No último domingo (24), uma turba de bolsonaristas promoveu manifestação em frente à Embaixada da China, em Brasília. Com faixas e palavras de ordem ofensivas, acusaram o país pela “disseminação do coronavírus” e pediram a “expulsão” dos chineses do Brasil. A manifestação ocorreu na sequência da divulgação de vídeo de reunião palaciana em que a China foi tema de ataques de autoridades do governo federal.
Os “comentários” foram alvo de “sigilo” por parte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, quando autorizou a divulgação das gravações. No entanto, de acordo com a revista Veja, “o ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) culpou a China pela pandemia de coronavírus”, segundo relatos da reunião. Os ataques à China não são exclusividade do ministro das Relações Exteriores, e nem ocorreram pela primeira vez.
No final de março, o deputado Eduardo Bolsonaro acusou a China e o Partido Comunista Chinês de terem disseminado o novo coronavírus. Em conta do Twitter, disse que “mais uma vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas”. E disse mais, que “a culpa é da China e liberdade seria a solução”, fazendo coro com a posição disseminada mundialmente pelo presidente norte-americano, Donald Trump.
Na ocasião, a bancada do PT no Senado criticou duramente a posição do deputado Bolsonaro. “Tal declaração, que contraria todas as pesquisas científicas sobre o assunto, reproduz, de forma leviana, preconceitos ideológicos toscos, e foi realizada com o intuito de agradar o governo Trump, que trava uma ‘guerra híbrida’ contra nosso principal parceiro econômico e comercial”, advertiram os senadores petistas. “As suas palavras são extremamente irresponsáveis e nos soam familiares”, destacou o senador Humberto Costa.
Herança ideológica
A mais recente manifestação bolsonarista tem raízes históricas e ideológicas entre militares que participam do governo Bolsonaro. As relações diplomáticas entre Brasil e China foram retomadas em 1974, durante do governo do presidente Ernesto Geisel. A decisão do então presidente da República, Geisel sofreu forte resistência do general Sylvio Frota, então Ministro do Exército. Frota, que defendia aprofundar a repressão da ditadura, acabou demitido por Geisel, em 1977.
Em manifesto divulgado à época, e com tom semelhante aos bolsonaristas atuais, Frota acusou o governo Geisel de defender “valores antagônicos aos nossos”. “O estabelecimento de relações com a República Popular da China que defende, precisamente, valores antagônicos aos nossos, feito sob imposições, a rigor, desabonadoras para a nossa soberania, constituiu o primeiro passo na escalada socialista que pretende dominar o país“.
Na época, o então capitão Augusto Heleno, atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), foi ajudante de ordens do general Sylvio Frota, segundo o jornalista e escritor Elio Gaspari, em artigo publicado na Folha, em 28 de novembro de 2018.
Maior parceiro comercial
Expressa em manifestações e declarações, a posição adotada pelo atual governo é irresponsável e contraria os interesses do país. “A China é nosso primeiro parceiro comercial”, lembra o assessor da bancada da liderança do PT no Senado Federal, Marcelo Zero. “em 2019, exportamos para a China US$ 63, 35 bilhões, com um superávit a nosso favor de US$ 28 bilhões”, ressalta ele. A situação se torna mais grave no momento em que a China responde por grande parte da produção mundial de equipamentos necessários ao combate à pandemia.