Ângela: “O verdadeiro juízo deste impeachment será a história, e estou certa de que a sentença não será favorável a esta Casa”A partir desta triste quarta-feira, 11 de maio de 2016, o Brasil será um País muito diferente do que veio sendo construído desde o amanhecer de 8 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. “Certamente, o Brasil será outro após a decisão que aqui tomarmos. Mas lamentavelmente não teremos um país melhor”, afirmou a senadora Ângela Portela (RR), a primeira integrante da bancada do PT a se pronunciar na sessão do Senado que discute a abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Ângela ressaltou que afastar Dilma é interromper um projeto generoso de redesenho da sociedade brasileira que vinha sendo construído nos últimos 13 anos, baseado na inclusão, proteção das minorias, redução das desigualdades e crescimento econômico com justiça social.
“Penso nas crianças que poderão ver-se forçadas a deixar a escola, em função e cortes drásticos no Bolsa Família. Penso nos jovens de famílias pobres que puderam, pela primeira vez, em gerações, frequentar um curso universitário. Nos pedreiros que viraram doutores; nos excluídos das periferias que conseguiram chegar ao ensino superior, ao contrário dos pais, dos avós, de todos os que os antecederam, que nunca tiveram essa grande oportunidade. Essas portas se fecharão, devido ao abandono gradual de programas, como o Prouni; de programas, como o Fies”, apontou Ângela.
Agricultores familiares, trabalhadores do campo e da cidade, as mulheres, os índios, os negros, os direitos humanos: esses são os grandes derrotados pelo impeachment, um julgamento político — na verdade, um prejulgamento político, pois a decisão dos julgadores já está tomada desde antes de ele começar. “O verdadeiro juízo deste impeachment será a história, e estou certa de que a sentença não será favorável a esta Casa”, alertou Ângela.
Leia a íntegra do pronunciamento da senadora Ângela Portela:
Sr. presidente, senador Renan Calheiros, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, hoje, sem dúvida nenhuma, é um dia muito triste para a nossa democracia. Pela primeira vez, nós tivemos uma mulher na Presidência da República e vemos hoje um desfecho do provável, do eventual afastamento dessa mulher.
Já temos, em nosso Congresso Nacional brasileiro, uma baixa representação feminina, no Executivo também, no Judiciário também. Por essa razão, manifesto aqui a minha imensa tristeza com este momento em que estamos vivendo, em que esta Casa vota o impedimento da presidenta Dilma Rousseff. Aliás, esta Casa se prepara para votar o afastamento de um presidente da República pela segunda vez, em pouco mais de 30 anos, desde o regime militar.
Ao contrário do que muitos repetem, na tentativa de convencer a opinião pública, este processo tem apenas uma legalidade formal, uma única legalidade formal. Cumpre os ritos previstos na Constituição Federal, mas afronta o seu espírito democrático ao usá-la como biombo, uma indisfarçável manobra política de remoção de uma adversária.
Não houve até agora demonstração clara, inequívoca, do cometimento de crime de responsabilidade, condição necessária para que uma Presidenta legitimamente eleita pelo voto de 54 milhões de brasileiros seja impedida de exercer as suas prerrogativas institucionais.
O relatório do Senador Anastasia acusa a Presidenta de ter feito empréstimos sem autorização a bancos oficiais, no que vem sendo chamado de pedalada fiscal.
Ora, Sr. presidente, o que houve foram meros atrasos em pagamentos, que, de modo algum, podem se configurar em empréstimos. Além disso, foram feitos para custear programas sociais importantes para o povo brasileiro. Junte-se a isso o fato de que o Tribunal de Contas da União nem sequer se manifestou a respeito.
Vejam, portanto: estamos diante da situação absurda de cassar uma Presidenta sem que tenha havido a rejeição de suas contas pelo órgão competente, e, ainda que houvesse algo de errado, falta o requisito do dolo, não houve má-fé.
