Parlamentares da Bancada do PT e de outros partidos de esquerda comemoraram nesta quarta-feira (27/9) o “enterro definitivo” da CPI do MST, após 130 dias de funcionamento. O colegiado, comandado pelos deputados bolsonaristas Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS) e Ricardo Salles (PL-SP), respectivamente presidente e relator da CPI, acabou hoje após ter seu prazo de funcionamento esgotado e sem a votação de relatório. Durante coletiva de imprensa no Salão Verde da Câmara, parlamentares do PT e do PSOL afirmaram que a CPI termina como começou, de forma vexatória e sem ter comprovado crime algum praticado por movimentos sociais.
Logo no início da coletiva, o coordenador da Bancada do PT no colegiado, deputado Nilto Tatto (SP), lembrou que a CPI foi criada sem fato determinado – como determina a Constituição Federal. Ele disse ainda que os bolsonaristas na CPI tinham um único objetivo: criminalizar os movimentos que lutam pela democratização da terra e a própria reforma agrária.
“Estamos aqui para celebrar o final da CPI do MST. Essa CPI, sem fato determinado, foi criada para criminalizar os movimentos que lutam pelo direito à terra e a própria reforma agrária. Falamos isso desde que ela foi criada. Isso ficou patente no relatório apresentado pelo relator Ricardo Salles, que terminou inclusive dizendo que o Brasil não precisa de reforma agrária, mesmo sabendo que temos 100 mil cadastrados no Incra e 70 mil famílias acampadas, aguardando um lote para dar perspectiva de vida às suas famílias”, explicou.
Durante a coletiva, e depois em discurso no plenário da Câmara, Nilto Tatto apresentou a declaração de voto de parlamentares de esquerda contrários ao relatório de Ricardo Salles. No documento, os parlamentares do PT, PSOL, PSB, PCdoB e PDT afirmam que “longe de ser uma peça legislativa aproveitável”, o relatório final da CPI “constitui um arrazoado mal escrito, com acusações sem nexos causais comprovados”.
“Ou seja, é apenas uma peça que resume a retórica de parte dos deputados que compõem a Comissão e que representa o agronegócio burro, que só pensa em lucro fácil, como bem caracterizado por João Pedro Stédile”, afirmam os parlamentares utilizando uma frase dita pelo líder sem-terra ao depor na CPI.
Ilegalidades cometidas pela CPI
Na declaração de voto, os parlamentares destacam que o colegiado foi instalado “sem fato determinado” e que durante seu funcionamento praticou uma série de ilegalidades com o objetivo de criminalizar os movimentos sociais que lutam pela democratização da terra, especialmente o MST e a Frente Nacional de Luta (FNL). Entre os abusos, os deputados denunciaram a “elaboração tendenciosa das pautas de votação, obstrução, atraso do acesso aos documentos, centralização das atividades da CPI na figura do Relator, o desrespeito ao Regimento Interno, e o comprometimento misógino da Presidência e da relatoria contra deputadas que integravam a CPI”.
Além disso, foram denunciadas ainda atitudes arbitrárias cometidas por deputados bolsonaristas como “abuso de autoridade durante as diligências realizadas, como: ameaça e invasão de domicílio, exposição forçada de pessoas vulneráveis na mídia e até a entrada em terras indígenas sem as devidas autorizações”. “O crime mais evidente que caracteriza de forma cabal os reais intentos da relatoria e de parte dos membros da CPI é a apologia à ditadura, expressa na defesa aberta do golpe militar, feito na sessão do dia 1º de agosto de 2023”, denunciam.
Comemoração pelo fim da CPI
Durante a coletiva, a representante do MST e parlamentares do PT comemoraram o fim melancólico da CPI. Ceres Hadich, da direção nacional do Movimento Sem Terra, disse que “uma extrema direita, hoje cada vez mais isolada na sociedade e no parlamento, não alcançou seus objetivos ao buscar criminalizar os movimentos sociais e pessoas que se organizam para lutar, perseguindo nossas lideranças e militância”. “É impossível admitirmos que em um País onde mais de 33 milhões de pessoas passam fome, a gente siga tentando criminalizar movimentos sociais que são legítimos e que fazem a luta constitucional pelo direito à terra e pela reforma agrária no País”, disse.
Na mesma linha, a presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), ressaltou que o fim da CPI representa uma grande vitória para os movimentos sociais e a luta pela democratização da terra no País. “De fato, esta CPI não poderia terminar de outro modo. Tinha que ter um fim melancólico porque ela nunca teve razão de existir. Foi constituída apenas para ser um palco de luta ideológica e tentar criminalizar não só o MST, mas os movimentos sociais. Quero comemorar esse fim, junto com meus colegas parlamentares, os movimentos sociais e agradecer a nossa assessoria e ao MST pela firmeza que teve nessa luta”, afirmou.
