Temporão: “Por que não taxar melhor os 71 mil brasileiros mais ricos? Eles ganharam, em média, R$ 4,1 milhões no ano de 2013 e estão submetidos a uma carga tributária efetiva inferior a 7%”Sem pertencer aos quadros do PT, José Gomes Temporão foi ministro da Saúde durante quase todo o segundo mandato do ex-presidente Lula, indicado pelo PMDB. Não pode, portanto, ser acusado de vincular sua opinião às do PT, que nesta segunda-feira (10), em minoria, enfrenta mais uma dura batalha na Câmara dos Deputados para evitar a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 241 – a PEC do Teto, que impõe limite de gastos para os próximos 20 anos em todas as esferas do Executivo – União, estados e municípios.
O ex-ministro não economiza nas críticas. Para ele, a PEC 241 “é uma condenação de morte para milhares de brasileiros que terão a saúde impactada por essa medida irresponsável. Estamos falando de fechamento de leitos hospitalares, de encerramento de serviços de saúde, de demissões de profissionais, de redução do acesso, de aumento da demora no atendimento”, diz ele, em entrevista postada na madrugada desta segunda-feira (10), no site da revista Carta Capital.
Temporão não poupa também o deputado federal Darciso Perondi (PMDB-RS), relator da PEC na Câmara dos Deputados, que construiu boa parte de sua carreira política exigindo mais recursos da União para a Saúde. Na semana passada, como forma de conter a onda que começou a se formar entre parlamentares, inclusive os que, como Perondi, apoiam o governo golpista de Temer, o relator fez uma mudança no texto enviado ao Congresso. Em combinação com o governo, ele alterou o texto original, escrevendo que o limite dos gastos para a Saúde não começaria já no ano que vem, mas em 2018. Outra alteração feita por Perondi estabelece que a base de cálculo do piso da saúde em 2017 será de 15% da receita líquida, e não de 13,7%, como previsto inicialmente.
Ambas as alterações são “retóricas”, diz Temporão, e em nada alteram o previsível quadro de penúria que os serviços de saúde públicos vão enfrentar. “Estamos falando de fechamento de leitos hospitalares, de encerramento de serviços de saúde, de demissões de profissionais, de redução do acesso, de aumento da demora no atendimento”, prevê o ex-ministro.
O problema é ainda maior, ensina Temporão, por causa das mudanças na estrutura de gastos e de atendimento que a saúde pública vem passado nos últimos anos. O primeiro ponto citado pelo ex-ministro é a estrutura dos gastos com saúde no Brasil: apenas 48% das despesas totais são públicas, o restante, 52%, são gastos privados, das famílias e das empresas. Em resumo: o governo gasta pouco e o ônus do financiamento recai sobre as famílias. A PEC 241 vai sobrecarregar a população ainda mais, diz ele, citando a Inglaterra como exemplo, que tem um sistema de saúde universal igual ao do Brasil, onde 85% do gasto total é público.
Outra origem de problemas é o envelhecimento progressivo da população brasileira, em uma configuração em que um número crescente de idosos vai demandar mais e mais atenção médica.
Outro ponto que a PEC 241 ignora é a mudança do padrão das enfermidades no Brasil. As doenças infectocontagiosas estão demandando menos serviços médicos, ao passo que as doenças crônicas só fazem crescer, aumento enormemente os gastos não só para o tratamento, que é sempre prolongado, podendo estender por toda a vida, mas também os gastos com diagnóstico. Temporão cita, como exemplo, a projeção da Organização Mundial da Saúde (OMS) que aponta, para 2010, que as principais causas de mortalidade no mundo não serão as doenças cardiovasculares ou cerebrovasculares – além do câncer, que tem um custo de tratamento altíssimo.
Para não sofrer a mesma caça ideológica que hoje mira tudo o que se refere ao PT, Temporão lembra que dois estudos recentes, produzidos por entidades apartidárias, também apontam os efeitos catastróficos da PEC 241 para todos os brasileiros – e para os mais pobres, principalmente. Um desses estudos é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com cálculos que não preveem a alteração “retórica” de Perondi.
O impacto da medida, diz o IPEA, terá um impacto brutal no orçamento da saúde. Em um cenário de crescimento anual do PIB de 2%, prevê o documento, a perda acumulada para a Saúde seria de R$ 654 bilhões em 20 anos. Na Câmara dos Deputados, outro estudo de sua Consultoria Técnica aponta prejuízo ainda maior – de R$ 63 bilhões, somente no ano de 2025. No acumulado de dez anos, a partir do ano que vem, essa perda é cinco vezes maior: R$ 331 bilhões.
Temporão atribui a existência da PEC 241 à falta de iniciativa – dos governos e do Congresso – de produzir uma reforma tributária. “Por que não taxar melhor os 71 mil brasileiros mais ricos?”, pergunta o ex-ministro. “Eles ganharam, em média, R$ 4,1 milhões no ano de 2013 e estão submetidos a uma carga tributária efetiva inferior a 7%”, afirma, lembrando que, no Brasil, quem arca com a maior parte dos impostos recolhidos são os trabalhadores assalariados e a classe média, “enquanto os ricos permanecem com os seus privilégios intocados”. Para Temporão, “a casta de brasileiros que detém uma fatia muito grande da renda nacional e pagam, proporcionalmente, muito pouco”. Ele dá como exemplo que o Brasil é um dos raros países do mundo que isentam empresários de pagar impostos sobre lucros e dividendos (dos 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, apenas México, Eslováquia e Estônia seguem essa tendência). Por esse mecanismo, a empresa paga o seu imposto, mas a pessoa física dona da empresa não é tributada quando declara essa renda.
O ex-ministro diz ainda que não apenas a saúde deveria ficar de fora do ajuste fiscal proposto, mas também as áreas de educação, ciência e tecnologia, “pois delas dependem o futuro do País, o nosso projeto de desenvolvimento”.
Ele nutre pouca esperança, entretanto, de que os golpistas estejam dispostos a mexer com a estrutura tributária – afinal, foram patrocinados e financiados pela mesma casta para derrubar a ex-presidente Dilma Rousseff. “Poderíamos fazer uma profunda discussão sobre essas disparidades, mas isso não entra na agenda política, até porque esse governo expressa justamente os interesses dessa casta de privilegiados”, diz.
Leia e divulgue nas redes sociais a entrevista com o ex-ministro, a partir do link