Na tentativa de dar aspecto de legalidade à evidente ruptura institucional, acusa-se a Presidente de violar a Lei Orçamentária. A acusação não se sustenta, já que não houve ampliação dos gastos previstos na lei aprovada pelo Congresso, mas apenas remanejamento de despesas a pedido de órgãos que nem fazem parte da Administração Direta. Só mesmo um desejo incontrolável de subverter a vontade das urnas, em nome de um projeto político, que a maioria dos brasileiros rechaçou em 2014, pode explicar o uso de justificativas tão frágeis contra a presidenta Dilma.
Estamos, portanto, diante de um julgamento político. Na verdade, um prejulgamento político, porque a decisão dos julgadores já está tomada desde antes de ele começar. O verdadeiro juízo deste impeachment será a história, e estou certa de que a sentença não será favorável a esta Casa.
Aprovado hoje o pedido da Câmara Federal, estaremos afastando da Presidência da República uma mulher honrada, que se elegeu e governa com transparência, com seriedade, que nunca se envolveu em nenhum ato de corrupção, é uma mulher de bem. O respeito ao voto e o reconhecimento da vontade majoritária são princípios basilares da democracia prestes a ser pisoteados. Pretende-se ferir de morte um mandato legítimo por meras suposições. Por que não se aguarda o julgamento das contas da Presidenta? Talvez porque saibam que as razões apresentadas na denúncia não param em pé. Se admitirmos a deposição de uma Presidenta sem que haja base legal, estaremos criando um grave precedente, capaz de conferir instabilidade jurídica inclusive aos próximos governantes. Isso é algo que talvez não esteja sendo avaliado pela oposição, preocupada apenas em retirar do Poder o Partido vitorioso nas últimas quatro eleições presidenciais.
Srs. Senadores, Srªs Senadoras, para agravar, a abertura do processo contra a Presidenta Dilma levará ao Poder central da República uma série de figuras nebulosas que muito têm a explicar à Justiça. Há um número considerável de políticos implicados em processos judiciais, apontados em investigação da Polícia Federal, que articulam livremente a deposição da Presidenta e que se preparam para assumir posições importantes no governo interino.
Por isso, lanço aqui um apelo para que a mais alta Corte de Justiça dê mostras à sociedade de que não aceita a impunidade. Certamente, o Brasil será outro após a decisão que aqui tomarmos. Mas lamentavelmente não teremos um país melhor.
Não estamos apenas afastando uma mulher escolhida pela maioria do povo brasileiro. Estaremos afastando também uma proposta de governo vitoriosa nas urnas e, com ele, um projeto generoso de redesenho da sociedade. É um projeto que prevê inclusão, proteção das minorias, redução das desigualdades, crescimento econômico com justiça social. Institutos tão caros à democracia, como a soberania do voto popular e a separação dos Poderes estão sendo gravemente feridos neste momento. E isso pode trazer consequências sérias para o País, afetando as próximas gerações.
Penso, por tudo isso, nas crianças que poderão ver-se forçadas a deixar a escola, em função de cortes drásticos no Bolsa Família.
Penso nos efeitos que terá sobre o processo de universalização do ensino, a desvinculação das verbas obrigatórias para os investimentos em educação. A redução das dotações orçamentárias para outras finalidades essenciais, como a merenda escolar ou o transporte escolar também terá consequências trágicas sobre a nossa infância.
Penso nos jovens de famílias pobres que puderam, pela primeira vez, em gerações, frequentar um curso universitário.
Penso nos pedreiros que viraram doutores; nos excluídos das periferias que conseguiram chegar ao ensino superior, ao contrário dos pais, dos avós, de todos os que os antecederam, que nunca tiveram essa grande oportunidade. Essas portas se fecharão, devido ao abandono gradual de programas, como o Prouni; de programas, como o Fies.
Penso nos agricultores familiares, que conseguiram alívio nas suas finanças, graças a programas governamentais implantados por esses governos.
