A Africare, maior organização sem fins lucrativos focada exclusivamente na África, acaba de abrir um escritório no Brasil. O Instituto Lula, que acompanhou de perto a vinda da Africare, comemora mais este passo rumo ao estreitamento de laços entre Brasil e África. Em novembro do ano passado, o ex-presidente Lula foi agraciado com o prêmio Africare 2011. Esse prêmio é concedido anualmente a um indivíduo ou grupo que tenha feito impacto significativo em elevar as condições de vida na África. Na época, Lula afirmou: “essa é uma importante honraria, prova de que devemos trabalhar ainda mais para reforçar os laços do Brasil com a África”.
No momento em que a Africare abre seu escritório no Rio de Janeiro, o Instituto Lula conversou com Christian Isely, diretor de Parcerias Estratégicas no Brasil, para que ele pudesse apresentar um pouco o trabalho da organização aos brasileiros. “Isto não é apenas o culminar de nossos esforços ao longo do ano passado para envolver os nossos parceiros brasileiros, mas também o início de uma parceria longa e frutífera entre Africare e o povo do Brasil”, declarou.
Entre as tarefas que Cristian Isely pretende desempenhar no Brasil está o estabelecimento de uma parceria com o Instituto Lula, o desenvolvimento de projetos com empresas brasileiras a fim de beneficiar comunidades locais africanas e o reforço da parceria com o governo brasileiro, além de solicitar doações diretas de indivíduos brasileiros e fundações para projetos em benefício de comunidades africanas. Para saber mais sobre a entidade, visite o site oficial: www.africare.org (em inglês).
O que é a Africare?
Somos a maior organização sem fins lucrativos focada exclusivamente na África. A missão da Africare é melhorar a qualidade de vida dos africanos. Há 42 anos, trabalhamos em parceria com os povos africanos de 35 países para construir uma vida sustentável, saudável e produtiva para as comunidades. Além disso, somos também uma voz líder nas questões de desenvolvimento da África.
E o que motivou a abertura de um escritório aqui no Brasil?
O surgimento do Brasil como uma potência mundial econômica e diplomática criou oportunidades significativas para o povo brasileiro apoiar o desenvolvimento do continente africano. O objetivo do escritório da Africare no Brasil é engajar diretamente o Brasil como um país doador para a África e garantir que o apoio brasileiro responda de maneira eficaz às necessidades urgentes das comunidades africanas.
Como você vê a importância da relação Brasil–África?
É uma relação extremamente importante, que a Africare pretende ajudar a fomentar. Uma forte relação multifacetada entre a África e Brasil não será apenas mutuamente benéfica, como também irá gerar impactos positivos globais nos campos econômico, social e da saúde. Esse relacionamento tem o potencial de demonstrar como laços históricos e culturais podem servir de base para fortes laços econômicos e promover o bem-estar e a qualidade de vida para pessoas de todo o continente africano e do Brasil.
O Brasil não é o único país que está aumentando o seu envolvimento com a África. Outras economias em crescimento, como China e Índia também estão reforçando a sua presença no continente. O que diferencia o Brasil é o seu foco no emprego de mão-de-obra africana local e seu desejo de ajudar as comunidades locais beneficiadas por investimentos brasileiros. O Brasil pode servir como um exemplo poderoso para outros países do BRIC, e mesmo para a Europa e os Estados Unidos.
Em que áreas a Africare imagina que pode haver colaboração Brasil-África e como cada parte se beneficia disso?
A África tem uma imensa oportunidade de aprender com o esforço bem sucedido do Brasil para tirar as pessoas da pobreza e oferecer a eles acesso à saúde e à educação. Os programas sociais, como Bolsa Família, Fome Zero, Mais Alimentos e PAC (só para mencionar alguns) podem ser adaptados à realidade africana. Além disso, o Brasil, como uma potência agrícola e com um clima semelhante ao da África, está em uma posição para compartilhar tecnologias agrícolas inovadoras a fim de melhorar a produção de alimentos, aumentar as rendas individuais e desenvolver fontes alternativas de energia.
Da mesma forma, o Brasil pode também aprender com a África. Os povos africanos têm um forte sentimento de espírito de comunidade que pode ser mobilizado para efetivamente melhorar a qualidade de vida. A maioria dos projetos da Africare são implementadas em nível local, pelas próprias comunidades, o que ajuda a desenvolver um forte sentimento de orgulho da comunidade e de propriedade — qualidades que as comunidades de qualquer parte do mundo valorizam e se esforçam para incorporar.
Como o Instituto Lula e outras instituições parceiras podem trabalhar em conjunto com a Africare?
Com relação ao Instituto Lula, a Africare gostaria de estabelecer uma parceria para fomentar atividades e eventos que promovam a relação entre a África e o Brasil. A Africare acredita que juntos podemos educar o povo brasileiro sobre as necessidades mais críticas das comunidades na África. Exemplos concretos podem incluir conferências envolvendo palestrantes africanos para discutir iniciativas específicas, sucessos e desafios, a implementação de campanhas de angariação de fundos variados, o uso de eventos esportivos (especialmente a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016), e a divulgação de informação nos meios impressos, televisivos e eletrônicos sobre o crescente relacionamento entre a África e o Brasil.
