desmonte do serviço público

De granadas no bolso a assédio: o ódio de Bolsonaro aos servidores

O governo que sai sem dar aumento real ao salário mínimo também foi algoz do funcionalismo, com desmonte, congelamento e perseguições
De granadas no bolso a assédio: o ódio de Bolsonaro aos servidores

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

“Nós já botamos a granada no bolso do inimigo. Dois anos sem aumento de salário”. A frase do ministro da economia, Paulo Guedes, se referindo aos servidores públicos, não era para ser ouvida fora do Palácio do Planalto. Foi numa reunião ministerial em 22 de abril de 2020, que acabou tornada pública por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Outra frase, vazada em conversa do empresário Luciano Hang, há poucas semanas, também é exemplar da forma como bolsonaristas enxergam os servidores: “vocês estão pensando só no imposto de vocês para pagar o diabo dos professores. Demite a metade”, vociferou o Veio da Havan ao ser cobrado dos impostos não pagos ao fisco catarinense.

São minúsculos recortes de uma saga contra servidoras e servidores públicos que perpassa quase quatro anos de um governo decidido a destruir o funcionalismo e as estruturas de Estado. Não conseguiu, mas comprometeu órgãos e serviços, além de empobrecer essas famílias.

Desmonte
Desde seu início, o governo Bolsonaro demonstrou inconformidade com a autonomia de instituições públicas. Interferiu no trabalho da Polícia Federal, que em 40 meses teve 4 diretores-gerais. Logrou, com isso, abafar investigações contra os filhos, suspeitos de desvio de dinheiro de servidores, enriquecimento ilícito e tráfico de influência.

Extinguiu dezenas de colegiados com a participação da sociedade civil, e de tabela enfraqueceu a atuação de órgãos em vários setores, do Sistema Financeiro Nacional ao meio ambiente e ao combate ao trabalho escravo, que sofreu redução de 95% no orçamento. Onde não havia conselho, desmontou a fiscalização. Até o canal para denunciar violência contra mulher foi destinado a receber denúncias de militantes antivacina durante a pandemia.

Acabar com a participação popular em instâncias de gestão teve outro desdobramento: abriu caminho para perseguições a servidores em várias pastas. Foi assim na Fundação Cultural Palmares, foi assim também no Meio Ambiente. Ibama, Funai e outros órgãos ficaram à míngua, sem pessoal e estrutura. O resultado foi a explosão do garimpo ilegal, com crescimento de 46% só em 2020, e do desmatamento, principalmente em terras indígenas – aumento de 138% entre 2019 e 2021, na comparação com o triênio anterior.

Recém-eleita senadora, a deputada estadual de Pernambuco, Teresa leitão (PT), guarda sua esperança para o próximo governo, e avalia que neste 28 de outubro, Dia do Servidor, não há o que comemorar.

“Parabenizo a todas e todos que seguram a máquina pública com a responsabilidade do seu trabalho. No entanto, hoje, com o desgoverno Bolsonaro, não temos nada a comemorar. O que temos é um quadro de desvalorização dos servidores e do serviço público. Não há reajuste, negociação com os trabalhadores, nem concurso. Os servidores estão convivendo com ameaças, assédios, tudo o que nega ao serviço público a condição de prestar um bom atendimento à população. Mas isso vai acabar”, projeta.

Um dos exemplos mais conhecidos desse assédio é o que sofreu o pesquisador Ricardo Galvão, ex-diretor do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE). Ele foi demitido em 2019, depois de rebater as tentativas de Bolsonaro de desqualificar os dados de desmatamento medidos pelo órgão. Em post nas redes sociais há poucos dias, Galvão falou dessa perseguição, que incluiu uma devassa em sua vida por parte de agentes do governo. “Não encontraram nada e foram obrigados a me demitir, passando pela vergonha de ser um governo que agride a Ciência”, afirmou.

Ódio a servidores
Por falar em medição, estudo acadêmico publicado em abril mostrou que Bolsonaro trabalha 14 horas a menos, por semana, que um servidor público. Mas, para seus aliados, claro, vale o mundo paralelo. Foi como se manifestou a deputada Carla Zambelli, em vídeo gravado após o 1° turno, em que ela afirma ser “difícil colocar o servidor público para trabalhar”. O senador Humberto Costa (PT-PE) interveio.

