“Violência contra a mulher ainda é um dos maiores desafios da democracia”, a senadora.
É urgente criar sistema de informações |
A violência contra as mulheres ainda é um dos maiores desafios da democracia brasileira, conforme observou a senadora Ana Rita (PT-ES) no relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga a violência contra a mulher. E a solução, também segundo recomendação de Ana Rita, está na mudança legal e cultural da sociedade – o que evolve desde a construção de políticas públicas mais eficazes ao enfretamento da tolerância das instituições do sistema justiça com agressões domésticas. “Não há democracia possível e sustentável sem o fim da violência contra as mulheres”, enfatizou a petista, durante a leitura do relatório da CPMI, na tarde desta terça-feira (25). A votação do texto está marcada para o dia 4 de julho.
Em 1.045 páginas, Ana Rita apresentou o que julga ser um “diagnóstico preocupante”, aferido nos mais de dois anos de trabalho da comissão – em que foram analisadas cerca de 30 mil páginas de dados e realizadas dezenas audiências e diligências por 18 entes federados. O relatório apresenta uma 68 recomendações a serem adotadas por todos os poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) nas esferas municipal, estadual e federal. Dentre as medidas, está a necessidade urgente de criar sistema de informações sobre a violência contra as mulheres que permitam planejar, monitorar e avaliar as políticas públicas.
“Do trabalho deste colegiado emerge, como constatação primeira, a ausência de dados estatísticos confiáveis e comparáveis em todos os poderes constituídos e em todas as esferas de governo”, advertiu Ana Rita.
Outras recomendações referem-se a definição orçamentária de políticas voltadas para as mulheres; o aparelhamento das instuições de atendimento à mulher (defendorias, delegacias, juizados especiais, dentro oputros) com servidores qualificados, por meio de concurso público; a capacitação permanente dos agentes de justiça para por fim a interpretações sexistas e discriminatórias; além de 14 projetos de lei que propõem aperfeiçoamento ao aparato legal já existente, como a Lei Maria da Penha e a Lei dos Crimes de Tortura.
Feminicídio
Para frear o aumento dos assassinatos de mulheres, a senadora propõe a criação de um de novo tipo penal no Código Penal Brasileiro em vigor: o feminicídio. Mais do que sinônimo feminino para homicídio (femicídio), o feminicídio categoriza as mortes decorrentes de uma situação de gênero. “A tipificação, dentre outras coisas, protege a dignidade da vítima, ao obstar de antemão as estratégias de desqualificar a condição de mulheres brutalmente assassindas, atribuindo a elas a responsabilidade pelo crime de que foram vítimas”, justificou.
Dados do Mapa da Violência de 2012, levantamento do Instituto Sangari que serviu de orientação para o trabalho do grupo, apontam que nos últimos 30 anos foram assassinadas no Brasil mais de 92 mil mulheres, sendo 43,7 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos triplicou.
Maria da Penha
Na tentativa de tornar a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) mais eficiente, propõe-se que o juiz ou membro do Ministério Público, ao encaminhar a vítima para abrigos, se manifeste sobre a necessidade de prisão preventiva do agressor. Ainda dispensa-se a aplicação de medida protetiva – como, por exemplo, a definição de uma distância mínima de segurança que o agressor precisa manter da vítima –, para requisitar a prisão preventiva. “Pretende-se evitar que o réu permaneça solto, enquanto a vítima passa pela restrição de sua liberdade na casa abrigo”, explica Ana Rita.
À Maria da Penha poderá ser acrescida de dispositivo que proíbe a realização de audiências ou atos oficiais que levem a vítima a desistir do processo, sem que haja prévia e espontânea manifestação neste sentido. Outra novidade é o detalhamento das competências dos Juizados e Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, o que inclui ações de alimentos, regulamentação de visitas, divórcio etc. A medida visa facilitar a busca das mulheres por justiça em um só local e evitar decisões conflitantes.
Ao constatar que essa legislação ainda não alcançou plenamente todas cidades brasileiras, especialmente no interior, a senadora sugere facilitar a adoção de provas. Nos municípios em que não houver Instituto Médico Legal (IML), serão dispensados os laudos de exames de corpo de delito e admitidos fichas de entradas e prontuários médicos.
Tortura
Ana Rita também defende uma alteração na Lei de Tortura (Lei 9.455/1997). Propõe que a pessoa em situação de violência doméstica possa ser considerada vítima de crime de tortura.
Saúde e educação
No relatório, pondera-se a necessidade de inserir entre os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) a necessidade de organizar serviços específicos e especializados para atendimento de mulheres e vítimas de violência doméstica em geral.
Na área educacional, a senadora apresenta uma alteração na legislação que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (Lei 9.394/1996), para incluir no conteúdo curricular da educação básica diretrizes que enfatizem o respeito à igualdade de gênero e a prevenção e o combate à violência doméstica e familiar.
Assistência social
Em razão da fragilidade econômica de grande parte das mulheres vítimas de violência, Ana Rita sugere a instituição de ações de assistência financeira. Uma deles seria o benefício por risco social, no valor de um salário mínimo, que contemplaria a mulher que não possui meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. O dinheiro seria entregue enquanto durar a causa da violência.
Dentro do Bolsa Família, a senadora também quer a definição de um beneficio variável e especifico, atendendo aos requisitos do programa. A proposta indica a percepção de seis meses do benefício.
Além disso, os recursos arrecadados com as multas decorrentes exclusivamente de sentenças condenatórias em processos de violência doméstica e familiar poderão ser aplicados na manutenção de casas abrigos.
Comissão Permanente
Como forma de acompanhar a execução das políticas públicas e produzir reflexões sobre a efetividade dessas, a relatora apresenta um projeto que cria a Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher.
Influência positiva
Ana Rita ressaltou que a CPMI produziu efeitos muito positivos sobre as políticas regionais. São exemplos disso a criação de mais uma vara de violência doméstica e familiar contra a mulher em Minas Gerais, no Paraná, em Pernambuco e no Mato Grosso do Sul, bem como a Patrulha Maria da Penha no Rio Grande do Sul, a criação da Câmara Técnica em Pernambuco, a criação do Núcleo da Promotoria da Mulher no Rio de Janeiro, a instituição do Portal da Lei Maria da Penha e do Botão do Pânico no Espírito Santo e a criação da Secretaria da Mulher no Amazonas. O único estado que permanece sem nenhum juizado ou vara especializada é Sergipe.
“No âmbito nacional, a existência desta comissão também parece ter sido capaz de estimular a ampliação do orçamento da Secretaria de Políticas para as Mulheres destinado ao enfrentamento da violência e a recente criação da Casa da Mulher Brasileira, programa que prevê a instituição de centros integrados para vítimas de violência, instituído pela Presidência da República para ser executado pela SPM”, comentou.
Catharine Rocha
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