O Brasil vive um momento trágico. A marca de mais de 415 mil mortos pela Covid é um trauma que vai se refletir por anos no País. Somam-se a isso o desemprego e o desalento que atormentam mais de 20 milhões de trabalhadores. Na questão ambiental, a situação é grave e marcada por eventos extremos. Do ciclone-bomba e dos tornados que atingiram Santa Catarina às enchentes que afetaram Minas Gerais. A emergência climática chegou ao Brasil.
Nos últimos anos, não paramos de colecionar recordes negativos. O desmatamento na Amazônia é o maior dos últimos 12 anos e o Pantanal perdeu 26% de sua cobertura vegetal nas queimadas. Enquanto isso, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente é o menor em 21 anos.
O Brasil pode, porém, sair desse cenário caótico, combinando a preservação da biodiversidade com a geração de empregos e renda. É hora de pensarmos em um plano verde de transição, um caminho para construir a Geração Ecológica. Assim, retomaremos o lugar de destaque no mundo. Enfrentar este momento difícil não pode significar apenas resistir aos retrocessos.
São cada vez mais nítidas as oportunidades que as políticas ambientais trazem para o desenvolvimento socioeconômico. Não à toa, as principais economias do mundo estão apostando em estimular setores verdes como forma de recuperar a economia, os empregos e a renda.
Para atingir a meta de 1,5 grau de aquecimento global máximo, estabelecida no Acordo de Paris, o Green New Deal americano de Joe Biden promete investir 2 trilhões de dólares em dez anos. O Pacto Ecológico Europeu colocará 1 trilhão de euros em ações para o clima. A Civilização Ecológica da China prevê 15 trilhões de dólares até 2050.
É interessante notar que esses recursos e transformações serão liderados, em sua maioria, pelos governos. No mundo todo são estimados investimentos de mais de 23 trilhões de dólares apenas em energia limpa. No Brasil, estudos apontam que serviços de ecossistema, aqueles que geram renda a partir da biodiversidade, têm um potencial de 7 trilhões de reais. São ações que geram os chamados empregos verdes, que, nos EUA, demonstram uma capacidade de?pagar salários até 19% maiores.
A Geração Ecológica nos mostra que não basta trocar o carro a combustão pelo elétrico. Precisamos ter um plano de nação, de longo prazo, com pesquisa, desenvolvimento, ciência e inovação, aliados ao fomento das tecnologias sociais. Somente assim poderemos fazer da transformação verde uma oportunidade para, além de cuidar do meio ambiente, melhorar as condições de vida das pessoas.
Precisamos investir em inovações que capturem o potencial brasileiro para a indústria de energia renovável, com projetos de transferência de tecnologia em setores como armazenamento de baterias ou energia eólica em alto-mar. E teremos de escolher se entramos ou não na corrida tecnológica da indústria de hidrogênio, um mercado que, até 2030, deverá atingir 420 bilhões de dólares no mundo.
Podemos ir além, eletrificar a frota de veículos brasileira e, ao mesmo tempo, tornar a rede de distribuição elétrica mais resiliente, inteligente e acessível, evitando os gargalos atuais. Acelerar a digitalização da indústria para tornar mais eficiente o uso de água e eletricidade.
Podemos, ainda, definir a regulação dos mercados de créditos e de captura das emissões de carbono e estabelecer?os parâmetros para que a economia circular se torne forte e geradora de empregos. Em tempo, é preciso criar um guia para os investimentos verdes, com parâmetros necessários para que a bioeconomia gere bioprodutos, biofármacos, bioinsumos e biocombustíveis. Dessa maneira, daremos transparência e levaremos segurança aos investidores.
Este plano precisa envolver desde a proteção dos ciclos da natureza e da biodiversidade, até o desmatamento ilegal zero e a promoção de uma agricultura sustentável e familiar de escala, interligada às cidades verdes. Talvez, ainda mais relevante, é preciso que a Geração Ecológica promova a justiça verde, protegendo os povos das florestas, do campo e das águas, os indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos e os vulneráveis em contexto urbano.
É nesse momento desafiador, portanto, que precisamos de vacinas, para sairmos o mais rápido possível da pandemia?e construir o caminho que nos pertence como país. Este é o momento em que o Meio Ambiente deve pautar das escolas às grandes mídias, da ciência à economia real, dos povos da floresta a toda população. É hora de agir rumo à construção da Geração Ecológica.
Artigo originalmente publicado pela revista Carta Capital