Na República Dominicana, uma coalizão progressista apoiada pela esquerda conseguiu, em menos de uma década de governo, implantar o ensino em período integral, triplicar os salários dos professores e levar adiante uma série de políticas sociais inclusivas. A resposta da grande imprensa e das elites conservadoras é um bombardeio de denúncias de corrupção contra esse governo.
Em El Salvador, o ex-presidente Maurício Funes, da frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN) deu início à criação de um sistema púbico de saúde, estendeu os direitos previdenciários aos 100 mil trabalhadores domésticos, entre outras políticas inclusivas. Ele está exilado na Nicarágua desde o ano passado, acusado de uma série de irregularidades e ameaçado de morte.
Não é o fim do jogo
O cerco aos governos progressistas, como mostram esses dois exemplos centro-americanos, não é uma realidade exclusiva do Brasil. É um jogo pesado, resultado do movimento de recomposição do controle político e econômico sobre a América Latina exercido pelos Estados Unidos, com apoio das elites locais. “É importante fazer uma cuidadosa leitura dessa realidade ter consciência de que estamos diante de uma dura ofensiva”, defende Pepe Bayardi, secretário de Relações Internacionais da Frente Ampla do Uruguai. Ele ressalta, porém, que não que há que se falar em “fim do ciclo progressista” na região.
“Em 1990, eles decretaram o fim da História, com o triunfo definitivo do capitalismo”, ironiza Bayardi, destacando que as correntes de esquerda têm hoje muito mais consistência e mais força do que na segunda metade do Século 20. Além disso, “há uma memória histórica do nosso povo — e que nós devemos permanentemente recordar — dos avanços alcançados nesses 15 anos de governos progressistas, que permitiram retirar 72 milhões de pessoas da pobreza na América Latina e que nossos países crescessem de maneira soberana”.
Ofensiva conservadora
Bayardi participou, na noite desta sexta-feira (2), da conferência internacional “Os golpes de novo tipo na América Latina e o caso Lula”, durante o 6º Congresso nacional do PT, em Brasília. Antes, ele conversou com o PT no Senado sobre os desafios impostos à esquerda latino-americana para enfrentar a ofensiva conservadora.
Os depoimentos dos convidados da região ao Congresso do PT sobre a situação em seus países são desconcertantemente semelhantes. O vice-presidente do Partido dos Trabalhadores Dominicanos (PTD), Francisco Luciano, conta que a coalizão progressista apoiada por sua organização vem desde 2012 implantando uma série de políticas para a superação da pobreza e, ao mesmo tempo, tem obtido resultados econômicos consistentes.
Poder popular
“Nada disso é notícia. Somos bombardeados com ataques que pintar o governo como uma camarilha”, conta Luciano. O bombardeio midiático e judiciário contra a administração do presidente Danilo Medina tem como carro chefe um “escândalo de propinas da Odebrecht” que eclodiu após denúncias divulgadas originalmente pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
“É urgente entender que a desconstrução da esquerda não é um fenômeno isolado. Só assim vamos nos preparar corretamente para enfrentar isso”, defende Jorge Shafik Handal, da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional de El Salvador. Com a dinâmica própria e detalhes peculiares a cada país, diz ele, o processo é rigorosamente o mesmo. “A solução é construir formas efetivas de poder popular que permitam à população apoiar e fazer a defesa dos governos que defendem seus interesses”.
Ciclo progressista
A partir do final da década de 90, com a crise das políticas neoliberais, a América Latina experimentou uma lufada progressista que permitiu a eleição — e reeleições — de governos voltados para a superação das desigualdades históricas da região e para a construção de uma articulação soberana desses países, sem tutelas.
O ciclo iniciado em 1998, como a eleição de Hugo Chávez, na Venezuela, prosseguiu com a primeira eleição de Lula no Brasil, em 2002, Néstor Kirchner na Argentina em 2003, Tabaré Vázquez no Uruguai, em 2004, Evo Morales, na Bolívia, e Rafael Correa, no Equador, em 2006, Fernando Lugo no Paraguai e a volta da Frente Sandinista, na Nicarágua, em 2009 na Nicarágua. Além disso, embora não fosse proveniente da esquerda, elegeu-se Manoel Zelaya em Honduras, em 2006, que acabou dando uma guinada progressista em seu governo originalmente mais liberal.
Estabilidade e soberania
“Durante esse ciclo de governos progressistas na América Latina, tivemos, por 15 anos, o mais longo período de estabilidade política na região”, lembra Pepe Bayardi. Neste período, também, foram construídas instâncias como a Unasul (União das Nações Sul-americanas) e Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) essenciais para que a região ganhasse soberania e pudesse tomar decisões sem a tutela – ou mesmo controle — dos Estados Unidos.
O contra-ataque, recorda Bayardi, começa em 2009, com a deposição de Zelada, em Honduras, em um golpe de Estado resultante de uma articulação judicial, militar e parlamentar. Três anos depois, foi a vez de um golpe parlamentar derrubou o presidente Fernando Lugo, no Paraguai. “Na época, se podia dizer que Paraguai e Honduras eram elos frágeis na corrente progressista que avançava na região—e, efetivamente, eram. O que não se podia prever é que a ofensiva fosse chegar também ao Brasil, com o golpe parlamentar contra Dilma Roussef”, frisa o dirigente da Frente Ampla do Uruguai.