Acuado entre as pressões de uma importante facção de sua base, a dos caminhoneiros, e o pacto com o rentismo, personalizado no ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro se vê obrigado a contorcionismos retóricos para, como habitualmente, transferir a responsabilidade pela disparada dos preços dos combustíveis neste início de 2021.
Pela sexta vez neste ano, a Petrobras aumentou o preço do diesel, e pela quinta vez o da gasolina. A partir desta sexta (19), com o novo reajuste nas refinarias em torno de 15%, o diesel ficará em R$ 2,58 o litro (aumento de R$0,34). A gasolina chegará a R$ 2,48, o litro, com o reajuste em torno de 10% (aumento de R$ 0,23). O acumulado nesses 50 dias já é de 34,4% para a gasolina e 27,7% para o diesel.
No mesmo dia em que os reajustes foram anunciados, Bolsonaro aproveitou a live das quintas para atacar o presidente da estatal, Roberto Castello Branco, nomeado por ele após indicação de Guedes. “Não tem quem não ficou chateado com o reajuste de hoje”, comentou, anunciando que o governo federal vai zerar o imposto federal sobre o diesel por dois meses e que “alguma coisa vai acontecer na Petrobras nos próximos dias”.
Bolsonaro prosseguiu lançando suspeitas de fraudes nas notas fiscais distribuídas pelos postos de combustíveis, que para ele deveriam conter os valores dos impostos federais e estaduais incididos sobre os produtos. Na sequência, voltou a bater em Castello Branco, lembrando uma fala do fim de janeiro, declarando que a greve dos caminhoneiros “não era um problema da Petrobras”.
No início do mês, Bolsonaro anunciou que pretende enviar ao Congresso um projeto para mudar a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Uma forma de constranger os governadores, pois o imposto é estadual e as unidades da Federação têm autonomia para definir as alíquotas. Bolsonaro quer que o ICMS seja definido pelo governo federal sobre o preço dos combustíveis nas refinarias e não no preço final ao consumidor, como é atualmente.
Para William Nozaki, diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep/ FUP), essa é mais uma das impropriedades de Bolsonaro. “Nos últimos anos não houve nenhum reajuste relevante do ICMS que explique o grau de oscilação que os combustíveis passaram a ter. Isto significa que não só os impostos estão provocando os aumentos”, afirmou.
Nozaki explica que o preço dos combustíveis no Brasil é composto pelos ganhos da refinaria, dos distribuidores e revendedores, o valor do biodiesel acrescido aos combustíveis, mais os impostos federais e estaduais. “A verdade é que a fatia final dos impostos chega no máximo a 28% sobre o preço dos combustíveis”, argumentou.
Política de preços lesa-pátria
Apesar do empenho de Bolsonaro em isentar o governo federal de responsabilidade sobre as quantias pagas pelo gás, gasolina e diesel, a política de dolarização de preços praticada pela Petrobras é de fato a maior responsável pela inflação dos combustíveis.
O valor interno é atrelado ao mercado internacional por meio do mecanismo de Paridade de Preços Internacionais (PPI), que é o índice determinado internacionalmente convertido em real pela taxa de câmbio, mais 5%.
Essa política foi adotada em 2016, sob o usurpador Michel Temer, após o golpe contra a presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff. Implementada por Pedro Parente – indicação do PSDB, um dos sócios majoritários do golpe – a ação de Temer, em retribuição ao apoio do mercado financeiro à conspiração, gerou as seguidas altas dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha observadas desde então.
“Quando a política de paridade foi implementada, o reajuste era diário em tempo real. Mudou na bolsa, mudou nas bombas e refinarias, o que gerou uma série de turbulências e culminou na greve dos caminhoneiros, e o governo decidiu mudar os reajustes para quinzenais”, conta Nozaki. No governo Bolsonaro, prossegue, “não há data no calendário especificando quando haverá reajustes que podem ser diários, semanais, mensais ou trimestrais e o calendário de reajustes fica a critério da empresa”.
Deyvid Bacelar, coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), à qual o Ineep é vinculado, afirmou no programa ‘Bom Dia 247’ desta sexta (19) que não acredita numa suposta demissão de Castello Branco. “Se Bolsonaro alterar a política da Petrobras, ele irá mexer com aqueles que apoiaram o golpe de 2016 e ajudaram a financiar sua campanha em 2018. Bom seria, mas acho muito difícil que ele altere a atual política da Petrobras e demita o presidente da estatal”, avaliou Bacelar.
Embora ressalte que o governo é o acionista majoritário da Petrobras e não deveria permitir que a empresa atenda apenas a acionistas minoritários internacionais, ele pondera que Bolsonaro “iria bater de frente com os acionistas internacionais que estão arrematando a preço de banana uma série de ativos, não somente na Petrobras, mas de uma série de outras empresas estatais”.
Mercado e seus porta-vozes reagiram
Sintomaticamente, na manhã desta sexta a Bovespa operava em baixa de 0,38%. No começo da tarde, a ação preferencial da Petrobras caía 5,2%, enquanto a ação ordinária recuava 6,22%. De forma simultânea, os comentaristas econômicos da mídia corporativa entoavam os mantras do liberalismo tupiniquim contra a “interferência do Estado na livre economia”, reforçando a pressão sobre Bolsonaro.
Pela manhã, ele voltara a reclamar da Petrobras, exigindo “previsibilidade” nos reajustes, enquanto se apropriava das obras do Ramal do Agreste, que fazem parte da Integração do Rio São Francisco iniciada por Luiz Inácio Lula da Silva, no Sertão de Pernambuco.
No início de fevereiro, a direção da Petrobras havia anunciado uma mudança na política de reajuste dos preços que, na prática, não mudou nada. Pelas novas regras, o período base de cálculo para os reajustes, que era feito a cada três meses, passa a ser anual. No entanto, a política de paridade internacional está mantida.
“Mesmo alterando a periodicidade, se o preço internacional sobe a longo prazo, em algum momento vai ter repasse ao consumidor”, disse o pesquisador e economista Rodrigo Pimentel Ferreira Leão, coordenador técnico do Ineep, ao ‘ Brasil de Fato’.
Para Bacelar, da FUP, “se o governo federal e atual gestão da Petrobras adotassem uma política de preços baseada nos custos nacionais de produção, mesmo com alguns ajustes para atender critérios internacionais, os derivados de petróleo seriam bem mais baratos sem precisar responsabilizar os tributos, que têm a finalidade de atender as demandas sociais do povo com serviços públicos de qualidade”.
Por outro lado, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo de Pernambuco e Paraíba (Sindipetro-PE/PB), Rogério Almeida, afirma que a situação poderá se agravar caso o desgoverno Bolsonaro prossiga com sua intenção de entregar à iniciativa privada oito refinarias que, juntas, correspondem a 50% de todo o refino do país. “A sociedade tem que lutar, não podemos entregar nossas refinarias porque senão vamos ter que pagar cada vez mais caro por esses combustíveis”, alertou.
Da Redação, com CUT e Brasil de Fato.