Não à toa, o presidente da República eleito e diplomado, Luiz Inácio Lula da Silva, foi à cerimônia de encerramento dos grupos de trabalho do governo de transição, nessa terça-feira (13), com um broche do Zé Gotinha na lapela. A valorização do símbolo da campanha nacional de vacinação mostra uma das maiores prioridades do governo que se inicia em 1° de janeiro: a vacinação em massa da população.
A campanha será uma resposta aos níveis alarmantes de imunização dos brasileiros. Dados do Ministério da Saúde apontam que a cobertura vacinal vem despencando no país. Em 2019, chegou a 73%; no ano seguinte, 67%; e em 2021 a cobertura foi inferior a 59% dos cidadãos imunizados. A recomendação oficial é de 95%.
Conscientizar a população da importância de se proteger por meio das vacinas é lutar contra o desserviço promovido pelo atual governo na pandemia. Bolsonaro e seus auxiliares puseram em xeque o poder da imunização contra a Covid-19 e plantaram a desconfiança em parte da população, que respondeu com baixa procura pelas vacinas em geral. O problema respingou ainda mais entre as crianças. A imunização contra o coronavírus, por exemplo, é de apenas 12% no público infantil, entre 6 meses a 3 anos, efeito, também, da baixa oferta de imunizantes nos postos.
“O nosso Grupo de Trabalho (GT) da Saúde atestou que um dos maiores desafios do início do governo Lula é retomar as campanhas de vacinação e reerguer o Programa Nacional de Imunização (PNI), completamente destruído depois do golpe contra a presidenta Dilma”, afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE), ex-ministro da Saúde e coordenador do GT que fez um diagnóstico do setor para o governo de transição.
Volta de doenças
Com a ajuda de rostos conhecidos do grande público, possivelmente de artistas e desportistas, a ideia da campanha é mostrar às pessoas que as vacinas são essenciais porque agem ensinando o sistema imunológico a combater vírus e bactérias que desafiam a saúde pública. Enquanto se trabalha para acabar com o medo das vacinas, inoculado pelo atual governo, a nova gestão do setor vai buscar a retomada dos índices de imunização que fizeram o Brasil ser respeitado em todo o mundo.
O desafio maior é evitar a volta de males que estavam erradicados, como a poliomielite. A doença foi considerada extinta no país em 1994, depois de décadas de esforço da Saúde Pública e de quase 27 mil casos entre 1968 e 1989. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a poliomielite causava paralisia em quase 100 crianças por dia no planeta até meados da década de 1980.
O temor que parecia uma fotografia do passado voltou com força. Hoje, menos de 70% das crianças com até 5 anos estão com as doses em dia, um quadro bem diferente do verificado em 2015, quando o país alcançou 98% de imunização contra o vírus da paralisia infantil. Entre os estados que menos vacinaram contra essa doença estão o Rio de Janeiro, com apenas 54,1% das crianças protegidas, e o Pará, com taxa de apenas 55,8%.
“A série histórica chegou aos seus menores níveis e doenças já erradicadas, como a poliomielite, correm o risco de voltar. Há falta de vacinas, vacinas vencendo, muito trabalho pela frente. Mas tenho certeza de que devolveremos o PNI ao patamar de reconhecimento mundial que ele sempre teve nos nossos governos”, assegurou o coordenador do GT.
Outra chaga que ameaça voltar é a febre amarela, que desde a década de 1930 é combatida por meio de vacina. O caos descrito por Humberto Costa fez a doença escalar números impressionantes. Entre 2016 e 2018 houve mais casos – 2.000 notificações e 670 óbitos – do que nos 55 anos anteriores.
A decadência do PNI fica ainda mais evidente quando se analisam os números do sarampo. Após mais de uma década de campanhas nacionais de vacinação, o país alcançou, em 2016, o certificado de eliminação da doença. Mas perdeu esse reconhecimento em 2019. A taxa de aplicação da primeira dose da tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, caiu de 96% para 74% nos últimos anos.
No Brasil, o acesso às vacinas recomendadas pela OMS é gratuito. São mais de 20, para todos os públicos. No caso das crianças, a vacinação regular é obrigatória desde 1990, quando foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas também pode ser divertida, graças à tradicional presença do boneco que simboliza o precioso líquido. “Ninguém vai trabalhar tanto no começo da nossa gestão como o Zé Gotinha”, brincou, muito sério, Humberto Costa.