Livro que questiona imparcialidade da Justiça no caso será lançado em Brasília nesta quarta-feira |
Durante quatro meses de 2012, a imprensa não teve outro tema relevante, senão o julgamento da AP 470, o chamado “mensalão”, no Supremo Tribunal Federal (STF). A cobertura maciça tinha sua razão de ser. Os réus do processo já haviam sido condenados previamente no noticiário e valia tudo – inclusive constranger ou bajular os ministros do Supremo – para validar a sentença condenatória. Os ministros da mais alta Corte apreciaram a notoriedade – e cederam. Concederam apenas duas horas para a defesa dos acusados nas 53 sessões do julgamento, ignoraram a falta de provas, fatiaram a ação e, na última etapa, atropelaram o equilíbrio dos três poderes prescritos na Constituição.
Todas essas imperfeições do “julgamento do século” sobre “o maior caso de corrupção da história”, dois dos rótulos entre os mais utilizados, foram adotados por toda a indústria de mídia. O julgamento da AP 470 foi possivelmente foi o mais exposto à mídia em todo o mundo, com transmissão ao vivo três vezes por semana, seguida pelo noticiário dos telejornais da noite manchetes dos jornais durante sete dias da semana e capa das revistas semanais. Em todos, predominou a “opinião publicada”, travestida de “opinião pública”, que se empenhou em condenar previamente os acusados.
Dois jornalistas com postos de destaque na chamada grande imprensa, entretanto, destoaram da manada. Janio de Freitas, membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo, e Paulo Moreira Leite, ex-correspondente em Washington e Paris, ex-redator chefe da revista Veja, ex-diretor de Redação da revista Época e atual diretor de da sucursal da revista Istoé em Brasília. Janio de Freitas apontou as incongruências em seus dois artigos semanais para a Folha ao longo do julgamento. Paulo Moreira Leite, de seu blog “Vamos Combinar”, então hospedado no site da revista Época, aferrou-se ao que consta nos autos do processo e na Constituição e, em 37 artigos, questionou a coincidência do julgamento com as eleições e a parcialidade do Supremo, apontou contradições, denunciou favorecimentos e cobrou respeito à biografia de dois acusados – José Genoíno e José Dirceu –, sem, entretanto, absolvê-los das responsabilidades.
Esparsos no calendário e soterrados pela avalanche de reportagens, artigos e editoriais condenatórios, os alertas de Paulo Moreira Leite tiveram alcance limitado. Mas agora, reunidos no livro “A Outra História do Mensalão – As contradições de um julgamento político”, (Editora Geração, 349 p, R$ 35), a consolidação em um só volume lhes deu outra dimensão e muito mais contundência. A exposição clara, a honestidade intelectual e o apreço ao que diz a lei são suas melhores qualidades.
O equilíbrio de suas análises, agora consolidadas, mostra-se como o antídoto à fácil acusação do autor ser “petista” e, portanto, suspeito, aos olhos do oligopólio de mídia que controla os meios de comunicação do País.
“A Outra história do Mensalão” é também uma lição de ética ao tipo de jornalismo que se pratica no Brasil. O oligopólio de mídia atua como partido político de oposição camuflado, não se furtando a assassinar reputações e a perseguir seus adversários, notadamente o Partido dos Trabalhadores, além de impedir a livre expressão de ideias e opiniões com censura aos que não seguem o ideário seu político e econômico.
Referindo-se à cobertura maciça do período do julgamento, o jornalista Janio de Freitas escreve no prefácio de “A Outra História do Mensalão”:
“(…) O chamado mensalão já estava sob uma ação penal. Executada na imprensa, na TV, nas revistas e no rádio. Uma ação que mal começara e já chegava à condenação de determinados réus.
Não participar dessa ação penal antecipada deveria ser o normal para todos os jornalistas. Não foi. Isto não quer dizer que os fatos denunciados não fossem graves, nem que entre os envolvidos não houvesse culpados pelos fatos e pela gravidade.
O que houve nos meios de comunicação foi o desprezo excessivo pela isenção. Os comentaristas, com exceções raras, enveredaram por práticas que passaram do texto próprio de comentário jornalístico para o texto típico de finalidade política, foram textos de indisfarçável faccionismo”. (…)
Ao final da leitura, cada leitor pode chegar à conclusão que quiser – liberdade, aliás, que o autor insiste em dar inúmeras vezes a quem acompanha seus argumentos. Uma verdade constante no livro, entretanto, é inquestionável: a condução autoritária do julgamento é uma ameaça real à democracia.
O STF não é o poder absoluto da Nação, afirma, nem pôr em risco o equilíbrio entre os Poderes e a democracia duramente conquistada após 21 anos de ditadura militar.
Em menos de um mês depois de lançado, apesar da publicidade zero que lhe foi dada pelo oligopólio que investiu pesadamente para influenciar o julgamento, o livro promete figurar entre os mais vendidos do ano.
Em Brasília, o lançamento ocorrerá na noite desta quarta-feira (06/03), no Bar Brahma (SQS 201, Bloco C), a partir das 19h.
Alceu Nader