O SR. ANIBAL DINIZ (Bloco/PT – AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Exmº Sr. Presidente Senador José Sarney; Exmº Sr. Senador Jorge Viana, proponente primeiro desta sessão solene, a quem rendo uma homenagem toda especial, porque com o Senador Jorge Viana é assim: os assuntos não terminam com a proposição, mas com a execução. Por isso ele cuidou pessoalmente de todos os detalhes para que esta sessão fosse o sucesso que está sendo. Então, meu cumprimento especial pelo seu empenho, pela dedicação, pelo cuidado especial que teve para garantir uma sessão plenamente representativa, com tantas autoridades e com tantas pessoas que engrandecem a qualidade desta sessão; Exmº Sr. Presidente da Comissão de Relações Exteriores, Senador Fernando Collor de Mello, com quem tenho a honra de trabalhar todas as quintas-feiras e às segundas-feiras na Comissão de Relações Exteriores; Sr. Diretor-Geral do Instituto Rio Branco, Exmº Sr. Embaixador Georges Lamazière, representando aqui o Ministro das Relações Exteriores, Sr. Antonio Patriota; Sr. Presidente da Fundação Alexandre Gusmão, Sr. Gilberto Sabóia; querido amigo companheiro Marcos Afonso, professor, historiador, jornalista, filósofo, que nos honra representando aqui o Governo do Estado do Acre – ninguém melhor para representá-lo, porque V. Exª reúne a qualidade de político, de historiador, e tem um acompanhamento muito privilegiado da história do nosso Estado do Acre, que tem tanto a ver com esta sessão. Também faço uma saudação especial ao professor e historiador Marcos Vinícius das Neves, ex-Secretário da Cultura do Estado do Acre, um consultor permanente de assuntos relacionados à historiografia acreana, que não poderia deixar de se fazer presente em um momento tão importante da nossa história, aqui nesta sessão em homenagem ao Barão do Rio Branco. Saúdo também todos os diplomatas aqui presentes, todo o corpo diplomático brasileiro e os estudantes do Instituto Rio Branco, tanto os brasileiros quanto os angolanos, da República de Antígua e Barbuda, da República Argentina, da República do Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Suriname, Tanzânia e Timor Leste.
Não podia deixar de me fazer presente a esta sessão, na condição de Senador do Estado do Acre, justamente porque nós temos todos os motivos do mundo para homenagear este grande brasileiro, o Sr. Barão do Rio Branco.
Srªs e Srs. Senadores, telespectadores da TV, ouvintes da Rádio Senado, na condição de brasileiro e de um dos representantes do Estado do Acre, nesta Casa, tenho a honra de me associar hoje às homenagens pelo centenário de morte do inesquecível José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco.
Um dos estadistas mais reverenciados pelo povo brasileiro, o Barão do Rio Branco foi jornalista, promotor e historiador, mas foi, sobretudo, o diplomata pacifista que fixou boa parte das nossas fronteiras terrestres e que lançou as bases de uma nova política internacional, ainda hoje adotadas pelo Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty.
Sua vocação para a diplomacia vinha do berço, pois era filho de José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco, que foi quem elevou a representação brasileira nos Estados Unidos ao nível de embaixada, tendo designado ninguém menos que Joaquim Nabuco como o primeiro embaixador.
O filho, que viria a ser o Barão do Rio Branco, iniciou-se na diplomacia como Cônsul-Geral do Brasil em Liverpool. Em seguida, foi delegado à Exposição Internacional de São Petersburgo e, já proclamada a República, superintendente geral na Europa da emigração para o Brasil.
Sua reconhecida atuação diplomática, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, começaria a se consolidar em 1893, quando foi nomeado chefe da missão que representava os direitos brasileiros na disputa pelos territórios das Missões, área em litígio com a Argentina. A questão estava submetida ao arbitramento do Presidente norte-americano Grover Cleveland, cuja decisão foi inteiramente favorável aos nossos interesses, como bem descreveu aqui, brilhantemente, o Senador Sarney, ao dizer o quão foi a dedicação do Barão do Rio Branco para reunir os argumentos necessários para essa contundente vitória.
Cinco anos depois, assumiu outra missão espinhosa, que foi a disputa com a França pelo território do Amapá, querela que se arrastava por décadas. Foi árbitro da questão o Presidente do Conselho Diplomático da Suíça, Walter Hauser, que, após analisar a memória de sete volumes apresentada por Rio Branco, prolatou sentença favorável ao Brasil.
