Enquanto planeja obrigar brasileiros e brasileiras a trabalharem um mínimo de 40 anos para terem direito à aposentadoria integral, o governo Bolsonaro admite abrir mão de R$ 76 bilhões por ano com a redução dos impostos cobrados das empresas privadas — o equivalente a 1,16% do Produto Interno Bruto (PIB).
O ministro da Economia, Paulo Guedes, já anunciou sua intenção de reduzir o imposto pago pelas empresas de 34% para 15%, com forte redução no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ, hoje com alíquota de 25%) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL, atualmente em 9%).
Menos dinheiro para saúde e Previdência
A mudança na tributação do lucro das empresas afeta não apenas o orçamento fiscal, mas também o orçamento da seguridade social.
“Abrir mão de contribuições sociais significa reduzir as fontes de financiamento da saúde, da assistência social e da previdência”, explica o auditor-fiscal da Receita Federal Dão Real Pereira dos Santos, diretor de Relações Institucionais do Instituto Justiça Fiscal.
Baque para estados e municípios
Já a redução do IRPJ afeta diretamente as parcelas que compõem o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos Municípios, “o que reduz os orçamentos desses entes federados”, como ressalta Santos, em artigo publicado no site do Instituto Justiça Fiscal.
Quase metade do que é arrecadado com o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica — 46% — é destinado aos estados e municípios, que já enfrentam grandes dificuldades para assegurar as políticas públicas básicas reclamadas pela população, notadamente educação e saúde.
Mais aperto
Fanático pelo Estado mínimo, quase microscópico, Paulo Guedes surfa no senso comum — para o qual impostos são um mal em si mesmos — e já alardeou sua redentora intenção de reduzir a carga tributária no País para 20% do PIB. Para compensar, pretende apertar ainda mais o cinto do gasto social.
“O que não fica claro para a sociedade é quais serão as políticas públicas que serão abandonadas: saúde, educação, assistência, previdência, segurança pública? Quais?”, questiona o auditor-fiscal.
“É sempre bom lembrar o óbvio: gastar menos com serviços públicos e/ou benefícios sociais e arrecadar menos ainda com impostos também gera desequilíbrio fiscal”, alerta a professora da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, Laura Carvalho.
Bondade com empresas não se sustenta
A justificativa de Paulo Guedes para reduzir o imposto das empresas — estimular “mais investimentos” e mais “geração de empregos” — não se sustenta. Um exemplo é a atual situação dos Estados Unidos, onde 84% das empresas privadas declaram que não vão investir mais, mesmo com o corte de impostos de US$ 1,5 trilhão aprovado pelo presidente Donald Trump.
Essa decisão dos empresários norte-americanos foi auferida em pesquisa realizada pela National Association of Business Economics (NABE). Nos EUA, as empresas foram beneficiadas por uma redução de 35% para 21% no imposto de renda, medida que entrou em vigor em janeiro de 2018.
Demanda futura
“O fato é que o determinante principal dos investimentos das empresas segue sendo a expectativa de crescimento das vendas: empresários compram novas máquinas e equipamentos ou constroem novas plantas para serem capazes de produzir mais e, assim, atender a demanda futura”, aponta Laura Carvalho em artigo para o jornal Folha de S. Paulo.
Trocando em miúdos: não adianta cortar impostos das empresas — o lado mais forte da economia — e continuar a estrangular economicamente a população com a míngua dos investimentos públicos, que amplia o desemprego, e os cortes de programas sociais e o encarecimento do crédito.
“Quando as famílias não sentem segurança para consumir, os empresários não têm confiança em investir”, lembra o economista Bruno Moretti, assessor da Bancada do PT no Senado.
Desoneração do andar de cima
Dizer que “empresário paga muito imposto no Brasil” é um lugar comum — e um lugar comum equivocado. Ainda que as pessoas jurídicas estejam sujeitas a uma tributação de 34% (IRPF + CSLL), nenhuma empresa paga essa alíquota nominal. “Se considerarmos a alíquota efetiva”— o percentual que é pago de verdade, após isenções e deduções — “ela estaria em torno de 29%”, explica o auditor Dão Real.
Além disso, as pessoas físicas por trás das empresas — indivíduos que estão no topo da pirâmide econômica e social — contam com uma série de vantagens inimagináveis até para o assalariado médio.
A começar pela isenção total de impostos sobre os lucros e dividendos que retiram de suas empresas. Essa bondade da legislação faz o País deixar de tributar, todos os anos, os R$ 350 bilhões que são distribuídos a donos e sócios de empresas, como apontam os números do ano calendário 2017 da Receita Federal.
Sem contar que a alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Física que incide sobre os milionários, 27,5%, é a mesma arcada por quem ganha a partir de R$ 4.464,68.
Paraíso fiscal
“Com a redução da tributação das empresas para 15%, como sugere o ministro Guedes, o Brasil teria uma das alíquotas mais baixas entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”, aponta Dão Real. “Somente a Irlanda (12,5%) e a Hungria (9%) ficariam abaixo”.
Essa medida colocaria o Brasil ao lado de países mundialmente reconhecidos como paraísos fiscais — que até atraem muito dinheiro, nem sempre de origem lícita, mas são pouco afeitos a conquistar investimentos produtivos que gerem renda e bem estar para a maioria.
A baixa arrecadação tributária nesses “paraísos” costuma resultar infernal para a larga maioria de seus cidadãos, em virtude do desequilíbrio fiscal e da falta de recursos para bancar os serviços públicos.
“Bem mais eficaz, tanto para a economia como para a sociedade, seria centrar a reforma tributária na elevação da tributação das altas rendas, compensando-se com a redução da tributação sobre o consumo e sobre a folha de pagamentos, sem prejuízos para o financiamento da seguridade social e para o equilíbrio federativo”, defende o auditor-fiscal.
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