Após diálogo e alinhamento de conteúdo com o Ministério da Fazenda, protocolamos no Senado Federal o projeto de Lei nº 2006, de 2023, que pretende prorrogar até 2028 os incentivos fiscais para as empresas com projetos aprovados na Amazônia e no Nordeste. Porém, com mudanças nos critérios elegíveis para o acesso aos incentivos, que os ajustem aos tempos atuais. A Lei nº 13.799, de 2019, ao alterar a Medida Provisória nº 2.199-14, de 2001, estipulou que em 31 de dezembro do presente ano estarão extintos os incentivos fiscais previstos para pessoas jurídicas com projetos tidos como prioritários para o desenvolvimento regional nas áreas de atuação da Sudam e da Sudene.
De plano, a iniciativa pela continuidade dos incentivos fiscais demonstra que não obstante as nossas maiores prioridades programáticas associadas aos setores econômicos e extratos sociais mais vulneráveis, apoiamos as grandes empresas comprometidas com a produção de riqueza, a geração de renda e emprego, e com a redução das desigualdades regionais. Adicionalmente, consideramos meritórios e merecedores do apoio do Estado os grandes empreendimentos instalados na Amazônia, que operam em conformidade com os requisitos da sustentabilidade socioambiental.
Também não seria razoável assistir passivamente à extinção dos incentivos fiscais para as duas regiões mais pobres do país, no contexto dos esforços do governo Lula pela recuperação de uma economia fulminada pela pandemia e pela inépcia do governo anterior que tanto infortúnio disseminaram entre o nosso povo. Vale assinalar que somente na Amazônia as renúncias tributárias federais a título de incentivos fiscais envolvem, na atualidade, em torno de R$ 6 bilhões/ ano, que mobilizam outros bilhões em investimentos privados.
Devemos reconhecer que as máculas acumuladas pela aplicação dos incentivos fiscais na Amazônia, incluindo a corrupção e os efeitos desastrosos do instrumento nas esferas ambiental, social, fundiária e territorial, não contribuem para ações em defesa da manutenção desses benefícios. No entanto, é inteligente diferenciar o instrumento econômico propriamente dito, das distorções políticas e administrativas deliberadas que o guiaram desde os governos do ciclo militar de 1964 até a redemocratização do país.
Com efeito, os incentivos fiscais estiveram no núcleo da chamada “Operação Amazônia”, constituindo nos grandes vetores do processo de destruição, em escala extrema, da floresta, e demais sequelas conhecidas. Tudo em nome de um suposto projeto de desenvolvimento que combinou noção geopolítica paranoica segundo a qual “floresta em pé” constituía ameaças para a segurança nacional, com a abertura plena da região para a rapinagem das riquezas regionais por setores do grande capital nacional e internacional.
Muitas dessas distorções foram mitigadas ou eliminadas desde a Constituição de 1988. Mas passamos da hora de verdadeiramente implantarmos um projeto de desenvolvimento para a Amazônia conforme proposto no Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil que forneceu a base programática do governo Lula. Um projeto que de fato venha a se traduzir na redução das assimetrias regionais, no enfretamento da pobreza e, em especial, que concilie a economia com propósitos efetivos da transição ecológica. O “desmatamento zero”, com a garantia de vida digna para a população da Amazônia, talvez seja o maior compromisso civilizatório do Brasil, pois vital não apenas para os brasileiros, mas para toda a humanidade.
Claro que os incentivos fiscais, ainda que relevantes, constituiriam apenas uma das engrenagens institucionais desse projeto.
A proposta legislativa que apresentamos, além de defender a extensão dos incentivos até 2028, substantivamente sugere mudanças nos critérios para o acesso a esses benefícios, vez que pelas regras atuais, genéricas e permissivas, “cabe tudo”. O Decreto nº 4.212, ainda de 2002, elege os setores da economia beneficiários dos incentivos fiscais. Por exemplo, o Decreto lista os setores de infraestrutura, turismo, agroindústria, indústria extrativa de minerais metálicos, etc, sem, todavia, fixar as indispensáveis condicionalidades socioambientais que sem impõem para os empreendimentos beneficiários, de modo a ajustá-los a uma perspectiva real de desenvolvimento econômico em bases democráticas e de sustentabilidade para a Amazônia e o Nordeste.
O projeto de Lei que submetemos ao parlamento federal busca mudar esse quadro de “passa boiada” para definir uma modulação de conformidade dos empreendimentos aos requisitos para esse projeto contemporâneo de desenvolvimento. Nesses termos, a proposição exige que a regulamentação da Lei especifique os critérios para que os empreendimentos beneficiários dos incentivos fiscais desenvolvam atividades econômicas compatíveis com o enfrentamento da pobreza e da concentração fundiária, com a transição para a economia de baixo carbono, com a valorização da biodiversidade e, especificamente, em linha com os compromissos do Brasil no Acordo do Clima das Nações Unidas.
Portanto, considerando a relevância da matéria para os interesses da região e do nosso estado, estimulamos o debate amplo sobre a mesma para eventuais aperfeiçoamentos do texto e para a sua maior representatividade possível.
Artigo originalmente publicado no jornal O Liberal