Terminada a missão, e gozando então de grande popularidade, foi nomeado ministro plenipotenciário em Berlim e, dois anos depois, convidado pelo Presidente Rodrigues Alves, assumiu a Pasta das Relações Exteriores. Rio Branco pôde, então, exercer a competência e a habilidade que seriam colocadas à prova nos anos seguintes. Assinou como chanceler numerosos acordos relevantes, entre os quais podemos citar os tratados com o Equador (1904), Colômbia (1907), Peru (1904 e 1909), Uruguai (1909) e Argentina (1910).
Entre outros êxitos de Rio Branco, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, eu gostaria de destacar a política adotada na convivência com os países platinos; e, obviamente, a famosa Questão do Acre – Estado que tenho a honra de representar neste Parlamento e cuja incorporação ao nosso País se deve, em grande parte, à habilidade diplomática e à visão estratégica do Barão do Rio Branco – e aqui vale ressaltar, acima de tudo, seu espírito humanista e pacifista, porque, se não fosse pela intervenção do Barão do Rio Branco, nós teríamos muito mais derramamento de sangue naquele conflito da Revolução Acreana, liderada pelo Coronel Plácido de Castro.
A política diplomática que implementou no relacionamento com os países platinos, longamente estudada pelo historiador Francisco Doratioto, revela sua acuidade política com a adoção de princípios inovadores que visavam à consolidação da hegemonia regional, reconhecendo, porém, que tal objetivo somente seria alcançado com o bom relacionamento com os países vizinhos.
Quando Rio Branco assumiu o cargo de Chanceler, o Brasil estava isolado na América do Sul. Para lograr a posição de destaque que merecia na região, nosso País deveria superar aquele isolamento, mas também equacionar a definição de suas fronteiras; e recuperar a credibilidade e o prestígio que estavam abalados por conflitos internos e problemas de política financeira, entre outras causas.
Segundo explica o historiador Doratioto, “o Barão do Rio Branco fazia parte de uma geração de intelectuais que tinha temor obsessivo de que o Brasil sofresse invasão das potências expansionistas, perdendo autonomia ou parte do território”.
O Barão do Rio Branco, então, deu início a um projeto que, visando a consolidação da hegemonia brasileira, buscasse a união e o fortalecimento dos países sul-americanos, especialmente na região do Rio da Prata Ele estava preocupado com o fato de o Brasil definir as suas fronteiras e, ao mesmo tempo, contribuir com o fortalecimento dos seus vizinhos, porque, só com vizinhos fortes, que teríamos a possibilidade de uma união de forças em toda a América. O Governo brasileiro, para isso, adotou a decisão de não interferir nos assuntos internos das nações vizinhas e também a política de prestigiar os governos constitucionais, de forma a favorecer a estabilidade política regional.
Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores convidados para esta sessão solene, o Barão de Rio Branco evitou ou contornou situações de conflito com os países vizinhos, criando na região um clima de concórdia impensável alguns anos antes, quando a política externa brasileira era vista com desconfiança na região do Prata.
Na chamada “Questão do Acre”, a intervenção do Barão do Rio Branco ocorreu logo no início de sua gestão à frente do Ministério das Relações Exteriores. Embora num curto período houvesse logrado solucionar conflitos territoriais com o Equador, a Grã-Bretanha (que invadira a Ilha de Trindade), a Venezuela, a Holanda, a Colômbia e o Uruguai, além da presença belga na fronteira oeste do Brasil, a Questão do Acre, que se arrastara por todo o final do século anterior, seria um teste decisivo para o chanceler.
Há consenso entre os historiadores de que o território onde hoje se assenta o Estado do Acre não pertencia ao Brasil – eram as chamadas “terras não descobertas” nos anos anteriores, que haviam sido efetivamente ocupadas por brasileiros –, muito embora toda a região fosse ocupada, havia muito tempo, por nossos seringueiros vindos da Região Nordeste, principalmente do Ceará.
Os conflitos entre esses e os bolivianos eram frequentes, assim como as expedições militares de ambos os países, de tal forma que o processo de integração do Acre pode ser dividido em duas fases. A primeira, a fase militar, também conhecida como Revolução Acreana, na qual se destacariam homens como o General Plácido de Castro, entre 1889 e 1903; a segunda, a fase diplomática, em que pontificaria o Barão do Rio Branco, logrando uma solução sem derramamento de sangue, de forma pacífica.
O atual Estado brasileiro do Acre era, no início do século XX, uma região que pertencia à Bolívia e era ocupada por seringueiros brasileiros em plena época de expansão da economia de extração da borracha. Para resolver a tensão que se agravava, o Barão do Rio Branco dirigiu as negociações que resultaram no Tratado de Petrópolis, que formalizou a incorporação do Acre ao território brasileiro.
