Cyntia Campos
Donald Trump estragou a brincadeira dos golpistas. A decisão do novo presidente norte-americano de retirar seu país da Aliança Transpacífica deixou órfã a principal estratégia geopolítica dos setores conservadores brasileiros, que investiram muito discurso, tempo e energia na desqualificação do Mercosul e das políticas multilaterais defendidas e praticadas pelo Brasil durante os governos petistas de Lula e Dilma.
Na agenda geopolítica dos tucanos e seus aliados, a Aliança Transpacífica figurava como uma espécie de éden dos acordos comerciais — muito embora o Brasil não esteja na Bacia do Pacífico e sequer tenha sido convidado a participar do bloco ainda em formação que reuniria Austrália, Brunei, Chile, Cingapura, Estados Unidos, Japão, Nova Zelândia e Peru.
Na Comissão de Relação de Exteriores (CRE) do Senado, por exemplo, a questão foi tema recorrente de debates ao longo dos últimos anos. “A política externa ativa e altiva dos governos progressistas de Lula e Dilma alterou profundamente a inserção internacional do Brasil”, recorda o sociólogo Marcelo Zero, assessor da Bancada do PT na Comissão de Relações Exteriores. Relações bilaterais diversificadas, ampliação de parcerias estratégicas com países emergentes, maior investimento na integração regional e a cooperação Sul-Sul foram eixos centrais de uma agenda que deram ao Brasil um protagonismo inédito no cenário internacional.
“Essa nova postura adotada pelos governos petistas também se caracterizou pelo abandono da ideia ingênua de que a submissão aos desígnios da única superpotência e a inclusão acrítica no processo de globalização nos faria aceder a um Brave New World de independência e prosperidade”, destaca Marcelo Zero. A agenda regressiva expressa no projeto de uma Área de Livre Comércio das Américas — a famigerada ALCA — ampla e assimétrica foi superada. “O Brasil passou a criar espaços próprios de influência, articulando-se com outros emergentes em foros como o BRICS”.
A agenda internacional do golpe prevê o abandono de todo esse legado construído ao longo de 13 anos de postura soberana e colaborativa. Mas as pressões para que o Brasil assinasse a toque de caixa acordos de livre comércio assimétricos, como o Acordo Comercial Transpacífico (TTP) e o Acordo Transatlântico de Comércio e Investimentos (TTIP), sofreu um duro golpe com a decisão de Trump de retirar os EUA do TPP. Como diria Garrincha, “faltou combinar com os russos” — no caso, com os gringos.
Mas é só um revés importante, embora pontual, já que a política externa dos golpistas prosseguirá desqualificando a aposta no Mercosul e na integração regional e abandonando a prioridade dada ao BRICS e outros foros que conduzem a um mundo mais multipolar e menos assimétrico. A ideia tucana de relações exteriores continuará a se fundar na adesão do Brasil aos acordos assimétricos, “sob a desculpa esfarrapada da necessidade do país se inserir ‘nas cadeias globais de valor”, avalia Marcelo Zero. Acordos que, alerta ele, inviabilizariam a possibilidade de implantarmos políticas de desenvolvimento e de ciência e tecnologia, tal como já aconteceu com o México.
“Há países que gostam dessa agenda geopolítica que nos faria regredir à dimensão de um país periférico. Nesse sentido, é interessante notar a diferença entre os EUA e a Rússia, no que tange ao golpe no Brasil. Enquanto esse último país emitiu nota oficial manifestando preocupação com o cumprimento dos princípios constitucionais e com ‘interferências externas’ no processo político brasileiro, o primeiro encerrou-se num conveniente e estranho mutismo, que não impediu, porém, que autoridades norte-americanas recebessem políticos envolvidos na articulação do golpe de Estado parlamentar”.