O presidente Jair Bolsonaro insiste que o isolamento social precisa ser afrouxado no país para evitar o colapso da economia. Em tom dramático, fala em “morte de CNPJs” e na falta de renda da maioria das pessoas. Só não diz que a economia está em coma desde 2016, quando Dilma Rousseff deixou o governo, deposta por um impeachment fraudulento, que contou diretamente com seu voto e apoio. A ida de Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal, na quinta-feira (7), acompanhado de Paulo Guedes e empresários, para pressionar a corte a rever medidas de distanciamento social, a fim de “tirar CNPJs da UTI”, é o fracasso da agenda neoliberal.
Nos últimos quatro anos, o país assistiu à retórica da ortodoxia a qualquer custo para manter o sistema financeiro batendo lucros recordes e ampliando a concentração de renda das classes mais altas. Só no ano passado, a concentração de renda das classes A e B cresceu 43% no Brasil. Não importa que o desmanche dos direitos trabalhistas e sociais, iniciado por Michel Temer e ampliado por Jair Bolsonaro, tenha piorado a situação da maioria no país. Nem que os cortes severos nos programas sociais e o fim dos investimentos públicos não tenham trazido qualquer melhora para a maioria. Nas cabeças de planilha do governo, o que vale é o ajuste fiscal. E isso se agravou com os cortes sociais impostos nos governos Temer e Bolsonaro.
A ‘visita’ do presidente ao STF – uma pressão ilegítima tomada por um governante insensível que só está interessado em manter-se a qualquer custo no Planalto, nem que seja sobre uma pilha de cadáveres – provocou reações na mídia e em políticos. “Olha o que essa gente tá pensando?”, criticou a presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), após a ida de Bolsonaro ao gabinete do presidente do Supremo, Dias Toffoli. “O povo pode morrer, a economia, não”. Ela se mostrou particularmente irritada porque Bolsonaro na reunião no STF parecia um comentarista político e não o chefe do Estado brasileiro. “Não vai governar?”, questionou.
Crédito só para os grandes
O líder do partido na Câmara, Enio Verri (PR), diz que Guedes e Bolsonaro só têm olhos para os grandes empresários do país. “Dos R$ 40 bilhões disponíveis para financiar as micro e pequena empresas, apenas 1% foi liberado pelo governo”, condenou. “Pequenos negócios, cuja folha de pagamento não passe por bancos, não podem acessar crédito”. É a prova de que as políticas desenhadas por Paulo Guedes não têm qualquer base na realidade e revelam o descaso com os pequenos negócios.
Agora, diante da queda da atividade em diversos setores – a indústria caiu 9,1% em abril e a previsão é de um tombo de 20% a partir de agosto, o desemprego deve chegar a 20 milhões e o PIB pode cair até 5%, numa previsão considerada otimista do FMI – Bolsonaro finge não ver que a responsabilidade pelo aumento da desigualdade e da economia moribunda é consequencia direta da sua política econômica, baseada na ausência de investimentos públicos e arrocho salarial e de renda. E isso é apenas uma parte do receituário ortodoxo de Paulo Guedes.
Nesta sexta-feira (8), o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles condenou a falsa dicotomia estabelecida por Bolsonaro em torno do fim do isolamento social. “É a pandemia que explica a paralisia da economia e não o isolamento social”, disse. Embora o presidente da República continue batendo na tecla de que seu único propósito é reativar a economia, o mais importante agora é salvar vidas. É o que vêm fazendo chefes de Estado e de governo em todo o mundo. Afrouxar o distanciamento social, como defende o governo brasileiro, pode levar à morte de 100 mil brasileiros dentro de 60 dias, de acordo com projeções de especialistas. “É um atentado ao país. Não há jeito de sair da crise com essa política”, adverte Gleisi.
Insensibilidade e constrangimento
Ex-ministro da Saúde, o senador Humberto Costa (PT-PE) também se mostrou chocado com o comportamento de Bolsonaro. “Ele e seu grupo de empresários protagonizaram o espetáculo da insensibilidade, ontem, na ida ao STF para pressionar a ‘reabertura’ do país. Deixaram bem claro que preferem a morte de CPFs, brasileiros trabalhadores, do que a instabilidade passageira nos CNPJs”, questionou.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) foi outro a condenar a “visita de cortesia” de Bolsonaro, chamando-a de constrangedora. “Mais uma tentativa de Bolsonaro e Guedes de se eximirem de governar”, atacou. “Sabem bravatear, vender estatais valiosas e cortar direitos dos vulneráveis. Diante da crise, tentam terceirizar suas responsabilidades”. Ele comentou que até os próprios empresários que participaram da reunião originalmente agendada no Palácio do Planalto relataram que o assunto “relaxamento do isolamento” não estava na pauta. “A dupla Bolsoguedes preferiu atravessar a rua e jogar o problema no colo do STF”, reclama o parlamentar.