O Fundo de Participação dos Estados, cujas regras estão em processo de redefinição pelo Congresso Nacional, representa a principal fonte de recursos das unidades mais pobres da federação e é preciso que as mudanças em curso tenham como objetivo central promover equilíbrio socioeconômico entre os estados. O apelo foi feito nesta quarta-feira (21/11) pela senadora Ângela Portela, em discurso ao Plenário.
Para assegurar o verdadeiro espírito constitucional que norteou a criação do FPE, é preciso que o redesenho do Fundo equilibre as necessidades dos estados que têm menor capacidade de arrecadar impostos—os que mais dependem desses recursos– com os interesses das unidades que contam com atividade econômica mais intensa e, em consequência, maior possibilidade de gerar receitas próprias. “Para estados de base tributária mais estreita, como a nossa Roraima, Amapá, Acre ou Tocantins, o FPE representa a principal fonte de recursos. Já nos estados mais desenvolvidos, adquire importância menor. Em São Paulo, por exemplo, não constitui mais do que 1% da receita”.
Ângela reconhece que determinar a nova forma de distribuição do FPE constitui uma tarefa legislativa complexa, em decorrência dos interesses díspares entre os estados—“o rateio do Fundo é, por definição, uma operação de soma zero, onde ao ganho de uma unidade corresponderá necessariamente a perda de outra”—mas ela confia que o Parlamento estará à altura da tarefa.
Veja a íntegra do pronunciamento da senadora Ângela Portela
Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores,
No momento em que nos preparamos para o exame de novas regras para o Fundo de Participação dos Estados devemos ter em mente alguns conceitos básicos a respeito desse importante instrumento de redistribuição de renda e combate às desigualdades, em especial as regionais.
O objetivo da Constituição, ao estabelecer esse mecanismo de transferência de recursos, é equalizar a capacidade financeira dos estados que têm menor capacidade de arrecadar impostos com a dos Estados que contam com atividade econômica mais intensa e, em consequência, maior possibilidade de gerar receitas próprias.
Nessas condições, o FPE transfere aos estados 21,5% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados. Em 2011, os repasses ao fundo totalizaram R$ 48 bilhões, o que equivale a cerca de 1,2% do Produto Interno Bruto, e imagine-se que este ano aproximem-se de R$ 55 bilhões.
Para estados de base tributária mais estreita, como a nossa Roraima, Amapá, Acre ou Tocantins, o FPE representa a principal fonte de recursos. Já nos estados mais desenvolvidos, adquire importância menor. Em São Paulo, por exemplo, não constitui mais do que 1% da receita.
Há ainda um elemento a considerar. Fala-se sempre no aumento do peso dos tributos sobre o Produto Interno Bruto. Seria hoje de 32,4%, de acordo com dados da Cepal.
Afirma-se também que a carga tributária vem aumentando de forma exponencial desde a promulgação da atual Constituição e, em especial, após o ajuste fiscal que marcou a evolução do Plano Real. É verdade. Não se tratou, porém, de um aumento equilibrado entre os diversos tributos.
Os tributos que mais elevaram sua arrecadação ao longo desses anos não foram o Imposto de Renda ou o Imposto sobre Produtos Industrializados, as bases do Fundo de Participação dos Estados, mas sim as contribuições. Em outras palavras, reforçou-se o caixa da União, em nome da estabilidade econômica, e não o dos estados, inclusive no que se refere às transferências obrigatórias.
Não se trata da única questão que envolve uma discussão do Pacto Federativo.
Mesmo assim, os recursos do FPE são vitais para os estados mais pobres, como nossa Roraima. Os estados de base tributária mais estreita não podem prescindir desses recursos.
A determinação do Supremo Tribunal Federal torna imprescindível discutirmos e votarmos um novo desenho do Fundo de Participação dos Estados. Esse novo desenho não pode, porém, afastar-se do objetivo que consiste na razão de ser do próprio fundo, a equalização da capacidade tributária.
Determinar a forma de distribuição do FPE constitui, bem o sabemos, uma tarefa legislativa complexa. Os interesses dos entes federados são quase sempre díspares, refletindo a realidade de um país marcado por fortes desequilíbrios regionais e por um ritmo de desenvolvimento socioeconômico igualmente diferenciado.
Além disso, o rateio do Fundo é, por definição, uma operação de soma zero, onde ao ganho de uma unidade corresponderá necessariamente a perda de outra.
A tarefa torna-se ainda mais difícil quando se registra que, à parte a defasagem constatada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, as normas atuais ficaram congeladas por longo espaço de tempo.
Existem, porém, determinados princípios de que não se pode abrir mão. O primeiro deles é traduzir de forma justa o mandado constitucional, expresso no art. 161, inciso II, que define o objetivo do Fundo como, mediante a equalização da capacidade de arrecadação de cada um, promover equilíbrio socioeconômico entre os estados.
Precisamos, assim, pensar de forma ampla. É indispensável levar em conta todos os fatores capazes de combater as disparidades existentes entre a capacidade fiscal das unidades de nossa Federação. Ao avaliar esses fatores não podemos nos restringir ao simples cômputo das receitas, a dimensão de sua população ou a renda per capita.
Deve-se partir, é claro, da forma mais direta possível de se medir diferenças na capacidade fiscal, que é a distância entre a receita de um estado e a média nacional.
Precisamos, porém, ir além disso, examinando fatores estruturais. Na realidade econômica de cada estado há elementos que implicam impedimentos formais a um aumento da arrecadação.
O caso mais flagrante, nesse sentido, é o dos Estados que sacrificam sua capacidade fiscal ao contribuir para a preservação ambiental.
Não se trata de algo inteiramente novo. Desde a década passada registram-se iniciativas legislativas sobre o que se convencionou chamar “FPE Verde”, a inclusão de medidas que levem em consideração as perdas de receita decorrentes da cessão de amplos territórios de determinados estados para reservas ambientais ou terras indígenas.
São correções que se impõem na busca de maior equilíbrio entre as unidades federadas. A maioria dos estados da região Norte estão nessa situação. Por motivos perfeitamente compreensíveis, veem amplas áreas de seu território impossibilitadas de abrigar atividade econômica que proporcione aumento de arrecadação.
Trata-se, portanto, questão de justiça elementar, que precisamos levar em conta caso desejemos cumprir de forma efetiva a Constituição e contribuir eficazmente para a redução das distâncias entre a capacidade tributária de cada unidade da Federação.