Enquanto a chamada “grande imprensa” e parte dos políticos se preocupam com as ameaças que Jair Bolsonaro faz à democracia e às instituições, o senador Jaques Wagner (PT-BA) prefere ignorar o comportamento do presidente da República. Ele avalia que as declarações criminosas são a maneira que Bolsonaro encontrou de ocupar o noticiário e evitar que os problemas reais sejam debatidos. “Quando você fica nessa de ‘vai ter golpe’, ‘não vai ter golpe’ quer dizer que a gente fica admitindo que possa ter golpe. Eu não acho que exista nenhum ambiente internacional para golpe”, aponta.
O parlamentar observa que o cenário eleitoral só deve sofrer alterações a partir de agosto, quando as intenções de voto se cristalizarem e os partidos e candidatos se posicionarem. Apesar de a entrevista ter sido realizada antes da publicação da última pesquisa Datafolha, que indica possibilidade de vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno, Wagner se antecipou à hipótese. Ele diz acreditar muito na vitória de Lula porque acha que Bolsonaro tem um teto em função do preconceito contra as posições pessoais.
Ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, o ex-governador da Bahia por dois mandatos aponta que, após 16 anos no governo do estado, o Partido dos Trabalhadores vai eleger mais um governador. Apesar de carioca, nascido em um bairro popular chamado Cascadura, Wagner migrou para a Bahia há 48 anos e conhece todas as peculiaridades do estado que o acolheu. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Focus Brasil — O senhor foi ministro da Defesa, como recebeu a notícia sobre o projeto de Nação feito por institutos ligados a militares da reserva? A proposta apresenta ideias conspiracionistas, na linha do que vem sendo chamado de “bolsonarismo radical”. O projeto o surpreende?
Jaques Wagner — Mesmo que o conteúdo seja ruim, eu acho que é até bom que se fale em projeto nacional. Eu não acho ruim em si porque o problema desse presidente é que ele não tem nenhum projeto para o Brasil. Os militares de 1964, com todos os crimes cometidos contra a democracia – embora naquele tempo tivesse a Guerra Fria e ou se estava de um lado ou de outro –, tinham um projeto. E fizeram, na visão deles, coisas importantes. Tem a consolidação da Eletrobrás, a Telebrás, a Itaipu Binacional, mesmo a Transamazônica ficando pela metade era uma visão de defesa do território brasileiro. Existem exemplos de militares que sempre pensaram um projeto de uma grande Nação. Não estou dizendo que eu concordo com nada. Aliás, eu nem li. Vou discutir de projeto para projeto. Hoje, [o governo] não tem projeto. Nenhum. O projeto é a financerização total da economia, é a Petrobrás distribuir dividendos… Só estão preocupados com acionistas, esquecendo-se de fazer o que qualquer empresa faz que é utilizar parte dos seus lucros para fazer investimento. Pararam com as refinarias e hoje a gente tem 30% de combustível importado, o que onera o preço, além da equivalência de preços com o mercado internacional.
Eu, pessoalmente, não gosto de discutir, não acredito e digo que não haverá golpe no Brasil. Acho, inclusive, que é um erro não só nosso, mas da imprensa em geral que transforma a pauta do presidente na agenda nacional. Ele fala uma bobagem no domingo e a gente passa a semana discutindo isso, em vez de colocarmos na pauta o que é de interesse da nação: emprego, renda, superar a fome que voltou, as questões ambientais… Ou seja, a gente vai ficando na pauta dele e, na minha opinião, até naturalizando. Quando você fica nessa de “vai ter golpe”, “não vai ter golpe” quer dizer que a gente fica admitindo que possa ter golpe. Eu não acho que exista nenhum ambiente internacional para golpe. Acho que outras nações, inclusive os EUA, minha opinião, sabem que uma liderança do Lula é muito mais positiva até porque o presidente atual não é liderança de nada, não consegue liderar nenhum pensamento porque não o tem. A Europa sabe que uma liderança do Lula, não que vá concordar em tudo, mas sabe que é muito mais construtiva porque é uma liderança que pensa o Brasil, América Latina, pensa os países em desenvolvimento, o BRICS.
Não estou dizendo que todo mundo gosta do que ele fala. É como eu digo para alguns que me perguntam meio assustados: “Como será o governo dele?”. E falo assim: “Olha, gente, o susto até se justificava em 2002 e 2003 porque ninguém conhecia o Lula e o PT na Presidência, apesar de já nos conhecer em prefeituras e governos de estados”. Mas eu brinco, assim: “Venha cá, quem vai sentar na cadeira em 2023, a gente ganhando, e a minha convicção é de que a gente vai ganhar, não é nenhum extraterrestre, não é nenhum marciano, é alguém que já governou o Brasil por oito anos, caramba. E não é dado a maluquices”. Lula é dado a projetos. Ele tem uma obsessão que é novamente, colocar a questão social no centro da agenda e, agora, a questão ambiental pelo caos que virou.
Mas o Lula nunca foi descuidado com a economia. Nós do PT governamos a Bahia por 16 anos, eu quero que me apontem qual foi a irresponsabilidade feita lá. Ao contrário, hoje, somos o segundo estado em investimentos no país. Depois de 17 hospitais construídos, 15 mil quilômetros de estradas, 170 escolas de tempo integral sendo construídas, energia para todo lado, água para todo lado, Minha Casa, Minha Vida para todo lado, cinco universidades federais novas e cheio de investimentos chegando. Eles sabem que o governo do estado da Bahia, do PT e dos seus aliados, é cumpridor de contrato, de palavra, é duro, mas cumpre o que faz.
Esses dias tivemos o anúncio, feito em rede internacional, da Ford declarando que vai dobrar o número de engenheiros na Bahia que passa a ser um centro importante de desenvolvimento de produtos. Estou falando disso porque eu acho que a gente tinha que parar de falar sobre as pautas do Bolsonaro. Eu não aguento mais. Eu não converso mais com nenhum jornalista sobre o tema. “Quer falar do quê?” “Ah, o senhor acha… o senhor conversa com os militares?”. Eu digo: “Não, não converso e acho que não vai ter e ponto final. O resto são vocês trabalhando para ele”. Sabe aquela frase “falem mal, mas falem de mim”?