Assuntos Sociais

Após ação civil pública contra Prevent Senior, vítimas cobram ação penal

Além do debate sobre a Prevent Senior, Humberto Costa relatou que a comissão estuda pedir o desarquivamento dos pedidos de processos em poder da Procuradoria-Geral da República

Alessandro Dantas

Após ação civil pública contra Prevent Senior, vítimas cobram ação penal

Presidente da CAS, senador Humberto Costa presidiu a audiência pública

Na primeira reunião do ano, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado promoveu, nesta terça-feira (20/2), audiência pública para debater o desdobramento das denúncias encaminhadas pela CPI da Covid relativas aos procedimentos adotados pela empresa de assistência médica Prevent Senior no tratamento da Covid-19. Já foi ajuizada ação civil pública, com pedido de R$ 940 milhões a serem pagos como dano moral coletivo pela entidade. Ainda não foi apresentada nenhuma ação penal.

Durante dois anos, procuradores e promotores do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual de São Paulo (MPSP) ouviram profissionais, pacientes, familiares e reuniram por volta de 37 mil documentos, entre eles os levantados pela CPI da Covid (2021), do Senado e a CPI da Prevent Senior (2021/2022), da Câmara de Vereadores de São Paulo.

“O trabalho do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Estadual de São Paulo e Ministério Público Federal tem sido exemplar. Estamos convencidos de que foi um trabalho extremamente sério e tenho certeza que a Justiça levará em consideração as conclusões apresentadas pelos três ministérios”, afirmou o presidente da CAS e autor do requerimento para a audiência, senador Humberto Costa (PT-PE).

Membro da CPI da Covid, Humberto afirmou que a comissão já estuda pedir o desarquivamento dos pedidos de processos pela Procuradoria-Geral da República, diante da atuação do novo procurador-geral, Paulo Gonet.

“A impunidade está muito evidente. Agora com o novo procurador, é nossa obrigação fazer esse pedido de desarquivamento”, enfatizou o senador.

A CAS vai promover uma segunda audiência sobre o tema para ouvir representantes da empresa e dos conselhos na área médica. Humberto lembrou ainda que está em análise no Senado projeto de lei que altera a realização de pesquisas clinicas no Brasil.

Ação Civil Pública

No dia 5 de fevereiro, os três MPs ajuizaram em litisconsortes – situação onde mais de uma pessoa compartilha um dos polos de um processo – ação civil pública contra a operadora de saúde, cobrando uma indenização de R$ 940 milhões por dano moral coletivo, o que representa 10% do faturamento líquido da empresa, referentes aos anos de 2020 e 2021.

A procuradora do MPT Lorena Vasconcelos Porto informou que a ação foi ajuizada em face de seis empresas do grupo econômico Prevent Senior e também de seus quatro sócios administradores.

“Essa ação civil pública foi elaborada a partir de inquéritos civis, de investigações em curso nos três ramos do MP. Recebemos em setembro de 2021 denúncias oriundas de notícias divulgadas pela imprensa e por conta da CPI da Pandemia, do Senado, que traziam irregularidades no âmbito trabalhista relacionadas à Prevent Senior e demais empresas que compõem o grupo econômico”, expôs.

As irregularidades eram relacionadas ao assédio moral, já que médicos e outros profissionais de saúde estaraim sendo coagidos a adotar condutas contrárias à ética profissional.

“No caso dos médicos, [eram obrigados a] prescrever o chamado kit covid, composto por medicamentos sem eficácia científica comprovada aos pacientes da Prevent Senior, não apenas aos beneficiários do plano de saúde, mas também apuramos que aos próprios funcionários, trabalhadores, que acometidos de covid foram atendidos nos hospitais da Prevent Senior”, relatou.

Segundo a procuradora também havia relatos de irregularidade no ambiente do trabalho, em que os funcionários com teste positivo eram obrigados a continuar a atuar nos hospitais, ou seja, expondo a risco de contaminação os demais trabalhadores e pacientes — em sua grande maioria pessoas idosas —, além de seus familiares.

“Aí, o risco de disseminação do vírus se torna exponencial. Além disso, as denúncias relatavam que médicos e outros profissionais da Prevent não poderiam usas máscaras, isso no início da pandemia, para supostamente não assustar os pacientes”, disse a procuradora.

Também membro da força tarefa do MPT, o procurador Murillo César Buck Muniz afirmou que cerca de 3,6 mil profissionais trabalharam infectados nos 14 dias após a confirmação da infecção pelo vírus — não incluídas as pessoas que não fizeram testes — o que representaria mais de 10% dos funcionários da empresa.

“A CPI e a imprensa nos deram um ponto de partida muito importante para as investigações. (…) Conseguimos confirmar todas as denúncias feitas pelos profissionais e pacientes e também por meio de prova digital, por conversas de WhatsApp, com a própria empresa; além de milhões de informações sobre jornadas e dados de trabalhadores”, destacou.

