Acompanhar indicadores sociais brasileiros baseados em renda até o começo da década passada era um exercício frustrante. A alta desigualdade brasileira se comportava desde 1970 como se fosse uma constante da natureza, enquanto a renda média flutuava ao sabor de choques externos e de políticas internas em torno da tendência nula assumida nas chamadas décadas perdidas. Agora, finda, no sentido gregoriano da palavra, a primeira década do século pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – Pnad 2011 recém-lançada, o que podemos dizer de medidas sociais baseadas em renda domiciliar per capita nos anos 00?
A década passada começou como as duas anteriores, sem crescimento e com instabilidade de renda. O crescimento da renda, em particular do emprego formal, volta com força a partir do fim da recessão de 2003 até 2011 (e depois). Neste ínterim, a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita acumulada foi de 27,7%, sendo superada em 13 pontos percentuais pela renda da Pnad, a perspectiva aqui seguida.
A partir de
Como foi o crescimento da renda per capita mediana entre pessoas de diferentes segmentos da sociedade brasileira?
Essa combinação tupiniquim de crescimento com desigualdade gera impactos crescentes e cumulativos sobre os níveis de pobreza e de bem-estar social. A mediana de renda que capta melhor que a média as condições de vida da população cresceu 63,61%. Valor quase duas vezes mais rápido que os 32,2% da média de renda na década passada. Esta distância entre média e mediana é uma medida da magnitude da redução de desigualdade observada.
Se a média esconde tanto quanto revela, a desigualdade de renda pessoal medida pelas medidas tradicionais acaba fornecendo uma visão impessoal, se abstraindo da face humana que é possível de ser enxergada pelas lentes das pesquisas domiciliares. Mais diretamente, como foi o crescimento da renda per capita mediana entre pessoas de diferentes segmentos da sociedade brasileira como grupos de educação, idade, raça, região e etc?
No caso das pessoas que vivem em famílias chefiadas por analfabetos, a renda sobe 88,6%, vis a vis um decréscimo de 11,1% daquelas cujas pessoas de referência possuem 12 anos ou mais de estudo completos.
A renda do Nordeste sobe 72,8%, contra 45,8% do Sudeste. Similarmente, a renda cresceu mais nas pobres áreas rurais, 85,5%, contra 40,5% das metrópoles e 57,5% das demais cidades.
O conceito de renda domiciliar per capita elimina, por construção, toda a desigualdade existente entre diferentes membros de uma mesma família. Apesar desse efeito suavizador por características individuais no âmbito domiciliar per capita, algumas delas apresentam mudanças significativas. Senão vejamos.
A renda daqueles que se identificam como pretos e pardos sobe 66,3% e 85,5% respectivamente, contra 47,6% dos brancos. A renda das crianças de
Os setores de atividade mais dinâmicos, ainda em termos de renda mediana per capita de todas as fontes acima da média, incluem aqueles que abrigam a parcela mais pobre do país, como o de empregados agrícolas, de serviços domésticos e não remunerados cujas rendas sobem na década, 86%, 62,4% e 60,3%, respectivamente.
De maneira geral, a renda de grupos tradicionalmente excluídos, que tinham ficado para trás, foi a que mais prosperou no período. Em particular, analfabetos, negros, crianças, nordestinos, moradores do campo foi onde a renda cresceu mais no século XXI.
Dados sobre o progresso social do Brasil velho a partir da Pnad lançada sexta-feira, serão divulgados hoje, às 11 horas, em transmissão ao vivo pelo Ipea no site www.ipea.gov.br. O estudo, feito pela equipe no Ipea com participação especial de Pedro H. Ferreira, procura responder a uma série de perguntas sobre causas e consequências da distribuição de renda, do padrão de desenvolvimento inclusivo assumido nos anos
*Marcelo Côrtes Neri é presidente do Ipea e professor da EPGE/FGV. Autor de “A Nova Classe Média” (Editora Saraiva), “Microcrédito: o Mistério Nordestino e o Grameen Brasileiro” (FGV) e “Cobertura Previdenciária: Diagnósticos e Propostas” (MPS). Escreve mensalmente às terças-feiras. [email protected]
*Artigo publicado no jornal Valor Econômico no 25/09/2012