Nesse contexto, quero aqui fazer uma saudação também a Joaquim Francisco de Assis Brasil, o advogado, político, escritor, diplomata e estadista brasileiro que, juntamente com o Barão do Rio Branco, assinou o Tratado de Petrópolis. No nosso Estado foi criado, em sua homenagem, o Município de Assis Brasil, que fica exatamente na fronteira com o Peru. O último dos Municípios acrianos é uma homenagem ao diplomata Assis Brasil e leva o nome de Assis Brasil, na fronteira com o Iñapari e com Bolpebra, que fica na Bolívia.
Sr. Presidente, na Questão do Acre não há como ignorar o papel decisivo desempenhado pelo Barão do Rio Branco, que integrou ao nosso território uma área de 900 mil quilômetros quadrados e definiu 32% de nossas fronteiras terrestres.
Na negociação, em meio a expedições militares de ambas as partes, o governo boliviano celebrou o contrato de arrendamento com um truste anglo-americano, o Bolivian Syndicate, ao qual dava poderes excepcionais de uso da força e de cobrança de impostos, entre outros, com a intenção de incorporar efetivamente o Acre ao seu território. O governo brasileiro tomou medidas de represália, como a proibição de livre navegação no rio Amazonas em direção ao Acre, ainda que essas medidas provocassem o protesto de potências como os Estados Unidos, a França, a Alemanha e a Inglaterra.
Aqui, vale ressaltar mais uma vez a importância da palestra que nos foi dada pelo Presidente José Sarney ao mostrar que não se tratava de uma questão qualquer com a Bolívia. Na realidade, era um enfrentamento a um conglomerado de interesses internacionais simbolizado pelo Bolivian Syndicate. A esses interesses, somavam-se os do governo peruano, que reivindicava igualmente uma parte daquele território.
A tática do Barão do Rio Branco foi decisiva para a defesa dos interesses brasileiros, começando por recusar as negociações trilaterais propostas pelo Peru, como já destacou o embaixador Rubens Ricupero. A seguir, convenceu o Bolivian Syndicate, mediante indenização pecuniária, a renunciar a eventuais direitos sobre a área.
Deste modo, em 17 de novembro de 1903, com a assinatura do Tratado de Petrópolis, o Brasil incorporava 142 mil quilômetros quadrados do território em litígio com a Bolívia, acrescidos de 48 mil quilômetros quadrados que não estavam em disputa, mas que eram habitados por brasileiros. Em troca, transferiu à Bolívia cerca de três mil quilômetros quadrados, comprometeu-se a pagar uma indenização de dois milhões de libras esterlinas e a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
A Questão do Acre, Sr. Presidente, não foi a única, mas certamente foi a mais espinhosa missão de Rio Branco, que, designado Chanceler por Rodrigues Alves, manteve-se no posto, graças à sua aptidão e ao seu descortino, também nos governos de Afonso Pena e Hermes da Fonseca, quando faleceu, no dia 10 de fevereiro de 1912.
A assinatura do Tratado de Petrópolis pôs fim, em parte, ao conflito que se estendera desde 1898 pela posse das terras então ocupadas por brasileiros, o Acre, restabelecendo assim a paz entre os seringueiros acrianos e os bolivianos.
Entretanto, outro impasse surgia. O governo do Peru reivindicava grandes áreas no Alto Purus e Alto Juruá, inclusive estimulava a ocupação do território, mesmo que tardiamente.
Depois de discussões diplomáticas entre esses países, resolveu-se criar uma comissão mista que iria percorrer todo o Purus para reconhecimento da região e, a partir daí, delimitar as respectivas fronteiras. O governo brasileiro, por meio do Barão de Rio Branco, nomeou outro grande brasileiro, Euclides da Cunha, para integrar aquela comissão. Dessa forma, surgiu a famosa Expedição Euclides da Cunha pelo rio Juruá, indo até os mais distantes lugarejos, comunidades, até onde havia o último brasileiro na fronteira com o Peru, através do rio Purus, inclusive entrando pelo território peruano.
Quero relembrar aqui, com destaque, que, em dezembro de 1904, em plena selva amazônica, iniciou-se uma expedição chefiada pelo autor de “Os Sertões”, Euclides da Cunha, comandando a Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus, numa viagem que se estendeu até novembro de 1905.
Dessa forma, temos, mais uma vez, uma contribuição importante do Barão do Rio Branco, porque foi ele que autorizou essa expedição e nomeou Euclides da Cunha para fazê-la.
Srªs e Srs. Senadores, por tudo o que foi exposto nesta solenidade que lembra o centenário de morte do Barão do Rio Branco, é com orgulho que, em meu próprio nome e em nome do povo acriano, que represento neste Senado, faço esta justa referência ao grande estadista que, entre outras contribuições, fixou as bases da grande escola da diplomacia brasileira, que é pautada pelo pacifismo e pela solidariedade entre as nações.
Muito obrigado. (Palmas.)