O projeto que trata das novas regras para licenciamento ambiental no país (PL 2159/2021) foi tema de audiência pública, nesta quarta-feira (31/5), no Senado. A proposta, no entanto, acaba tratando o tema como mero entrave burocrático, aponta o secretário Extraordinário de Controle do Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), André Lima.
A proposta, já aprovada na Câmara dos Deputados, prevê que uma série de obras passariam a ficar isentas da obrigatoriedade de licenciamento ambiental, como saneamento básico, manutenção em estradas e portos, distribuição de energia elétrica com baixa tensão e empreendimentos militares.
“Da forma que foi aprovado, licença ambiental é visto como um entrave e não como efetiva segurança real para o investimento público e privado, e para o principal, que é o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, aponta André Lima.
O aumento da insegurança jurídica aos setores público e privado, além dos riscos ambientais, que a aprovação do PL 2159/2021 pode provocar no país foi tema de nota da Associação Nacional dos Procuradores da República. Com isso, segundo a associação, o texto como está implicaria em uma sucessão de prejuízos econômicos, com impactos nos setores produtivos.
Na avaliação do coordenador de Política Pública do WWF Brasil, Raul Valle, o projeto pode piorar a burocracia no país em relação ao licenciamento ambiental.
“O projeto permite que cada estado defina o que deve ou não deve ser licenciado e qual o formato de licenciamento. Da forma como está, nós poderíamos ter tranquilamente 27 regras diferentes no Brasil”, aponta.
“Acredito que manter do jeito que está esse dispositivo vai levar a uma guerra ambiental. Estados vão começar a competir quem vai dispensar licenciamento e você passará a ter a alocação de empreendimentos da pior forma possível”, acrescenta.
Um dos exemplos citados foi em relação à construção de rodovias. “O asfaltamento, no genérico, pode ser feito por meio de licença por adesão e compromisso, que é um autolicenciamento ambiental. Em vários casos, em áreas onde o asfaltamento pode induzir uma ocupação, vai gerar desmatamento e uma série de problemas”, coloca Raul.
Desrespeito à Constituição
O parecer aponta ainda que a flexibilização das regras de licenciamento ambiental, incluindo a dispensa do procedimento para uma série de atividades e empreendimentos com impacto significativo ao meio ambiente, é incompatível com diversos artigos da Constituição Federal.
“Se a gente elimina a zona de amortecimento e licenciamento ambiental até mesmo para um pequeno empreendimento, como uma usina de reciclagem ou de compostagem, pode significar impacto na fauna, na biota ou num bairro local”, critica o secretário André Lima.
Indígenas
O prejuízo que a matéria causará aos povos indígenas também foi tratada na audiência. Segundo a senadora Leila Barros (PDT-DF), a matéria ameaça as comunidades tradicionais.
“Se trata de uma retirada de direitos a possibilidade, dentro do projeto, de não haver a necessidade de um rito no processo de licenciamento e sequer escuta de povos indígenas na construção de empreendimentos. A matéria prevê apenas o envio de um termo de referência à Funai, cuja resposta não irá conferir qualquer condicionante ao empreendimento”, coloca a senadora.
O PL 2.159/2021 estabelece que apenas terras homologadas e territórios titulados serão consideradas em procedimentos de licenciamento ambiental, contrariando o sistema constitucional de proteção a esses povos e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Como consequência da aprovação da proposta, cerca de 40% das terras indígenas e de 87% dos territórios quilombolas serão desconsiderados para licenciamentos ambientais.
A audiência foi realizada de forma conjunta pelas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).