Na propaganda veiculada para todo o país em horário nobre, o agronegócio é tech, pop e tudo, mas esse discurso não mostra que ele é, na realidade, a maior causa de conflitos na Amazônia. Sem contar que o setor que engloba a pecuária e extensas monoculturas, como soja, milho, algodão e eucalipto, entre outras, também está por trás do desmatamento e das queimadas. Em 2017 e 2018, foi responsável por mais da metade dos 995 conflitos envolvendo 131.309 famílias nos estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Roraima, Amapá, Acre, Mato Grosso e Tocantins.
Os dados são do Atlas de Conflitos Socioterritoriais Pan-Amazônico, lançado nesta quarta-feira (23) pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Inédito, o atlas contou com a participação da Universidade Federal do Amapá, Observatório da Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas e de organizações de países da região amazônica. Entre eles, o Centro de Investigación y Promoción del Campesinado (CIPCA) e Federación Nacional de Mujeres Campesinas Bartolina Sisa, ambas da Bolívia; o Instituto del Bien Común, do Peru; e a Asociación Minga e Universidad de La Amazonia, da Colômbia.
De acordo com a publicação, a derrubada de árvores por madeireiras que agem de maneira ilegal, contribuindo para a degradação da Amazônia, aparece em segundo lugar no ranking.
Amazônia em guerra
Dos quase mil conflitos registrados em 2017 e 2018, mais da metade (59%) ocorreram pela disputa de terras sem legalização e/ou sem titulação legal. Na maioria dos casos, comunidades tradicionais e indígenas cujos territórios não foram reconhecidos e demarcados, ou áreas de posseiros sem reconhecimento.
Enganados por promessas de terra fácil, os pequenos agricultores correspondem a 42% dos envolvidos nos conflitos. Comunidades tradicionais são 29%, seguidas por indígenas (17%) e quilombolas (11%).
Nos dois anos estudados foram registrados 80 assassinatos, entre eles, de seis mulheres. Fora as ameaças de morte, agressões e criminalização de lideranças das famílias envolvidas nos conflitos.
Floresta ameaçada
O atlas pan-Amazônico reúne dados das porções da maior floresta tropical do mundo em outros três países, nos quais, ao contrário do Brasil, o agronegócio não é a maior ameaça. Na Bolívia, são a extração ilegal de madeira e obras de infraestrutura. Na Colômbia, infraestrutura, culturas ilegais e extração madeireira. E no Peru a mineração aparece como principal causa de conflitos, seguida pela extração de petróleo e outros hidrocarbonetos.
Na Amazônia colombiana foram registrados 227 conflitos, envolvendo 7.040 famílias. No Peru, 27.279 famílias envolvidas em 69 disputas. E na Bolívia, 1.931 famílias, em 17 episódios. Na ampla maioria dos casos, eram famílias indígenas. Nesses três países foram assassinadas 38 pessoas.
A edição de um atlas pan-Amzônico foi deliberada em reunião realizada em março de 2018, na cidade de Cobija, na Bolívia, como desdobramento do 8º Fórum Social Pan-Amazônico (Fospa), em Tarapoto, Peru.