A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado vai realizar, na próxima terça-feira (20/12), uma reunião extraordinária para discutir a ameaça de crise humanitária na cidade de Brasileia, principal destino de milhares de refugiados haitianos que continuam chegando, todos os fins de semana, às localidades de fronteira da Amazônia.
A reunião vai debater o problema crescente causado pelos refugiados de Brasiléia, na fronteira do Acre com a Bolívia, vem crescendo de maneira exponencial. Na última terça feira, eram 724 migrantes. Nesta quinta-feira, o número já chegava a 850. São pessoas que enfrentam mais de um mês de jornada, pelo mar do Caribe, cordilheira dos Andes e pela selva amazônica para fixar residência no Brasil. Muitos dos que chegam são profissionais qualificados, nos quais as famílias investiram o que tinham para que eles chegassem ao Brasil.
Serão convidados a participar da audiência pública o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Justiça e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Situação Excepcional
A convocação da audiência foi decidida na manhã desta quinta-feira (15/12), a partir de um requerimento dos senadores Jorge Viana e Aníbal Diniz, ambos do PT acreano, e subscrito pela totalidade dos senadores presentes à sessão. Diante da gravidade da situação dos refugiados, a CRE amparou-se numa normativa que autoriza a aprovação de uma proposição na mesma sessão em que é apresentada, desde que trate de questões graves ou urgentes.
Sem refúgio
Segundo o senador Jorge Viana, desde o terremoto que arrasou o Haiti, em janeiro de 2010, mais de quatro mil refugiados daquele país já chegaram às cidades de fronteira da Amazônia Brasileira, como Tabatinga (AM) e Epitaciolândia (AC), onde aguardam, em alojamentos precários e sem trabalho, o reconhecimento de sua condição de refugiados e um visto de permanência no país. Até o momento, nenhum pedido de refúgio foi deferido pelas autoridades brasileiras.
“A legislação brasileira não prevê a condição de refugiado econômico”, lembra Jorge Viana. “Nós reconhecemos o sofrimento dessas pessoas, queremos que seja encontrada uma solução para eles, mas o Acre está cada vez mais impotente para ampará-los. É urgente uma atitude do governo federal”.
“Constrangimento internacional”
A situação é mais grave em Brasiléia, na margem brasileira do Rio Acre, em frente à cidade boliviana de Cobija e com 13 mil moradores na área urbana. Lá, os 850 850 haitianos lotam as poucas pousadas e hotéis locais e até casas particulares estão sendo alugadas pelo governo do Acre para abrigar os refugiados.
Até agora, o estado já gastou mais de R$ 1 milhão em ajuda aos migrantes, aos quais, além da hospedagem, oferece duas refeições diárias.
O senador Jorge Viana alerta para a possibilidade de convulsão social quando essa ajuda for suspensa — o governo acreano já informou que só tem recursos para bancar o auxílio aos refugiados até 30 de dezembro — e também para o risco de epidemias, dada a precariedade das condições sanitárias dos locais onde estão abrigados os haitianos. “Estamos correndo o risco de um constrangimento internacional”, afirma o senador.
Reportagem do Guardian
Na última terça-feira, o jornal inglês The Guardian publicou uma extensa reportagem sobre a situação em Brasiléia. Em maio, o correspondente do jornal, Tom Phillips, já havia visitado Brasiléia, Epitaciolândia e Iñapari, no lado peruano da fronteira. Na ocasião, estava suspensa a concessão de vistos de entrada aos haitianos.
Aquele “fechamento da fronteira”, porém, não impediu que o número de refugiados continuasse a crescer — ou se restringisse aos haitianos: a reportagem de maio do Guardian citava a presença de quatro migrantes de Bangladesh, um da Libéria e outro da Nigéria, além de rumores sobre a presença de paquistaneses e tanzanianos, todos à espera de uma chance de atravessar de Iñapari para Assis Brasil (AC).
Reiterados alertas
Desde o começo do ano, os senadores Jorge Viana e Aníbal Diniz vêm alertando o governo brasileiro para o crescente fluxo de refugiados nas cidades acreanas localizadas nas fronteiras com o Peru e a Bolívia. Há menos de um mês, o governador Tião Viana esteve em Brasília. Numa audiência com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ele pediu que o governo federal assumisse a condução da situação.
“Só o governo federal pode resolver o problema”, afirma o senador Aníbal Diniz. Ele cobra gestões diplomáticas junto aos governos da República Dominicana, Panamá, Equador, Peru e Bolívia—países que servem de rota dos refugiados até o Brasil—e uma decisão sobre o status legal dos refugiados haitianos.
Ação de “coiotes”
Embora os representantes acreanos não pleiteiem uma solução policial para o caso, como o patrulhamento da fronteira para impedir a entrada dos migrantes, Viana lembra que é evidente a ação de coiotes (contrabandistas de pessoas) auxiliando os migrantes na intrincada rota desde o Haiti até as cidades acreanas.
“Não podemos deixar nossas fronteiras expostas à ação de criminosos”, diz o senador. Para ele, porém, o fundamental é encontrar uma saída para os haitianos. “O Acre não tem nem o poder nem os instrumentos necessários para resolver essa crise. Cabe ao governo federal agir com presteza, antes que a situação saia do controle”.
Cyntia Campos
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