Já o vice-líder do Governo na Câmara, deputado Alencar Santana (PT-SP), ressaltou que “essa foi a CPI da vingança” daqueles que foram derrotados nas eleições de 2022. Segundo ele, o fim da CPI sem a votação do relatório de Ricardo Salles foi “a vitória da democracia”. “Essa CPI foi mais um capítulo que se iniciou com a tentativa do golpe do 8 de janeiro. Fico muito feliz que essa CPI tenha sido desmoralizada”, observou.
Deputados do MST continuam na luta
Na coletiva, os deputados petistas Valmir Assunção (BA), João Daniel (SE) e Marcon (RS), todos oriundos do MST e assentados da reforma agrária, reafirmaram o compromisso de apoiar a luta dos movimentos sociais que trabalham pela democratização do acesso à terra no País. O deputado Valmir Assunção foi especialmente parabenizado pelos parlamentares por ter sido atacado pelo relator Ricardo Salles, que o ameaçou publicamente de indiciá-lo pelo apoio dado ao MST na Bahia.
“Quero dizer com orgulho que sou assentado da reforma agrária e militante do MST. Estou no meu 4º mandato e saio dessa CPI mais fortalecido, com vontade lutar pela reforma agrária e defender os movimentos sociais, os indígenas, os quilombolas, os sem-terra, a juventude, as mulheres, os negros e a classe trabalhadora, porque foi por isso que me elegi deputado federal”, avisou.
Já o deputado João Daniel, que coordena o Núcleo Agrário da Bancada do PT, destacou que o fim vexatório da CPI é “um marco da luta de classes dentro do Congresso Nacional”. “No início da CPI colocamos em uma entrevista que, quem montou essa CPI ou era financiado, pago, simpatizante ou enganado pela grilagem de terra, pelo trabalho escravizado, pelos criminosos ambientais ou pelos que apoiam a desgraça da história da propriedade da terra que vem desde as Capitanias Hereditárias. Por isso eu digo: essa CPI é um marco da luta de classes dentro do Congresso Nacional”, apontou.
Ao também ressaltar que tem orgulho de pertencer ao MST e de ser assentado da reforma agrária, o deputado Marcon ressaltou que, mesmo após o fim da CPI, o MST vai continuar demonstrando solidariedade ao povo brasileiro nos momentos de dificuldade e lutando pela reforma agrária no País. “Tenho orgulho do MST, que esteve nas enchentes fazendo marmita de comida para os flagelados do Vale do Taquari [no Rio Grande do Sul]. Onde é que estava a bancada do fascismo, do rompante, que estava na CPI? Onde estavam? Qual é a solidariedade que eles dão ao povo brasileiro? Pelo contrário, estiveram na Bahia para humilhar homens e mulheres assentados. Nós entramos nessa CPI de cabeça erguida e estamos saindo de cabeça erguida, com o compromisso de apoiar a luta dos movimentos sociais e defender a democracia. Viva o Movimento Sem Terra”, declarou o petista.
Também se pronunciaram durante a coletiva o deputado Rogério Correia (PT-MG), as deputadas do PSOL, Sâmia Bonfim (SP), Talíria Petrone (RJ) e Professora Luciene Cavalcante (SP).
Leia abaixo a íntegra da declaração de voto do PT contra o relatório da CPI:
“O relatório apresentado pelo Deputado Ricardo Salles, longe de ser uma peça legislativa aproveitável, constitui um arrazoado mal escrito, com acusações sem nexos causais comprovados, ou seja, é apenas uma peça que resume a retórica de parte dos Deputados que compõe a Comissão e que representa o agronegócio burro, que só pensa em lucro fácil, como bem caracterizado por João Pedro Stédile.
A própria Comissão padeceu e padece até o fim de um vício de origem insanável, cujo requerimento de constituição não apresentou qualquer fato determinado, como exigido pelo art. 1º da Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952, e também do art. 35 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que exigem a indicação de acontecimentos cuja relevância seja de interesse para a vida pública, a ordem constitucional, legal, econômica e social do País. Tratava-se, como firmado em reiteradas intervenções em sessões da Comissão, de que o objetivo não era o de realizar uma investigação séria que propiciasse a elaboração de proposições para a melhoria da vida do povo brasileiro, mas apenas de criminalizar os movimentos sociais, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a luta pela reforma agrária.
O relatório, apresentado sem qualquer prova, afirma que, entre aspas, “tais grupos, ao adotarem práticas ilegais e abusivas, muito mais se assemelham a facções criminosas do tráfico de drogas, constituindo verdadeiras facções sem-terra. Seus métodos, terminologias e estratégias muito se parecem com as do crime organizado”, fecha aspas.
