ARTIGO

A PEC do estado de emergência e o caminho da oposição

Por mais nítido que seja o caráter temporário e eleitoreiro dos benefícios previstos, votar contra a proposição significaria votar contra 33 milhões de brasileiros e brasileiras que estão passando fome
A PEC do estado de emergência e o caminho da oposição

Foto: Alessandro Dantas

O Senado Federal aprovou na última quinta-feira (30) a Proposta de Emenda à Constituição n° 1, de 2022, que amplia benefícios sociais e cria novos benefícios, praticamente por unanimidade. O texto aprovado foi um substitutivo apresentado pela Relator, alterado diversas vezes durante a própria discussão da matéria, que não foi submetida à análise da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. A matéria agora será analisada e votada na Câmara dos Deputados.

De acordo com o art. 1º da PEC aprovada no Senado, ela dispõe sobre “medidas para atenuar os efeitos do estado de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços dos combustíveis e dos impactos sociais deles decorrentes”, mas podemos traduzir como “medidas eleitoreiras para atenuar os efeitos da tragédia social promovida pelo governo Bolsonaro”, afinal, a elevação dos preços dos combustíveis, em especial no Brasil, não tem nada de extraordinária nem de imprevisível, uma vez que deriva da política de preços da Petrobras adotada pelo governo Bolsonaro, assim como milhares de mortes por Covid derivam do negacionismo adotado pelo governo Bolsonaro na pandemia.

A proposição eleva o Auxílio Brasil de R$ 400,00 para R$ 600,00, mas somente durante os cinco últimos meses de 2022 (agosto a dezembro), uma vez que o objetivo não é reduzir a miséria e a fome de maneira continuada, mas sim reduzir a rejeição do governo Bolsonaro à véspera da eleição presidencial. Em janeiro de 2023, o valor do Auxílio Brasil cai novamente para R$ 400,00.

Também dobra o valor do auxílio gás, criado pelo Projeto de Lei 1374/2021, de autoria do deputado federal Carlos Zarattini (PT/SP). Hoje, o auxílio gás representa metade do valor de um botijão de gás e é pago a cada dois meses. A PEC dobra o valor e mantém a periodicidade bimestral, mas somente entre julho e dezembro, ou seja, as famílias beneficiárias do auxílio gás receberão o dobro do valor, mas somente para comprar três botijões de gás até o final do ano. Em janeiro de 2023, o auxílio gás volta a ser apenas a metade do valor de um botijão de gás, uma vez que a preocupação do governo Bolsonaro não é social, mas sim eleitoral.

A PEC concede, apenas entre julho e dezembro de 2022, aos Transportadores Autônomos de Cargas devidamente cadastrados no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas, um auxílio mensal de R$ 1.000,00. Em janeiro de 2023, os caminhoneiros deixam de receber o auxílio, uma vez que o objetivo de Bolsonaro é tão somente tentar assegurar a reeleição, mantendo os lucros exorbitantes dos acionistas da Petrobras e uma política de preços irresponsável, que voltará a assombrar os caminhoneiros com o término do auxílio.

Concede também, apenas entre julho e dezembro de 2022, aos motoristas de táxi devidamente registrados, um auxílio de valor ainda indefinido, a ser regulamentado pelo Poder Executivo, fixando o limite de R$ 2 bilhões para o pagamento do auxílio e excluindo do benefício milhares de motoristas e entregadores de aplicativos, como os motoristas da Uber e os entregadores do iFood, que seguirão desamparados. Em janeiro de 2023, os motoristas de táxi deixam de receber o benefício, uma vez que Bolsonaro almeja tão somente a reeleição.

A PEC contém ainda outros dispositivos acessórios, como a previsão de suplementação orçamentária de R$ 500 milhões ao Programa Alimenta Brasil, sucessor do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que foi desmontado e desfinanciado pelo governo Bolsonaro em um cenário de crescimento da miséria e da fome.

A Bancada do PT no Senado, em atuação conjunta com os demais partidos e/ou parlamentares da oposição ao governo Bolsonaro, conseguiu eliminar algumas barbaridades constantes no primeiro relatório apresentado pelo relator da matéria, Senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), como o dispositivo que previa a “não aplicação de qualquer vedação ou restrição prevista em norma de qualquer natureza” e formalizava, assim, uma espécie de anomia institucional, ainda mais profunda que a anomia já vigente.

A Bancada do PT no Senado, assim como o conjunto da oposição ao governo Bolsonaro, votou favorável à PEC, embora explicitando que a tragédia social que atravessa o Brasil foi produzida pelo governo Bolsonaro e que os benefícios sociais previstos na PEC terminam em dezembro porque Bolsonaro quer tão somente tentar vencer a eleição presidencial. Por mais nítido que seja o caráter temporário e eleitoreiro dos benefícios previstos, votar contra a proposição significaria votar contra 33 milhões de brasileiros e brasileiras que estão passando fome.

Passada a eleição, caso a sociedade brasileira não demita o governo Bolsonaro nas ruas e nas urnas, testemunharemos o aprofundamento da tragédia social em curso, com o recrudescimento da política de austeridade fiscal, da violência política e institucional e do processo desconstituinte dos direitos sociais e privatizante do patrimônio nacional. Passada a eleição, caso o bolsonarismo não seja derrotado nas ruas e nas urnas, sentir-se-á autorizado a transformar o Brasil na República dos Banqueiros, Generais e Milicianos, e a Constituição de 1988 em um folhetim descartável.

As pessoas que recebem o Auxílio Brasil conhecem, como Carolina Maria de Jesus conheceu em outro momento histórico, uma realidade que Bolsonaro desconhece: a realidade da pobreza. E essas pessoas sentem, como Carolina Maria de Jesus sentia, quem são os responsáveis pela tragédia. É preciso organizar a indignação e transformá-la em luta. Esperançar com verbo, projeto e ação política. Eleger Lula presidente, derrotar as emboscadas golpistas e construir o governo Lula nas praças e avenidas, empurrando o parlamento e o governo para o caminho das reformas democrático-populares.

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