Do alto do seu atilado pensamento estratégico, o capitão descobriu a maneira segura de tirar o Brasil da crise: a exportação de abacates e bijuterias de nióbio. Abacates para o Mercosul e bijuterias para o mundo.
A inspiração genial sobreveio ao capitão após comer numa churrascaria no país do sushi, em longas horas de lazer, quando não tinha agenda nenhuma na reunião do G20. Típico resultado do “ócio criativo”, para usar a expressão utilizada pelo sociólogo Domenico de Masi.
De fato, não se sabe bem o que o capitão foi fazer no G20. Ele mesmo não sabe. Não tem agenda relevante com ninguém, a não ser a agenda negativa da vilania ambiental, do desrespeito aos direitos humanas, do regresso à Idade Média no tocante às lutas das minorias, do evidente neofascismo, etc.
Em nítido contraste com Lula, que era chamado de “O Cara” por Obama, por ser “o político mais popular da Terra”, agora temos um mandatário que é “O Cara a Ser Evitado”.
Com efeito, o nosso capitão disputa com Duterte, das Filipinas, o título de chefe de Estado mais repugnante e impopular do planeta. O páreo é duro, mas reconheço que o capitão vem fazendo grandes esforços para vencer a competição.
Em dobradinha com o grande diplomata General Heleno, que mandou os europeus irem “procurar a sua turma”, o capitão empenha-se no isolamento do Brasil.
Ao descer do pitoresco “Aerococa”, o capitão coçou o saco, cuspiu no chão nipônico e disparou: não vou ser criticado por ninguém. Confundiu grosseria com altivez e falta de respeito com os compromissos internacionais do Brasil com soberania. Logo ele, que fala fininho com Trump e bate continência para a bandeira dos EUA.
Indigência mental e desequilíbrios emocionais à parte, objetivamente o Brasil está cada vez mais isolado por uma política externa que parece mais embasada na Suma Teológica de São Tomás de Aquino do que no tradicional pragmatismo racional do nosso corpo diplomático.
Em Genebra, na última reunião da ONU, estivemos nos afastando do mundo civilizado e procurando a companhia de uma turma barra pesada. Por decisão do chanceler pré-iluminista, o Brasil, contrariando todo os seus compromissos anteriores, opôs-se ao uso do conceito de “gênero” em resoluções da ONU, propôs limitar os direitos reprodutivos para excluir o aborto e criticou a condenação ao uso indevido da religião para impor desigualdades entre homens e mulheres.
Provocou risos de escárnio e expressões de indignação nas delegações do mundo civilizado e o aplauso de grandes democracias, como Paquistão e Arábia Saudita, uma monarquia absolutista e medieval.
No BRICS, grupo geoestratégico criado pela nossa antiga e exitosa política externa ativa e altiva, não somos mais nada. China, Rússia e Índia nos excluíram de suas tratativas trilaterais.
Em vez de defendermos nossos interesses próprios, nos aliamos incondicionalmente a Trump em sua cruzada insana contra a China, nosso principal parceiro comercial.
Compramos briga com países árabes e muçulmanos, grandes parceiros econômicos e comerciais do Brasil, em razão do capricho ideológico de agradar Trump e Netanyahu, em sua política genocida contra o povo palestino.
Estamos nos afastando da África, do Oriente Médio e do Caribe, que deixaram de ter qualquer prioridade.
Na América do Sul, nosso entorno, perdemos muito protagonismo, pois deixamos de investir na integração regional, aos nos aliamos acriticamente a Trump e sua política de reimplantação da Doutrina Monroe na região. O Brasil de Bolsonaro tornou-se capitão-do-mato do Império, na sua guerra contra Venezuela, Cuba e quaisquer outros países que não se enquadrem na atual pax americana.
A negação do aquecimento global, as ameaças de abandonar o Acordo de Paris, a promessa de não demarcar mais terras indígenas e a prometida abertura da Amazônia para a exploração predatória causam indignação no mundo civilizado, particularmente entre europeus.
A continuar nessa marcha célere rumo à Idade Média, sobrará para o Brasil, além da aliança subalterna com Trump, uma aliança estratégica com Duterte, no campo da política fascista de “bandido bom é bandido morto” e uma cooperação com as ditaduras medievais do Golfo Pérsico, no campo da homofobia e da negação dos direitos das mulheres.
Ironia do destino, os “valores cristãos” que hoje regeriam nossa política externa, no entender do chanceler olaviano, nos aproximariam do fundamentalismo sunita dos países mais atrasados do mundo muçulmano. Cristãos e mouros irmanados numa cruzada contra a civilização e a razão.
Completa esse isolamento da vergonha o uso de avião da comitiva presidencial para realizar tráfico internacional de drogas, episódio constrangedor, apropriadamente arrematado pelos comentários do titular do antigo MEC, hoje MEPE (Ministério da Má-Educação e do Português Errado).
Parece que estamos destinados a fazer parte de uma espécie de folclórico e seleto hospício diplomático.
Creio que só não fomos ainda totalmente alienados da convivência com a comunidade internacional porque temos a oferecer excelentes negócios. Como se sabe, o capitão, que diz que não será advertido por ninguém, colocou o Brasil à venda para todos. E a preços módicos.
Agora mesmo, ultima-se um acordo Mercosul-UE, o qual, a julgar pela sôfrega expectativa das elites europeias, deverá ser um desastre para o setor produtivo nacional. Comenta-se que o Brasil do capitão teria feito grandes concessões em propriedade intelectual, serviços e compras governamentais, sem exigir, contudo, significativas concessões europeias, no campo da agricultura, setor altamente protegido por uma montanha de subsídios. Coisa de doido.
Em âmbito interno, persiste a revelação de provas irrefutáveis de que a Lava Jato, instrumental no golpe de 2016 e na prisão sem provas de Lula, foi grosseiramente conduzida pelo juiz de memória seletiva e ética flexível. A divulgação dos últimos diálogos mostra claramente como os procuradores obedeceram às ordens do juiz para escolher as testemunhas. Uma total esquizofrenia jurídica.
O Brasil enlouqueceu, aqui dentro e lá fora.
Enquanto o capitão estiver no comando dessa nau dos insensatos, não haverá nióbio suficiente no mundo que nos salve.
Nem abacate.