A conjuntura brasileira e mundial impõe grandes desafios ao Partido dos Trabalhadores. Defender o legado dos Governos Lula e Dilma, denunciar o golpe, resistir às reformas conservadoras proposta pelo governo ilegítimo Michel Temer, fortalecer a luta dos movimentos sociais, lutar para proteger a soberania do país e defender a democracia são tarefas que devem ser assumidas pela direção, pela militância e pelos prefeitos, governadores, vereadores, deputados e senadores do PT. O relativo consenso quanto aos desafios existentes contrasta com a divergência sempre presente de como enfrentá-los. Sabemos o que deve ser feito, mas o “como fazer” tem sido uma fonte de discussões e posicionamentos diferentes e, por vezes, antagônicos.
É nesse contexto que ocorre a eleição da Mesa e das Presidências de Comissões do Senado em 2 de fevereiro de 2017. A partir de informações distorcidas veiculadas pela mídia golpista, parte da militância está preocupada com a possibilidade de um “acordão” da Bancada do PT com setores do Parlamento que apoiaram o golpe. De pronto, é preciso ter muito claro que isso não existe. O que há então?
Há regras institucionais que devem ser observadas, não no sentido formal e procedimental como os golpistas tentaram fazer no impedimento da Presidenta Dilma. Há regras institucionais que devem ser seguidas em sua essência, como o artigo 58 do texto constitucional que garante aos partidos representados no Senado que ocupem, tanto quanto possível, cargos de direção na Mesa e nas Comissões conforme o tamanho de suas bancadas. A observância desse princípio democrático propiciou, por exemplo, que as duas comissões presididas pelo PT no Senado pudessem fazer um amplo debate sobre a PEC 55 – ao contrário das comissões presididas pelos atuais governistas.
Outra regra institucional importante nesse contexto é o artigo 59 do Regimento do Senado, que prevê, para fins de proporcionalidade, que o quantitativo de parlamentares seja aferido no início da legislatura. Isso é uma fonte constante de conflitos no parlamento, tendo em vista que o tamanho das bancadas varia conforme os anos e o partido que aumenta de tamanho geralmente reivindica uma nova conta da proporcionalidade. No momento atual, o PT tem um número menor de parlamentares do que tinha no início da legislatura, o que levou a bancada a cair da segunda para a terceira posição. Contávamos com 14 senadoras e senadores e agora são 10.
A última regra institucional não está escrita, mas faz parte do costume político da Casa. Ela prevê que a ordem de escolha dos postos na Mesa e das Presidências de Comissão seja feita segundo a ordem de grandeza das bancadas. Dessa forma, o maior partido faz a primeira escolha, o segundo a seguinte, e assim sucessivamente. Normalmente isso é aceito por todas as forças políticas e é por isso que todos dizem e repetem que a presidência cabe ao PMDB, por ser o maior partido da Casa.
Portanto, o PT não precisa se submeter a um acordo para ter assento na Mesa do Senado e para presidir Comissões permanentes e temporárias, já que as regras institucionais democráticas garantem ao PT o espaço proporcional que o povo lhe deu nas eleições de 2014. Infelizmente, o processo de impeachment da Presidenta Dilma mostrou que as regras institucionais correm o risco permanente de serem violadas e devem ser objeto constante da luta política social e institucional. E isso ocorre neste momento. E há sim uma tensa negociação para que seja assegurado ao PT o espaço que o povo brasileiro deu ao Partido.
Mantidas as regras e as tradições, o PT teria a segunda escolha na Mesa, podendo ser a vice-presidência ou a primeira secretaria. Também teria direito à segunda escolha nas comissões, podendo ser novamente a Comissão de Assuntos Econômicos ou a Comissão de Assuntos Sociais, por onde passarão as reformas trabalhista e previdenciária. Contudo, o debate de preenchimento desses espaços nunca foi cartesiano ou aritmético quanto parece – daí a necessidade de negociação política-institucional para a acomodação dos diversos interesses partidários. Invariavelmente alguma bancada entende que está sub-representada e demanda espaços ocupados por outros partidos, como o que está ocorrendo neste momento. Isso é próprio do jogo político parlamentar e há inúmeros precedentes onde a negociação política produziu resultados que não representam uma proporcionalidade pura e direta.
Assim, mantida a prática da Casa em “condições normais de temperatura e pressão”, o PT poderia manter os espaços que tem atualmente ou eventualmente migrar para outros espaços também importantes para a luta política que se aproxima em 2017 e 2018. Esse contexto não é irrelevante e também não há motivos para renunciar ao direito partidário conferido pela soberania popular.
A Mesa dirige o Senado e influencia a pauta do Plenário, em conjunto com os Líderes dos partidos. Os Presidentes de Comissões fazem as pautas, organizam os debates que serão realizados e podem ampliar ou restringir a participação popular no processo legislativo. São, portanto, posições estratégicas para a luta parlamentar. Deixar de participar da Mesa e, eventualmente, de presidir Comissões importantes não ajudam na luta pela defesa da democracia e dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores. Ao contrário, reforça o isolamento do partido, enfraquecendo-o nas disputas parlamentares.
A questão que se coloca nesse contexto é se devemos simplesmente ignorar a negociação política de preenchimento desses espaços ou não. Algumas importantes lideranças do PT e setores da militância expressam a preocupação com o “acordão” em troca de “alguns” cargos na Mesa e nas Comissões. Todos temos a mesma preocupação.
O que orienta a participação da Bancada do PT na Mesa e nas Comissões é a importância desses espaços para o funcionamento do Senado e o direito que o partido tem de ocupar esses espaços por delegação do voto popular. E com base no mesmo princípio de funcionamento parlamentar, outros partidos também reivindicarão seus espaços na Mesa e nas comissões, como a presidência do Senado e da Comissão de Constituição e Justiça – considerados os mais importantes da estrutura da Casa e que provavelmente serão preenchidos pela maior bancada.
Em tempos de reformas da Previdência e Trabalhista, o PT não pode ceder espaço para os setores que apoiaram o golpe contra a Presidenta Dilma. Precisamos alinhar e unificar a ação coletiva porque teremos muita luta pela frente, nas ruas e no Parlamento. Se o PT não lutar pelo seu direito, os setores que apoiaram o golpe ampliarão seu poder no Congresso Nacional.
Wilmar Lacerda é membro do Diretório Nacional do PT, suplente de senador e, atualmente, exerce a Chefia de Gabinete da Liderança do PT no Senado