ARTIGO

Armas e mineração em Terras Indígenas: Bolsonaro e a pauta da morte no Congresso

O projeto, já apelidado de “PL da Bala Solta”, foi aprovado na Câmara dos Deputados com uma redação que facilita ainda mais o acesso dos caçadores, atiradores e colecionadores
Armas e mineração em Terras Indígenas: Bolsonaro e a pauta da morte no Congresso

Foto: AFP

Enquanto o país sangra com os dados da fome, desemprego, alta de preços dos combustíveis, da pandemia que ainda persiste, e o mundo acompanha os horrores da guerra na Ucrânia, o governo Bolsonaro tenta aprovar no Congresso Nacional projetos que mostram suas principais preocupações: armar a população civil e destruir os territórios indígenas.

No Senado Federal, a bancada governista tenta, a todo custo, aprovar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) o Projeto de Lei nº 3.723/2019, apresentado pelo Executivo, que representa um dos maiores retrocessos no controle de armas e munições do país. O projeto, já apelidado de “PL da Bala Solta”, foi aprovado na Câmara dos Deputados com uma redação que facilita ainda mais o acesso dos caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) às armas e munições, prevê o porte para essas categorias e limita o controle desses equipamentos, impedindo a rastreabilidade de munições roubadas ou desviadas de instituições públicas.

O Brasil é um país armado. Nos três primeiros anos do governo Bolsonaro (2019 a 2021), o registro de armas de fogo pela Polícia Federal mais do que triplicou em relação aos três anos anteriores.

A apreciação do projeto acontece logo após vários casos serem noticiados na imprensa, que mostram os riscos da instrumentalização dos registros dos CACs para a compra e o desvio de armas e munições para a criminalidade. No final de janeiro, Victor Furtado, registrado como CAC no Exército, foi preso junto com um arsenal de mais de R$ 3 milhões que seria comercializado para o crime organizado no Rio de Janeiro. Na última quinta-feira (10), um colecionador de armas devidamente registrado nos órgãos de controle foi apontado como o responsável por fazer a proteção de cargas de cigarro contrabandeadas que estão na mira da Operação Double Shot.

Apesar disso, o relator do projeto na CCJ, senador Marcos do Val (Podemos/ES), piorando ainda mais o que já é muito ruim, ampliou a concessão de porte e posse de armas para oito novas categorias de servidores públicos, sem qualquer justificativa plausível.

Os senadores contrários à proposta conseguiram adiar a decisão e passaram a sofrer ameaças por e-mail e nas redes sociais.

Na mesma quarta-feira (9) à noite, apesar da enorme mobilização popular de artistas e movimentos sociais que levou milhares de pessoas à Esplanada dos Ministérios no chamado “Ato Pela Terra”, a Câmara dos Deputados aprovou, por 279 votos a 180, o requerimento de urgência sobre o PL 191/2020, que autoriza a mineração em terras indígenas.

O projeto é uma tragédia para os direitos dos povos originários com consequências devastadoras para o meio ambiente. Autoriza a mineração e construção de hidrelétricas em terras indígenas, podendo impactar mais de 200 reservas só na Amazônia, segundo os dados da Agência Nacional de Mineração, atingindo inclusive reservas em que há indígenas isolados. Valida todos os requerimentos de exploração de minérios que tenham sido solicitados ou protocolados antes da Lei. Funciona como um “libera geral” para grandes empreendimentos e para garimpo em terras indígenas, aumentando riscos de vida, ambientais, sanitários e violência contra povos indígenas. Legaliza garimpos, atividade que, segundo a Constituição brasileira, não pode ser regulamentada em Terras Indígenas (TIs).

A votação do projeto está prevista para ocorrer na Câmara dos Deputados na primeira quinzena de abril.

Negacionismo?
Quase tudo que se diz do governo Bolsonaro em termos de negacionismo já virou redundância. Qualquer realidade verificável e comprovada é negada quando inconveniente. Cria-se, então, um discurso alternativo para substituir os fatos e sustentar a realidade paralela. Não que haja uma crença honesta nas alegações feitas. Na verdade, trata-se de uma estratégia de comunicação.

O negacionismo que adultera os dados sobre armas nas mãos de civis e fomenta mineração em Terras Indígenas é emblemático do atendimento aos interesses da indústria de armas e do agronegócio predatório.

Se no “PL da Bala Solta” o governo usa o argumento de “segurança jurídica”, já que o debate sobre a validade dos decretos assinados por Bolsonaro em 2019 está no Supremo Tribunal Federal (STF), no caso da mineração em Terras Indígenas utiliza a guerra na Ucrânia, afirmando que a nova lei poderá liberar a exploração de potássio, usado em fertilizantes no agronegócio. Isso para suprir a importação de fertilizantes da Rússia.

Pesquisas desmentem Bolsonaro
A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgou estudo com base nos dados dos órgãos do próprio governo demostrando que as jazidas de potássio localizadas em terras indígenas representam 11% do total da Bacia da Amazônia. Levantamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) revela que os requerimentos para extração de sais de potássio no interior das terras indígenas representam apenas 1,6% das jazidas requeridas na Agência Nacional de Mineração (ANM) para exploração. Para a substância fosfato, os pedidos que incidem sobre as TIs representam ínfimos 0,4% do total de jazidas requeridas.

O denominador comum entre os projetos da liberação das armas e os do garimpo em Terras Indígenas é garantir a exploração e o lucro pelas grandes empresas ou grandes grupos empresariais.

A realidade da Amazônia no Brasil – apenas para citar o bioma mais atingido – bate recorde de desmatamento e de fogos, fragilização da fiscalização, militarização dos órgãos de proteção, estímulo à invasão das terras indígenas e das unidades de proteção por garimpeiros, madeireiros e grileiros.

A realidade das armas mostra aumento enorme da aquisição de armas de fogo por civis, agravamento do número de mortes e violência com armas de fogo, homicídios, feminicídios, auxílio ao tráfico, ao contrabando, acidentes caseiros.

Denunciar os membros do Congresso brasileiro alinhados a esse movimento de pautas autoritárias e destrutivas, sobretudo em ano de renovação de mandatos, virou tarefa obrigatória.

Artigo originalmente publicado no Brasil de Fato

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