“A gente nunca é chamado para as boas coisas. Sempre que somos chamados é para a luta. E só conseguimos abrir uma ou outra porta com muita dor. Às vezes nos sentimos impotentes. A sociedade brasileira parece que não enxerga a gente. Como é triste estar sempre batendo na mesma tecla há 500 anos”. Esse é o depoimento de uma jovem líder indígena do Mato Grosso do Sul, que atua junto com outras lideranças em todas as causas indígenas, e de forma especial em relação às mulheres.
Representante da comunidade Guarani Aldeia Jaguapiru, Suzie Silva Vito é alguém que já viu seu tio Marçal de Souza Tupã-Y, um grande líder indígena reconhecido internacionalmente, ser assassinado dentro da terra que foi dos seus antepassados e que ainda hoje não foi devidamente demarcada. A mãe de Suzie participou da luta, em 1987, para que o Brasil tivesse a Constituição Cidadã que tem hoje, conquistando em sua redação um capítulo específico para os indígenas, salvaguardando seus direitos como povos a manter suas terras, culturas e identidades, sem serem forçados a se integrarem à “civilização”. Vários anos depois, aquilo que está na Constituição, fruto da luta da sua mãe, ainda não foi concretizado.
Digo isso para citar outro depoimento: também é duro para os povos indígenas verem como o Estado Brasileiro os trata em pleno século XXI. O Poder Legislativo cria a Comissão Especial na Câmara dos Deputados sobre a PEC 215/2000, que além de transformar o direito constitucional dos indígenas em uma discussão política, cujas resultantes dependerão da correlação de forças no Parlamento, ainda prevê a possibilidade de rever as terras já demarcadas, provocando a pior insegurança possível aos povos originários.
O Poder Judiciário julga em várias instâncias contra os direitos garantidos na Carta Magna e ainda estabelece condicionantes na impossibilidade de agir contra a constituição. O Poder Executivo publica uma portaria que amplia as condicionantes de uma para todas as demarcações como a regra pela qual agiria na defesa dos direitos indígenas que é sua atribuição.
É nesse contexto que, depois de 45 anos sumido, foi encontrado um dos documentos mais importantes produzidos pelo Estado brasileiro que mostra os absurdos cometidos no último século contra os povos indígenas. Chamado de Relatório Figueiredo, ele descreve matanças de tribos inteiras, torturas, crueldades de todo tipo cometidas contra indígenas em todo o Brasil. Agora, estas denúncias foram entregues à Comissão da Verdade e com isso surgem as provas de uma absurda situação de genocídio que ao longo do tempo sofrem esses povos. Um quadro desolador que exige luta e mobilização dos povos indígenas.
Acredito que nós, investidos de autoridades no Poder Executivo, Legislativo e do Judiciário precisamos, por um minuto apenas, refletir verdadeiramente se estamos “fazendo de conta” ou se estamos empenhados em buscar as mudanças necessárias para garantir as condições mínimas de qualidade de vida aos verdadeiros donos da terra Brasil.
A presidenta Dilma faz um desafio para o Brasil: país rico é um país sem miséria, é um país sem pobreza. Qual é a maior fatia proporcional da população que está na miséria e na pobreza? Os maiores indicadores de mortalidade infantil e analfabetismo estão entre os índios. A violência e assassinatos prevalecem entre os índios. A mortalidade de mulheres também. Se considerarmos a população com acesso à água potável, habitação, condições de alfabetização, vamos encontrar entre povos indígenas os mais abandonados.
É essa a reflexão que, como senador da República, eu faço na semana do índio.
Wellington Dias é senador da República (PT-PI) e índio descendente da nação Gê, do estado do Piauí.