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A tentativa de impor um “fato consumado”

A mídia e a tentativa de impor um “fato consumado” ao Supremo Tribunal Federal no caso da ameaça de prisão a Lula

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A tentativa de impor um “fato consumado”

Foto: Divulgação

O papel que os grandes conglomerados da mídia brasileira vêm exercendo na conjuntura do golpe no Brasil não difere de outros momentos da história, e tem se mostrado fundamental no sentido de conferir sustentação ideológica aos processos, por meio do desvirtuamento dos fatos, da ignorância acerca deles e do sensacionalismo. Uma das formas mais contundente tem sido impulsionar decisões no sentido do que lhes convém, por meio de constrangimento público dos atores.

Por vezes, essa atuação se apresenta de forma mais sutil, quase imperceptível a olhares menos atentos, sendo desnudada mais adiante. Aqueles momentos em que a notícia funciona como desvio, criando um obstáculo entre a realidade e a percepção a lhe ser ofertada.

Desde que a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região acelerou o julgamento da apelação do ex-presidente Lula no processo “do Triplex”, com a devolução do voto do revisor em tempo record, e um julgamento marcado às pressas, para proferir uma condenação unânime e combinada, o debate, que já vinha se desenhando há vários meses no Supremo Tribunal Federal, de nova análise da possibilidade de antecipação da execução da pena, permitindo a prisão em segunda instância, foi divulgado nos jornais como inconveniente e oportunista, insuflando até mesmo discussões entre políticos e membros do Poder Judiciário.

Explicando o tema, a Constituição Federal de 1988 afirma textualmente que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. E o trânsito em julgado ocorre após esgotadas todas as instâncias recursais. É o chamado princípio da presunção de inocência, a que o Supremo Tribunal Federal sempre assentiu, até fevereiro de 2016, quando julgou o Habeas Corpus 126292/SP e mudou o paradigma, fixando o entendimento de que “a execução da sentença penal condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende a presunção de inocência, mesmo pendente o julgamento de recursos constitucionais.”

O julgamento naquele momento ocorreu por maioria, mas tribunais de todo o país passaram a adotar, automaticamente, a execução antecipada interpretando o “não ofende” como obrigatoriedade da execução. Em decorrência disso, foram ajuizadas as Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e 44, julgadas no dia 05 de outubro de 2016, onde o plenário do STF ratificou o entendimento por maioria de 6 a 5 votos. O debate nunca, de fato, saiu da pauta da Corte, e a sinalização dos problemas advindos do resultado do julgado começaram a apontar para uma mudança do entendimento de alguns de seus ministros.

Voltando ao campo das sutilezas, repetindo manchetes dos outros jornalões dos últimos dias, a Folha de São Paulo traz hoje em seu blog, uma matéria com a seguinte manchete: “Novo placar do STF sobre prisão após segunda instância será revelado na terça”. E afirma que o que está em questão é o voto do mais recente ministro do Tribunal Alexandre de Moraes.

Será mesmo? O que, afinal, será votado na próxima terça (dia 06), no STF?

Trata-se, de fato, de dois processos que serão julgados pela Primeira Turma do Tribunal que tratam do tema da execução provisória da pena.

O voto do ministro Alexandre de Moraes, ao menos em tese, é conhecido, já que ele já deu diversas declarações, inclusive na sabatina do Senado em fevereiro de 2017: “em relação à execução provisória da pena, como eu disse anteriormente, enquanto ainda prevalecer o julgamento, por maioria, do plenário do Supremo Tribunal Federal, eu acompanho esse julgamento da possibilidade desse cumprimento”. Portanto, mesmo que ele seja o único juiz que ainda não proferiu voto sobre o tema no STF, não é sobre ele que se fala acerca da possibilidade de mudança de entendimento na Corte. E mesmo se fosse, a maioria de 6 a 5 é do plenário do Tribunal, não de uma de suas turmas.

Dito de outro modo, o desfecho da votação na Primeira Turma na próxima terça-feira (dia 06) não revela o “novo placar”. Aliás, sequer se pode afirmar que o altera, já que a posição do novo ministro, que tende a ser a mesma do falecido Teori Zavascki, a quem ele substituiu, nada diz sobre um resultado no plenário, haja vista que não se sabe a posição dos membros da Segunda Turma neste momento. E, apenas ilustrativamente, em se tratando de Turma, a que compete julgar recursos do ex-presidente Lula é a Segunda Turma, a que pertence o ministro Edson Fachin, não a Primeira. Também nesse caso nada será adiantado na terça-feira.

O resultado, contudo, tem efeito midiático. Ao afirmar a possibilidade de “novo placar”, mesmo sabendo que o forum não é o da turma e que não é decisivo, e sendo mantido o entendimento, a imprensa impulsionará o sentimento do “fato consumado”, revelando as razões da grande divulgação em torno da pauta da próxima terça-feira, em mais um passo para evitar que seja revisto o entendimento no colegiado que tem, de fato, competência para fazê-lo.

No fim, é apenas mais um método de manipulação da informação. Camuflado, mas igualmente desonesto.

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