“Adeus, obscurantismo!” Assim reagiu a senadora Teresa Leitão (PT-PE) à notícia de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai devolver a dois cientistas brasileiros a medalha da Ordem Nacional do Mérito Científico retirada pelo ex-presidente Bolsonaro em 2021. Também receberão a homenagem outros 21 agraciados que renunciaram à honraria em solidariedade aos colegas.
A informação foi dada pela ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, durante a 13ª Bienal da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro (RJ), nesta quinta-feira (2).
“A ciência deve ser estimulada. É importante reconhecer o mérito dos cientistas! Parabéns aos homenageados, parabéns ao presidente Lula”, completou Teresa Leitão, que acertou na mosca ao celebrar o fim do obscurantismo: os cientistas prejudicados trabalhavam com temas que se tornaram tabus durante o período bolsonarista e sua pauta de costumes negacionista e retrógrada.
A médica sanitarista Adele Benzaken foi diretora do Departamento de HIV/Aids do Ministério da Saúde entre 2016 e 2019, mas foi demitida nos primeiros dias do governo anterior após a publicação de uma cartilha voltada a homens transgêneros para a prevenção de DSTs (doenças sexualmente transmissíveis) — tema proibido a partir daquele momento, quando a cartilha foi inclusive retirada de circulação. Adele é especialista na área, com mais de 40 anos de atuação, e médica da Fundação de Medicina Tropical de Manaus, sua cidade de origem.
Já o médico infectologista Marcus Lacerda, da Fiocruz Amazônia, liderou a equipe que realizou uma das primeiras pesquisas em todo o mundo a concluir, em 2020, pela ineficácia do uso de cloroquina para o tratamento de Covid-19. O artigo científico foi publicado na Journal of the American Medical Association, publicação de referência internacional para a ciência. O estudo anulava o principal argumento negacionista de Bolsonaro e aliados, que insistiam na tese furada da “gripezinha” e do uso de cloroquina, um remédio eficaz contra a malária, apenas. Por isso, Lacerda passou a ser alvo de seguidos ataques patrocinados pelo chamado gabinete do ódio.
Como funciona a homenagem
A Ordem Nacional do Mérito Científico foi criada em 1993 para reconhecer contribuições científicas e técnicas de personalidades brasileiras e estrangeiras. A indicação dos agraciados é realizada por uma comissão formada por nove membros, designados de forma paritária pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
A lista de nomes deve ser elaborada levando em conta os serviços relevantes à ciência, tecnologia e inovação e o destaque pelas qualidades intelectuais, acadêmicas e morais dos cientistas.
Adele e Marcus receberam a honraria junto com outros 21 cientistas em 3 de novembro de 2021, via decreto assinado por Bolsonaro. No dia 5, porém, novo decreto foi publicado cancelando a condecoração aos dois, sem apresentar justificativa.
O repúdio à decisão não se limitou à renúncia coletiva ao prêmio, anunciada logo no dia 6 de novembro. As duas entidades responsáveis pela homenagem, ACB e SBPC, divulgaram nota condenando o cancelamento. Além disso, mais de 270 pesquisadores condecorados em anos anteriores publicaram carta acusando o então governo de censurar e perseguir cientistas. Entre os signatários estão nomes como Celso Amorim, Celso Lafer e Cristovam Buarque.
Na carta de renúncia, os 21 cientistas agradecem a indicação da honraria, mas se negam a recebê-la de um governo negacionista. “Ficamos extremamente honrados com a possibilidade de sermos agraciados com um dos maiores reconhecimentos que um cientista pode receber em nosso país. Entretanto, a homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora a ciência, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não é condizente com nossas trajetórias científicas. Em solidariedade aos colegas que foram sumariamente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação”, diz o texto.
“Esse ato de renúncia, que nos entristece, expressa nossa indignação frente ao processo de destruição do sistema universitário e de ciência e tecnologia. Agimos conscientes no intuito de preservar as instituições universitárias e científicas brasileiras, na construção do processo civilizatório no Brasil”, concluem os cientistas.
(Com Agência Brasil)