“Em vídeo, Carla Zambelli chama os servidores públicos concursados de vagabundos. A lambe-botas do um preguiçoso da República, que dá 4 horas de expediente por dia, resolveu atacar quem trabalha”, respondeu.

A frase da deputada tem tudo a ver com a política do atual governo, que brecou concursos e ampliou a terceirização e a contratação temporária no serviço público, uma forma de indicar apaniguados aos cargos. Ainda tenta, no Congresso, aprovar reforma administrativa (PEC 32/2020) de caráter fiscalista, que se ocupa de achatar salários, alongar carreiras e dar mais espaço a apadrinhados nos órgãos públicos.

O governo que não abriu qualquer diálogo com a sociedade em quase quatro anos também foi surdo a reivindicações de sindicatos e especialistas em administração pública. No livro “Reforma Administrativa no Contexto da Democracia”, o consultor do Senado, Luiz Alberto dos Santos, lista medidas que poderiam ser adotadas por um governo empenhado em avançar no setor: modelo de gestão democrática, com a retomada do caráter republicano do Estado; abertura de espaços de controle da sociedade civil, com canais para sua participação na gestão pública; profissionalização do serviço público, com programas de capacitação nos níveis gerencial e operacional; além de plano de carreira, garantia de estabilidade e da universalização do concurso público, com a redução dos cargos em comissão de livre provimento.

Salários menores
Mas no calvário dos servidores sob Bolsonaro, antes de pensar em avanços estruturais, o desafio foi não perder todos os direitos já conquistados e lutar contra o congelamento de salários e os planos de Paulo Guedes para piorar ainda mais a condição de vida de brasileiros e brasileiras que optaram por servir ao Estado.

Os servidores da União não sabem o que é reajuste há 4 anos, e a defasagem salarial chega a 33%. Mesmo assim, em junho, o governo foi insensível na negociação em que o sindicato dos servidores federais reivindicava 19,99% de reajuste para cerca de 1,2 milhão de servidores da ativa e inativos. Também o funcionalismo de estados e municípios, além do Distrito Federal, está com o salário congelado.

Levantamento publicado há um mês pelo jornal Folha de S. Paulo, com base no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que a renda média do trabalho no serviço público (8,5%) caiu mais que na iniciativa privada (2,9%) durante a pandemia.

Ultrapassada a fase pior da doença, o servidor público passou a enfrentar – como os demais brasileiros – a maior inflação de alimentos desde o Plano Real, em 1994. De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o segmento de alimentação e bebidas já acumula uma inflação de 9,54% entre janeiro e setembro de 2022.

Mais cortes
O plano de Paulo Guedes é, claro, piorar o que já está ruim. Concentrado em conseguir R$ 6 bilhões no Orçamento, o ministro da Economia de Bolsonaro quer apostar fichas em propostas de emenda à Constituição (PECs 186 e 188/2019), em análise no Senado, que têm o poder de destruir mais direitos dos servidores municipais, estaduais e federais. A ideia do governo é acabar com reajuste pela inflação, inclusive de aposentadorias, manter o congelamento salarial e até dar calote definitivo em aposentadorias, pensões, Benefício de Prestação Continuada (BPC), e outros direitos.

Segundo o consultor Legislativo do Senado, Vinícius Amaral, entre os desejos de Guedes está o corte de 25% no salário dos servidores federais das três esferas: “no caso da União, esse corte teria começado em 2020 e continuaria, ininterruptamente, até, pelo menos, 2023”.

Medidas como essas poderiam ainda ser usadas para “punir” determinadas categorias, alerta o consultor. “Não é difícil imaginar os alvos: professores universitários, fiscais ambientais e qualquer outra categoria cujas atribuições legais atrapalhassem os planos do autocrata”, afirma Amaral. “Não é uma medida fiscal: é uma medida de silenciamento e punição do serviço público”.

Ex-governador do Piauí, Wellington Dias (PT), eleito senador em outubro, não tem dúvidas de que Bolsonaro e Paulo Guedes querem o Brasil apenas para alguns.

“Cada vez mais a redução da condição de sobrevivência das famílias, com salários achatados e congelados. E o que ele anuncia? Uma reforma administrativa, que promete deixar tudo ainda pior”, adverte o futuro senador, às vésperas de uma eleição que pode decidir o amanhã da servidora e do servidor público no Brasil.

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