Este tratamento dispensado pelo relatório aos movimentos sociais corrobora o que se denunciou ao longo da existência da CPI de que o objetivo era mesmo o de criminalizar os movimentos. Nada diferente se poderia esperar quando os trabalhos de uma CPI são conduzidos com parcialidade e abusos cometidos por parte de seus membros, do Presidente e do Relator, que vão desde atividades administrativas, elaboração tendenciosa das pautas de votação, obstrução, atraso do acesso aos documentos, centralização das atividades da CPI na figura do Relator, entre outros, e o desrespeito ao Regimento Interno, o comprometimento misógino da Presidência e da relatoria contra Deputadas que integravam a CPI.
Entre os delitos comuns cometidos por alguns membros da CPI, de forma individual ou coletiva, especialmente pela relatoria e a Presidência, destacam-se os crimes perpetrados com abuso de autoridade durante as diligências realizadas, como: ameaça e invasão de domicílio, exposição forçada de pessoas vulneráveis na mídia e até a entrada em terras indígenas sem as devidas autorizações; mas o crime mais evidente que caracteriza de forma cabal os reais intentos da relatoria e de parte dos membros da CPI é a apologia à ditadura, expressa na defesa aberta do golpe militar, feito na sessão do dia 1º de agosto de 2023.
As arbitrariedades, abusos e crimes perpetrados por membros da CPI durante os trabalhos da Comissão foram objeto de questões de ordem formuladas em plenário, recursos diante da negativa das questões de ordem, denúncias aos órgãos de controle e ações judiciais que passam a ser pontuadas: sessões para oitivas de testemunhas e realizadas diligências no Estado de São Paulo, Goiás, Alagoas e Bahia.
Em audiência, foram ouvidos especialistas, autoridades dos movimentos. O relatório faz parte por afrontar diretamente a decisão do Supremo Tribunal Federal, ajuizada na Assembleia Legislativa de Alagoas, ao incluir capítulo sobre as ações do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas. No afã da disputa política, o relatório avança com a sanha sem qualquer pudor e rigor técnico para tentar atingir a imagem de Deputados, como Sâmia Bomfim e Valmir Assunção, e também do Governo, com ilações sobre as pessoas do General Gonçalves Dias, do Ministro Fávaro e do Ministro Rui Costa.
De rigor, a CPI não tem competência para investigar Parlamentares nem pelas vias dos denominados fatos conexos. Aliás, fosse esse o modo de investigar a ação de Parlamentares, não poderia deixar de citar que o Relator já é réu em ação judicial pelos ilícitos que cometeu quando Ministro do Meio Ambiente no Governo anterior. Em que pese repisamos o ato da constituição da CPI não ter qualquer fundamento, fizemos um esforço para tentar extrair algum resultado positivo, como diz o dito popular, “tirar leite de pedra”.
E aí elencamos nós, este conjunto de Parlamentares que assinam este voto em separado, uma série de Parlamentares que estão juntos nesse processo, mas também um conjunto de medidas que este Parlamento pode adotar e que o próprio Governo pode adotar para avançar na reforma agrária e nas políticas de apoio à agricultura familiar. Por isso é importante que esta Casa, ao instalar uma CPI, analise concretamente quando há fato determinado, porque é muito ruim para o Parlamento o que aconteceu durante aquela CPI, muito ruim para o instrumento da CPI e para a imagem dos Parlamentares.
Aqui, é importante o empenho das Lideranças, em especial da Liderança do PT, das Lideranças do Governo, das Lideranças de todos os partidos que compõem a base do Governo, que, entendendo que esta CPI percorreu por descaminhos não muito salutares do ponto de vista do instrumento da CPI, houve o papel importante do Presidente Lira de não prorroga-la mais uma vez, lembrando que havia dado já uma prorrogação para apresentarem o relatório, mas não apresentaram o relatório em tempo para ser votado. E agora a CPI se encerra sem relatório nenhum, como de fato ela não deveria nem ter sido instalada.
Assinam os (as) parlamentares:
Daiana Santos (PCdoB-RS)
Padre João (PT-MG)
Gleisi Hoffmann (PT-PR)
Lídice da Mata (PSB-BA)
Camila Jara (PT-MS)
Paulão (PT-AL)
Gervásio Maia (PSB-PB)
Sâmia Bomfim (PSOL-SP)
Valmir Assunção (PT-BA)
Professora Luciene Cavalcante (PSOL-SP)
Talíria Petrone (PSOL-RJ)
Alencar Santana (PT-SP)
João Daniel (PT-SE)
Marcon (PT-RS)
Vídeo na íntegra da coletiva: