Meio Ambiente

Como está, nova regra de licenciamentos gerará guerra ambiental, avalia especialista

Nova legislação sobre o tema deve priorizar segurança jurídica e meio ambiente ecologicamente equilibrado, diz secretário extraordinário de Controle do Desmatamento
Como está, nova regra de licenciamentos gerará guerra ambiental, avalia especialista

Exemplo de problema gerado com flexibilização de licenciamento ambiental: aumento do desmatamento no entorno de áreas onde estão sendo construídas rodovias. Na imagem, a BR-319 (Manaus-Porto Velho), onde o desmatamento aumentou 122% após início do asfaltamento. Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real

O projeto que trata das novas regras para licenciamento ambiental no país (PL 2159/2021) foi tema de audiência pública, nesta quarta-feira (31/5), no Senado. A proposta, no entanto, acaba tratando o tema como mero entrave burocrático, aponta o secretário Extraordinário de Controle do Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), André Lima.

A proposta, já aprovada na Câmara dos Deputados, prevê que uma série de obras passariam a ficar isentas da obrigatoriedade de licenciamento ambiental, como saneamento básico, manutenção em estradas e portos, distribuição de energia elétrica com baixa tensão e empreendimentos militares.

“Da forma que foi aprovado, licença ambiental é visto como um entrave e não como efetiva segurança real para o investimento público e privado, e para o principal, que é o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, aponta André Lima.

O aumento da insegurança jurídica aos setores público e privado, além dos riscos ambientais, que a aprovação do PL 2159/2021 pode provocar no país foi tema de nota da Associação Nacional dos Procuradores da República. Com isso, segundo a associação, o texto como está implicaria em uma sucessão de prejuízos econômicos, com impactos nos setores produtivos.

Na avaliação do coordenador de Política Pública do WWF Brasil, Raul Valle, o projeto pode piorar a burocracia no país em relação ao licenciamento ambiental.

“O projeto permite que cada estado defina o que deve ou não deve ser licenciado e qual o formato de licenciamento. Da forma como está, nós poderíamos ter tranquilamente 27 regras diferentes no Brasil”, aponta.

“Acredito que manter do jeito que está esse dispositivo vai levar a uma guerra ambiental. Estados vão começar a competir quem vai dispensar licenciamento e você passará a ter a alocação de empreendimentos da pior forma possível”, acrescenta.

Um dos exemplos citados foi em relação à construção de rodovias. “O asfaltamento, no genérico, pode ser feito por meio de licença por adesão e compromisso, que é um autolicenciamento ambiental. Em vários casos, em áreas onde o asfaltamento pode induzir uma ocupação, vai gerar desmatamento e uma série de problemas”, coloca Raul.

Desrespeito à Constituição

O parecer aponta ainda que a flexibilização das regras de licenciamento ambiental, incluindo a dispensa do procedimento para uma série de atividades e empreendimentos com impacto significativo ao meio ambiente, é incompatível com diversos artigos da Constituição Federal.

“Se a gente elimina a zona de amortecimento e licenciamento ambiental até mesmo para um pequeno empreendimento, como uma usina de reciclagem ou de compostagem, pode significar impacto na fauna, na biota ou num bairro local”, critica o secretário André Lima.

Indígenas

O prejuízo que a matéria causará aos povos indígenas também foi tratada na audiência. Segundo a senadora Leila Barros (PDT-DF), a matéria ameaça as comunidades tradicionais.

“Se trata de uma retirada de direitos a possibilidade, dentro do projeto, de não haver a necessidade de um rito no processo de licenciamento e sequer escuta de povos indígenas na construção de empreendimentos. A matéria prevê apenas o envio de um termo de referência à Funai, cuja resposta não irá conferir qualquer condicionante ao empreendimento”, coloca a senadora.

O PL 2.159/2021 estabelece que apenas terras homologadas e territórios titulados serão consideradas em procedimentos de licenciamento ambiental, contrariando o sistema constitucional de proteção a esses povos e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Como consequência da aprovação da proposta, cerca de 40% das terras indígenas e de 87% dos territórios quilombolas serão desconsiderados para licenciamentos ambientais.

A audiência foi realizada de forma conjunta pelas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).

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