A discussão sobre qual a melhor atuação das bancadas do PT nas eleições das mesas diretoras do Senado e da Câmara deve ser feita com o máximo serenidade e respeito; afinal, essa não é uma questão de princípios. No entanto, ela é uma decisão política importante, dada a presente conjuntura de polarização política do país.
Por isso, se deve reconhecer que, mais que um problema de funcionamento interno, endógeno, a ser decidido no circuito fechado das bancadas parlamentares do legislativo federal, o tema bordeja elementos importantes da tática de atuação do PT, bem como da esquerda em geral, pelos próximos dois anos.
Em condições políticas de estabilidade democrática, o mais comum são situações em que os partidos concertam um acordo entre as partes e compõe uma mesa proporcional às bancadas.
Contudo, nos dias de hoje, o Brasil vive tempos de anormalidade institucional e democrática, desde que a maioria da Câmara admitiu, em abril, e o Senado consumou, em agosto do ano passado, um golpe parlamentar, votando o impeachment da presidenta Dilma, sem que ficasse provado crime de responsabilidade.
A partir daqueles fatos, a antiga oposição, mais uma parte fisiológica da base de apoio ao governo – hoje governo Temer -, cometeu um ato consciente de deslealdade ao pacto político da constituição de 1988. A lição a ser apreendida dos fatos recentes é que o principal motivo de ter havido relativa estabilidade institucional de 1988 até a pouco, foi que os partidos de oposição fizeram política a partir da premissa de respeito ao mandato de governos legitimamente eleitos. A situação mudou, desde que o PSDB não reconheceu o resultado das eleições presidenciais de 2014 e decidiu fazer uma oposição sem princípios e golpista ao governo Dilma.
Eis a conjuntura anormal em que ocorre o processo eleitoral de escolha das novas mesas do Senado e da Câmara, sendo, portanto, impossível fazer vistas grossas, desconhecendo tudo o que houve e ainda não foi socialmente cicatrizado. Por isso, embora Câmara e Senado sejam duas casas distintas, com as particularidades inerentes a cada uma, a questão política principal, neste momento, é idêntica.
Todos nós sabemos que o objetivo do golpe contra Dilma visava, de fundo, não apenas substituir a presidenta legitimamente eleita. O golpe foi político e de classe.
Fazendo jus à vocação autoritária universal do neoliberalismo, que começou com Pinochet no Chile, o que está em curso é uma ofensiva gigante de pseudo reformas, através de emendas à constituição, no sentido de retirar direitos conquistados pelos trabalhadores e entregar a soberania nacional sobre o território em terra, água e ar – neste caso, principalmente através da entrega de bandeja das riquezas do Pré-Sal às multinacionais do Petróleo.
O governo Temer chegou com muita sede ao pote, visando destruir em prazo acelerado a obra de nossos governos, buscando restaurar e avançar o neoliberalismo no Brasil com uma inaudita violência. Basta ver o aumento da repressão aos movimentos sociais, a exemplo da prisão nesta semana do companheiro Guilherme Boulos, terça-feira (17/01) em São Paulo.
Estamos no curso de batalhas decisivas. Neste interim, se põe a pergunta: como resistir a tantos ataques? Como é possível passar a atual defensiva para uma nova ofensiva em breve tempo? Como massificar o fora Temer e as diretas-já, articulando essas duas bandeiras com o lançamento da campanha de Lula? Qual o nosso papel como deputados e senadores de oposição em meio a isso tudo? Como podemos, parlamentares de compromisso com a esquerda, melhor combinar a luta no parlamento com a luta social?
Para melhor travar a guerra, antes de tudo, é fundamental melhor reconhecer o território. Sabe-se que, no momento, a correlação de forças internas partidárias na Câmara e no Senado nos é totalmente adversa. Para alterar a correlação de forças, só há uma forma de obtermos vitórias na adversidade. O caminho é difícil e acidentado, mas é o único caminho. Os atalhos são ilusórios. A receita é de fato priorizarmos as lutas sociais, unificarmos o campo de oposição, dialogarmos com humildade com a nossa base social, que foi e tem ido às ruas com muita valentia, primeiro na defesa do governo Dilma contra o golpe e agora contra as reformas neoliberais.
A nossa atuação no parlamento tem que ter um foco de identidade com a voz das ruas. Temos que falar mais para fora – a sociedade – que para dentro. A nossa atuação tem que ser instrumento de agitação para levantar amplos setores da sociedade contra este governo e seu projeto nefasto. Nos termos de Gramsci, uma nova hegemonia contra o neoliberalismo e o governo Temer, uma nova ética política só será constituída se privilegiarmos mais atuação na sociedade civil que na sociedade política (o Estado).
Infelizmente, a história está repleta de exemplos de parlamentares originalmente de esquerda, ontem e hoje, que acabam superestimando o papel do parlamento, como se o mundo se resumisse a essas quatro paredes. Já é longa a saga – dois séculos – do que ficou conhecido como “cretinismo parlamentar”.
Marx, em um texto de balanço da revolução de 1848, dizia que o “… ‘cretinismo parlamentar’ consistia numa espécie de delírio que acometia as suas vítimas, as quais acreditavam que todo o mundo, o seu passado e o seu futuro se governavam por uma maioria de votos ditada por aquela assembleia (…) e tudo o que se passava fora daquelas quatro paredes muito pouco ou nada significavam ao lado dos debates importantes”.
