Ângela é contra uso abusivo da “droga da obediência”

O boom da Ritalina levou o Brasil a ocupar o 2º maior consumidor mundial.

Crianças e adolescentes padronizados a uma cultura de submissão. Esta era a meta do transloucado cientista que desenvolveu “A droga da Obediência”, no clássico da literatura infanto-juvenil brasileira de mesmo nome, escrita por Pedro Bandeira. O livro foi escrito em 1984, mas nunca esteve tão atual como nos últimos quatro anos. Nesse período, deu-se a explosão de vendas, no Brasil, do metilfenidato, a substância que compõe os remédios Ritalina e Concerte – usados no tratamento de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a “droga da obediência” real. A ficção está se tornando realidade. O Brasil já vice-líder mundial no consumo da droga, perdendo apenas para os Estados Unidos, mas um Projeto de Lei do Senado (PLS 247/2012), apresentado pela senadora Ângela Portela (PT-RR), quer mudar esse enredo. 

“Não podemos querer que todas as crianças e adolescentes se comportem de maneira igual”, diz ela. “Existem as diferenças de caráter e de temperamento, que serão naturais nas pessoas e tentar normatizar o padrão de comportamento do ser humano é uma coisa absurda”, continua a senadora, ao explicar que a ideia de apresentar o projeto de lei surgiu após tomar conhecimento de estudos mostrando que questões comportamentais estavam sendo tratadas como um problema de saúde.  

Desde o início de sua tramitação (o projeto foi apresentado em julho deste ano), o projeto de Portela já despertou a simpatia de vários segmentos da sociedade e profissionais da área de saúde. Na semana passada, esse apoio se renovou, quando o Sistema de Conselhos de Psicologia do País enviou a senadora uma moção de apoio à sua proposição. A moção foi apresentada durante a 2ª Mostra Nacional de Práticas em Psicologia, que reuniu cerca de 20 mil pessoas em São Paulo. O documento reúne 1.086 assinaturas, dentre as quais constam a rubrica de diversas entidades, como, por exemplo, a Associação Brasileira de Psicologia da Saúde. O documento, entregue a ela nesta última quarta-feira, justifica a mobilização de apoio dos profissionais pela “extrema importância do projeto para regular o uso dos psicofármacos no País”, e “fortalecer o acordo do Mercosul, assinado na XXII reunião de altas autoridades em direitos humanos”.

O boom da Ritalina que levou o Brasil a ocupar, desde 2009, o posto de segundo maior consumidor mundial do medicamento é um sinal claro da necessidade de se enfrentar o problema. Em quatro anos, o uso da droga cresceu 70,44% no País, gerando para os laboratórios, entre abril de 2011 e maio deste ano, um faturamento de R$ 101,7 milhões. Essas cifras e vários documentos científicos sugerem algo ainda mais grave, acrescenta a senadora. Esses remédios tem apenas efeito imediato, não atuando sobre a verdadeira razão do problema, e possibilitam lucro fácil para os laboratórios farmacêuticos. “Os interesses econômicos contidos nessa questão reforçam os investimentos em propaganda junto a profissionais da saúde e da educação, vendendo a possibilidade de ‘curar’ um problema biológico à base de drogas”, diz ela.

Preocupam também os efeitos colaterais a que estão submetidas crianças e adolescentes que passam um longo período fazendo o uso da medicação. Já há registros de alterações no sistema nervoso, como insônia, cefaleia, alucinações, psicose, suicídio e o efeito chamado de Zumbi Like – quando a pessoa age como um zumbi; no sistema cardiovascular, provoca arritmia, taquicardia, hipertensão e parada cardíaca, além de afetar a secreção dos hormônios de crescimento e desenvolvimento sexual – sinais que, por si, já indicam a necessidade da retirada imediata da droga.

Por conta da complexidade e do cuidado que o assunto exige, a proposta de Ângela Portela prevê mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo a dificultar o uso indiscriminado dos psicofármacos, por meio de novas exigências e maior rigor nos procedimentos. Só depois de um diagnóstico cauteloso e mais detalhado, a medicação poderia ser receitada e consumida, respeitando rigidamente os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde. A senadora ainda defende que, após a mudança no Estatuto, sejam realizadas campanhas de esclarecimento, dedicadas a pais, educadores e alunos quanto ao uso desnecessário dessas medicações.

Catharine Rocha

Saiba mais:
Conheça o Projeto de Lei do Senado nº 247/2012.

Confira a moção de apoio ao projeto.

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