A Africare está desenvolvendo projetos com as grandes empresas brasileiras nos setores de construção, mineração, petróleo e agricultura (incluindo produção de alimentos e bioenergia), com planos de implementar projetos comunitários em cooperação com parceiros corporativos em toda a África. Nós podemos ajudar a construir projetos com elevados padrões de sustentabilidade e que contribuem para o valor das operações dessas empresas, provocando ao mesmo tempo uma melhoria da qualidade de vida das comunidades vizinhas. Os projetos podem incluir reassentamento, agricultura, saúde, educação, água e saneamento, o empoderamento das mulheres e a criação de microempresas.
A Africare também busca formar parcerias e colaborar com algumas das maiores instituições do Brasil que também estão promovendo a relação África-Brasil, incluindo BNDES, Fiesp, Unica, Ubrabio, e Banco do Brasil.
Por fim, a Africare pretende promover a benevolência dos filantrópicos brasileiros individuais, especialmente brasileiros, que se beneficiaram do forte crescimento econômico do Brasil na última década. Os brasileiros são conhecidos pelo seu carinho e compaixão que, combinados com o desejo de participar no desenvolvimento da África, são uma receita poderosa e positiva para o sucesso.
Como a Africare vê a situação da África atualmente e quais as prioridades da entidade?
Apesar de uma série de desafios, a situação da África é bastante promissora. A África se saiu relativamente bem durante a crise econômica e algumas das economias que mais crescem nos últimos anos foram os países africanos. Isso aconteceu em parte como resultado de um investimento significativo de países estrangeiros, como o Brasil. O desafio é garantir que este crescimento econômico beneficie toda a população da África e que leve a um desenvolvimento social duradouro.
Para a Africare, as áreas prioritárias são as seguintes:
1º Agricultura e Segurança Alimentar – A África tem um imenso potencial para a agricultura. Mas os agricultores locais precisam de ajuda na melhoria da produtividade e no acesso a mercados. A Africare tem uma experiência significativa nessa área.
2º Saúde – A África continua a sofrer com a baixa expectativa de vida e as altas taxas de mortalidade materna e infantil. Doenças transmissíveis como a malária, Aids e as doenças tropicais negligenciadas continuam a persistir por todo o continente. A Africare desenvolveu programas eficazes através das comunidades locais e governos africanos para melhorar prevenção, diagnóstico e tratamento dessas doenças. Já há um progresso significativo nos locais onde estamos trabalhando.
3º Água e Saneamento – A falta de práticas de higiene e acesso limitado a água potável é um grande problema em todo o continente africano. Doenças facilmente evitáveis, como a diarréia podem levar rapidamente a condições de saúde debilitante e até à morte. A Africare tem um histórico comprovado de trabalhar com as comunidades locais para a construção de poços e infraestrutura hídricas compartilhadas.
Sobre sua experiência pessoal, há quantos anos você está na Africare?
Trabalhei para Africare durante três anos, como o Diretor Nacional em Angola. Eu já havia trabalhado para outras organizações de desenvolvimento antes em outros países, mas a Africare tem um lugar especial no meu coração. Há um sentimento muito forte de família, que é muito africano. Mais de 90% dos nossos funcionários são africanos e eles incorporam o verdadeiro espírito da Africare. Acho que este espírito tem sido fundamental para nos ajudar aumentar a conscientização sobre as necessidades da África e formar parcerias efetivas.
Por exemplo, em Angola, temos um programa inovador para vacinar as crianças contra a paralisia infantil, como parte do esforço da erradicação global dessa doença. Em 2011, começamos a recrutar voluntários estranhgeiros em Luanda para participar das campanhas de vacinação. Temos hoje mais de 200 voluntários ativos de diversos países como Brasil, França, Estados Unidos, Inglaterra, Noruega e outros. A Odebrecht e a Petrobras também mobilizaram seus voluntários e recursos para ajudar. Juntos, nossos voluntários estrangeiros e locais formam uma grande família que atingiu a marca de mais de 20.000 crianças vacinadas. Acredito que esses esforços têm contribuído para a diminuição dos casos da doença em Angola. Em 2010, houve 33 casos confirmados, mas ete ano não houve nenhum caso de paralisia infantil em Angola. Os brasileiros são em grande parte responsáveis por este sucesso. Os voluntários e veículos fornecidos pela Odebrecht e Petrobras permitiram que chegássemos às mais distantes comunidades, e os brasileiros são duplamente úteis, porque eles têm a vantagem de falar a língua local.
Este é apenas um exemplo entre muitos. O futuro está cheio de oportunidades sem precedentes para a relação entre África e Brasil para melhorar a qualidade de vida de todos os africanos.
Foto: Ricardo Stuckert