Alguém, de boa intenção, pode perguntar assim: em que a participação numa chapa conjunta com Rodrigo Maia (DEM), Rogério Rosso (PSD), Jovair Arantes (PTB) ou o senador Eunício Oliveira (PMDB) atrapalharia a nossa prioridade no tocante às mobilizações sociais?
Tenho escutado uma argumentação de justificação do acordo que não é verdadeira. Se diz – “Ah! A participação na mesa é importante porque podemos interferir na pauta”. Não é verdade. Todo mundo sabe que, no senado e na câmara, a pauta não é feita pela mesa. É feita pelo presidente que, às vezes, consulta o colégio de líderes. Tanto no senado como na câmara, o poder unipessoal do “presidente” é muito forte. Exatamente em torno da disputa desse poder unipessoal – que Gramsci chamava de cesarismo parlamentar -, as eleições pelo comando de ambas as casas são muito acirradas.
Para mim, em que pese a boa intenção, este conjunto de argumentos revela distanciamento da realidade. Pior, pode revelar que uma parcela de nosso partido se descolou perigosamente das forças sociais que estiveram a nosso lado nas duras refregas do presente; forças sociais, vale observar, não necessariamente filiadas ao PT, mas que persistem nos tendo como referência – a exemplo de coletivos de juventude, movimentos feministas, intelectuais que voltaram a atuar na luta contra o golpe, sem-terra, sem-teto, sindicalistas, etc. Uma militância que foi de uma valentia extraordinária no difícil ano de 2016 e que continua a postos para as lutas de 2017.
Não se enganem, esses movimentos e pessoas têm uma posição clara contra qualquer tipo de chapa em conjunto com os que perpetraram o golpe contra a democracia brasileira. Elas sentem que é necessário construir uma identidade, um campo oposicionista contra o golpe e seu programa de ataques aos trabalhadores.
A conjuntura é complexa e exige, antes de tudo, mais humildade da parte de nós, parlamentares e dirigentes do PT. Anos passados, o nosso partido era claramente majoritário na esquerda brasileira. Quando as instâncias do PT decidiam, por assim dizer, todos iam atrás. Hoje, não é mais assim.
Se quisermos manter e ampliar a nossa relação com esses movimentos sociais e setores intelectuais, bem como a nossa militância, temos que ter uma postura de mais diálogo. Falar mas também saber ouvir.
Neste mês de janeiro, tive a oportunidade de participar de plenárias abertas do PT em João Pessoa (PB) e Natal (RN). Em ambas igualmente apareceu certa expetativa e angústia com a possibilidade de o PT concertar chapas comuns, no senado e na câmara, com os setores que conduziram o golpe e todo o mundo sabe quais são. Em seguida, vem a pergunta da militância, também praticamente em uníssono: “o PT não aprendeu com tudo o que enfrentou?”.
Sem meias palavras, o nosso militante está querendo dizer o seguinte: concertar acordos nas eleições de ambas as mesas diretoras (câmara e senado) significa a continuação das ilusões com uma política de conciliação e contemporização. São setores que aparentemente ainda não acordaram para a dura crueza do golpe. Neste caso, a conciliação, que parece um atalho suave, na verdade é o melhor caminho para a irrelevância. Pretendem manter a conciliação com o PMDB e o centrão mesmo depois de passado o golpe e da perseguição criminosa contra o Lula. Impressionante.
Algum metido a esperto pode dizer que essas angústias da militância são expressão do senso comum. Chega-se a dizer que este é um “discurso fácil”. Engano de quem assim pensa. Neste caso, o sendo comum da militância, de tão óbvio e ululante, se transformou na expressão da mais pura e cristalina verdade.
Parem! Prestem atenção no que aconteceu no Rio de Janeiro. Há muito, dizíamos vários de nós, nas reuniões do PT/RJ, que estávamos perdendo nossa identidade, diluídos na aliança com o PMDB do Rio de Cabral et caterva. “Bobagem”, diziam! “É o preço da governabilidade”.
Pois bem, estamos pagamos o nosso preço, perdendo uma parte expressiva de nossa base social e ainda tendo que ver a traição do PMDB fluminense. Chega! Vamos escutar os movimentos, vamos escutar o PT.
Obter cargos de segundo time na mesa em uma negociação atrapalhada, caso aconteça, pode se configurar uma clássica vitória de Pirro. Gastamos uma energia imensa numa discussão que nos divide, e, ainda por cima, pode levar a um movimento de questionamento do próprio PT. O erro político sempre cobra o seu preço.
Devemos estar abertos a participar de articulações alternativas nas eleições para a presidência e mesa de ambos os parlamentos, com base em propostas de democratização das decisões da mesa e transparência administrativa do senado e da câmara. O deputado André Figueiredo (PDT) ensaia uma postulação na câmara. Pode-se movimentar uma ação semelhante no Senado. Mais vale um cargo na mesa ou um passo a mais na consolidação de uma frente de oposição?
Gramsci, que além de grande filósofo e dirigente político foi parlamentar em um tempo convulsionado de ascensão do fascismo, costumava diferenciar a “grande” da “pequena” política. Para ele, a grande política era aquela que se preocupava com os temas universais, principalmente a fundação do Estado e a alteração da relação de forças adversas, ao passo que a pequena política compreende as questões parciais e cotidianas, como ele mesmo dizia “a política de bastidores”. Façamos a grande política.
Lindbergh Farias – Senador PT/RJ