Penso nos moradores de nossas áreas rurais, que passaram a ter vida melhor com o Programa Luz para Todos ou com o acesso à água, por meio da extensão da rede de saneamento e da rede de abastecimento. O que acontecerá com suas vidas? Uma vez mais é o Bolsa Família, que, mutilado, deixará de atendê-los. Que garantia podem ter de futuro de um governo que nem se instalou, e já anuncia verdadeiro salto ao passado?
Penso nos trabalhadores do nosso País, que terão ameaçados direitos reconhecidos há décadas. Aqui mesmo, no Senado, vimos projetos que propõem a eliminação até do horário de almoço dos trabalhadores. É apenas um exemplo de golpes contra a legislação trabalhista.
Há muitos outros exemplos, até mais sérios, caso da gradativa erosão dos direitos consagrados na CLT, vigentes há mais de 70 anos, para que prevaleçam, com aval do Legislativo, acordos setoriais entre patrões poderosos e sindicatos espoliados.
Penso em nossas mulheres, nas mulheres pobres principalmente, que deixarão de merecer a atenção prioritária de órgãos governamentais criados justamente para protegê-las por força de uma reforma ministerial já anunciada, que irá certamente afetar a sua gestão.
Penso em nossos índios, forçados a conviver com a má vontade do Estado, e nos negros, sem projetos concretos que mantenham o processo de inclusão social vivido pelo Brasil nos últimos anos.
Penso, enfim, na proteção aos direitos humanos, marco essencial dos governos desde 2003, com Lula. O que esperar de positivo nessa área de uma gestão que chega ao poder com o apoio de setores até mesmo simpáticos à tortura?
Falo também do meu querido Estado de Roraima, muitas vezes esquecido pelo poder central.
Deve-se fazer justiça à Presidenta Dilma. Em seu governo, nós obtivemos projetos importantes para o nosso desenvolvimento econômico, para a superação de programas importantes para que a gente possa ter uma vida econômica saudável, para que a gente possa ter as famílias de Roraima nas condições mínimas de ter energia elétrica, estradas confiáveis e condição de vida melhor.
Obtivemos da Presidente Dilma a liberação das obras do Linhão de Tucuruí para interligar Roraima ao Sistema Elétrico Nacional. Imagina-se que hoje nós somos o único Estado da Federação isolado do sistema nacional que sofre profundamente com apagões que duram até cinco horas. A Presidenta Dilma fez os encaminhamentos necessários para que essa obra tenha continuidade e o nosso Estado possa ter energia limpa, confiável e segura.
Avançamos ainda no repasse das terras da União para o Estado. Decreto assinado pela Presidenta Dilma eliminou medidas que impunham restrições na área produtiva do nosso Estado. Agora nós podemos desenvolver um grande projeto, um grande programa de regularização fundiária e ambiental em nosso Estado tão sofrido.
Também em seu Governo, obtive o aval para correções no Código Florestal que se revelaram essenciais para o nosso Estado de Roraima.
Sr. Presidente, devemos lutar contra as ameaças aos avanços sociais e devemos, antes de mais nada, lutar em defesa da nossa jovem democracia e sua Constituição generosa, inclusiva e solidária.
Seja qual for a decisão que esta Casa venha a tomar no dia de hoje, eu asseguro aos brasileiros de Roraima e de toda parte: vou continuar lutando para garantir e aprofundar as conquistas do governo popular nos últimos 13 anos.
Antes de encerrar, eu gostaria de lembrar as palavras do Papa Francisco, que disse que o Brasil precisa de harmonia. Disse estar rezando para que o Senhor derrame abundantemente os dons do seu espírito para que o País, neste momento de dificuldades, siga por estradas de harmonia e de paz.
A harmonia só virá com o respeito ao devido processo legal, o direito à ampla defesa e a vontade soberana da população.
Por isso, Sr. Presidente, digo “não” ao processo que considero ilegítimo, um atentado ao voto popular. Eu digo “sim” à democracia, à justiça social e à soberania do povo brasileiro.