanos (CDH) e a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, ouviu nesta quarta-feira, em audiência na sede da Procuradoria Regional da República em Boa Vista (RR), os relatos de entidades que atuam pelos direitos desses povos. E os depoimentos são unânimes: a ocorrência de crimes contra os yanomamis é crescente, a começar pela constatação de garimpo nessas terras, o que é vedado pela Constituição. E daí em diante, outros crimes se encadeiam: a violência física, inclusive sexual, a queimada de habitações, a contaminação dos rios, entre outros.
No encontro, o coordenador do Conselho Indigenista de Roraima, Edinho Batista de Souza Macuxi, entregou ao presidente da CDH do Senado, Humberto Costa (PT-PE), o Memorial de Violências Cometidas contra o Povo Yanomami. O senador concluiu que, independentemente das investigações da denúncia sobre o estupro e o assassinato de criança yanomami, a existência e a permanência do garimpo no território indígena são crimes já provados.
“A Constituição brasileira é muito clara no sentido de que essas terras demarcadas não podem ser objeto de invasão, ocupação externa ou desenvolvimento de qualquer atividade que não esteja prevista na lei. E a gente constata a ausência de um trabalho de fiscalização por parte de quem de direito, no caso, o governo federal”, resumiu Humberto Costa.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) lembrou que a ausência de cuidados ficou explícita já na fase mais crítica da pandemia: “a gente tem percebido a redução de forma drástica dos recursos para proteger essa população. Em vez de fazer atendimento a esses povos na pandemia, tivemos a distribuição de cloroquina. Temos um relatório da CPI da Covid que tem relação com a falta de atendimento e de atenção aos povos indígenas. Precisamos acompanhar isso em relação a esses órgãos”.
E quais órgãos seriam responsáveis, questionaram repórteres após a audiência. Humberto Costa iniciou a resposta: “sem avião e helicóptero não tem garimpo, então a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) sabe quais empresas de transporte prestam esses serviços em nome do garimpo. A Anatel, que responde pela área de comunicação, ela deve responder como os garimpos têm acesso à estrutura de comunicação utilizada. A própria Funai, que é a instituição responsável pela integridade territorial e física dos indígenas”. E a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), da Frente parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, completou: “não se pode esquecer o principal órgão, que é a Presidência da República, que é o chefe dos órgãos, que é o grande incentivador do garimpo ilegal. É preciso deixar claro que o garimpo em terras indígenas sequer pode ser regularizado, porque é expressamente proibido”.
Humberto também criticou o decreto do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, que liberou o garimpo em terras protegidas por lei. O senador pediu uma força-tarefa de órgãos públicos, envolvendo até mesmo as agências reguladoras, para impedir que garimpeiros ilegais viabilizem a ampla estrutura de que precisam para as atividades de exploração, como combustível e aeronaves. Por trás disso está a conivência, acrescentou a senadora Leila Barros (PDT-DF), que cobrou a criminalização dos poderosos que sustentam o crime. “Falta vontade política. O que temos que fazer hoje, Judiciário, Legislativo e o próprio Executivo, é ir atrás dos que financiam o garimpo ilegal”, completou.
PCC no garimpo
De acordo com denúncias recebidas pela comitiva, o PCC pode estar relacionado a invasões de terras indígenas para exploração de ouro. Humberto Costa afirmou que há indícios de que essa organização criminosa comandada de dentro dos presídios estaria por trás de uma onda de violência, especialmente contra os yanomami. Num dos episódios, há poucos dias, o ataque foi contra a comunidade Palimiú, uma das terras indígenas dos yanomami em Roraima. Para preservar a segurança dos participantes, audiência desta quarta, na Procuradoria Regional da República, em Boa Vista, ocorreu a portas fechadas.
As CDHs do Senado e da Câmara, além da Frente Parlamentar, decidiram redigir um relatório único da viagem, que será levado ao Congresso Nacional. A diligência continua nesta quinta-feira (12), quando senadores e deputados têm audiências com representantes de nove órgãos: Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União, Polícia Federal, Exército, Ibama, Funai, Assembleia Legislativa de Roraima, Ministério Público Estadual e Conselho Indígena de Roraima, além de organizações indígenas. Também haverá reunião com o governador do estado, Antonio Denarium.