Ação Penal

O Ministério Público Estadual de São Paulo busca apurações na área criminal, segundo o promotor de Justiça Everton Luiz Zanella. Ele informou que a força tarefa foi instituída em outubro de 2021, e que o procedimento investigatório está chegando ao final, devendo ser concluído em março. Quase 90 pessoas foram ouvidas, entre médicos, outros profissionais de saúde, pacientes e familiares. Foram analisados 192 prontuários.

Segundo o promotor, entre março de 2020 a outubro de 2021, 40% dos óbitos ocorridos na Prevent Senior ocorreram por covid.

Cobrado por familiares de vítimas, o promotor disse que a demora no ajuizamento da ação demora porque a investigação é complexa e que “o Ministério Público não está prevaricando, fazendo corpo mole”.

“Dependemos da prova de nexo de causalidade. É uma análise técnica, com uma equipe médica competente. (…) Nos casos em que apurarmos responsabilidade vamos judicializar essa demanda”, expôs.

O promotor afirmou ainda que os crimes não estão perto de prescrever.

O promotor de Justiça Arthur Pinto Filho disse que foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Prevent Senior e que as exigências têm sido cumpridas pela empresa.

Médicos 

A advogada Bruna Mendes Morato, ouvida em setembro de 2021 pela CPI da Pandemia, também participou da audiência pública. Ela representou os médicos e os ajudou a elaborar um dossiê com denúncias envolvendo a empresa. 

“Me chamou muita atenção a forma como foram conduzidos esses tratamentos. As irregularidades praticadas pela empresa, felizmente, foram comprovadas”, disse.

Bruna lembrou que foi sempre reforçada a importância de utilização dos kits pelos médicos, e quando a situação se tornava grave e os pacientes eram hospitalizados, eram submetidos a outros tipos de tratamentos experimentais, como a ozonioterapia.

“Vejo com admiração o trabalho da CPI, honroso trabalho, para que situações como esta não voltem a ocorrer. (…) É necessário pensar na proteção social dessas pessoas, desses pacientes e na responsabilização por esse plano macabro”, afirmou a advogada.

Médico e ex-colaborador da Prevent Senior, Walter Correa de Souza Neto afirmou que a empresa continua coagindo os profissionais de saúde que nela trabalharam.

“Onde a Prevent pode nos prejudicar, ela nos prejudicou. Enquanto que as pessoas que são responsáveis por isso, continuam livres. A Prevent continua absolutamente impune. É uma coisa muito angustiante ver que nada acontece com a empresa enquanto a gente sofre isso”, disse, ao afirmar que a operadora o está processando por ter oferecido denúncia sobre o que ocorreu durante a pandemia.

Vitimas 

Filho de Sueli Oliveira Pereira, 70 anos, Luiz Cezar Oliveira Pereira afirmou que perdeu a mãe para a covid “maltratada” em uma unidade da Prevent Senior. Ele testemunhou na CPI municipal de São Paulo, quando também afirmou que sua mãe foi transferida de um hospital com estrutura para outro conhecido como “matadouro”, onde foi submetida a tratamentos experimentais.

“Estou aqui para pedir justiça. Justiça lenta não é justiça. Não posso perder a fé à justiça brasileira”, enfatizou.

Andrea Montera Rotta relatou a perda do companheiro Fábio, de 51 anos. Ela afirmou que o marido chegou a pedir para que fosse retirado do hospital da Prevent Senior ao dizer que “eles não sabem o que fazem”.

“A Prevent Senior zomba de vocês, zomba de nós. Continuam agindo como uma organização criminosa”, denunciou.

Pesquisa

O procurador da República Kleber Marcel Uemura afirmou que as pesquisas científicas são necessárias, mas envolvem riscos. Por isso, é imprescindível verificar se esses riscos são aceitáveis, se são toleráveis.

“Se o potencial ganho científico não compensar os riscos, essa pesquisa não pode ser levada adiante, não pode ser aprovada, por isso que a legislação exige que toda pesquisa seja aprovada por um comitê ético-científico”, explicou.

A presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), Elda Coelho de Azevedo Bussinguer, elogiou a atuação conjunta dos três Ministérios Públicos. Ela afirmou que “entidades fizeram associação criminosa com o governo federal, reconhecidamente antidemocrático, anticiência”. Destacou ainda que na Prevent Senior foram realizadas pesquisas com seres humanos, com pessoas idosas, reduzindo-as a “menos que as cobaias”.

“A crueldade humana se manifestou de forma inquestionável. Mas a história é pedagógica e precisa ser trazida à memória. É preciso nos lembrarmos que os médicos nazistas brincaram de Deus, comprometendo a vida e a saúde. No caso em tela, o mesmo aconteceu. Violaram o direito à vida, à saúde, à integridade e dignidade humana”, expôs Elda.

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