No dia 1º de janeiro de 2011, quando o então presidente Lula entregou a faixa presidencial para Dilma Rousseff, o ambiente envolvendo o Brasil era de enorme otimismo. Tamanho otimismo parecia corroborado por bons indicadores até então: no plano econômico, o país acabava de registrar uma impressionante taxa de crescimento do PIB na ordem de 7,5% ao ano, uma das maiores vistas na Nova República. Concomitantemente, em plena crise financeira global, o governo adotara um conjunto de medidas anticíclicas a partir do final de 2008 que permitiram uma rápida recuperação econômica e contínua queda dos níveis de desemprego. Na esfera política, Dilma herdava uma enorme popularidade e base congressual relativamente confortável para a implementação de sua agenda.
Anos depois, o quadro se reverteu dramaticamente. No plano econômico, o crescimento marcante na década de 2000 deu lugar a uma desaceleração gradual seguida de forte recessão em 2015 e 2016, acompanhada de agudo aumento do desemprego (de 4,9% em fins de 2014 para 11,2% em maio de 2016 quando a presidente deixa o cargo). Já na esfera política, o cenário das eleições altamente polarizadas de 2014 se deteriorou e assistiu a mobilizações contra Dilma Rousseff e o PT, para além da relação cada vez mais conflituosa entre o Poder Executivo e o Legislativo, capitaneado por Eduardo Cunha. O desfecho desse quadro foi a deposição da mandatária via um contestado processo de impeachment, tendo como alegação o discutível argumento de “pedaladas fiscais”.
Intimamente imbricada a toda essa turbulência econômica e política do país esteve a Operação Lava-Jato, formalizada a partir de 2014 e com forte impacto tanto para a crise política quanto econômica. A Operação se mostrou nevrálgica para o desfecho visto em duas cadeias produtivas até então pujantes e interligadas da economia: a de petróleo e gás e a de construção civil.
Não é tarefa fácil estimar o impacto agregado da Operação Lava-Jato sobre a economia. Consultorias tais como GO Associados e Tendências, por exemplo, calculam algo em torno de 2 a 2,5% de contribuição nas retrações do PIB de 2015 e 2016 respectivamente, em função dos impactos nos setores metalomecânico, naval, construção civil e engenharia pesada cujas perdas podem totalizar até R$ 142 bilhões.
Os principais efeitos da crise se concentraram na indústria de construção civil, sofrendo com a paralisia resultante da retração aguda dos investimentos estatais pelos efeitos da Lava-Jato. Os indicadores são impressionantes: entre 2014 e 2017, o setor registrou saldo negativo entre contratações e demissões de 991.734 vagas formais (com preponderância na região Sudeste); entre 2014 e 2016, representou 1.115.223 dos 5.110.284 (ou 21,8%) da perda total de postos da população ocupada no período.
Quando analisamos as maiores empreiteiras, seu desmonte e descapitalização também são notórios. Os dados levantados pelo jornal “O Empreiteiro” mostram que somente entre 2015 e 2016, por exemplo, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa tiveram queda em suas receitas brutas de, respectivamente, 37%, 31% e 39%. A Odebrecht é o caso mais emblemático: a maior construtora nacional tinha, em 2014, um faturamento bruto de R$ 107 bilhões, com 168 mil funcionários e operações em 27 países. Já em 2017 – quase quatro anos após a eclosão do escândalo e seu presidente/herdeiro preso – seu faturamento era de R$ 82 bilhões, com 58 mil funcionários e atividades apenas em 14 países.
Outros gigantes do setor – Queiroz Galvão, OAS, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa – também tiveram um derretimento de seus ativos financeiros consolidados de uma ordem de R$ 25,77 bilhões em 2014 para aproximadamente R$ 8,041 bilhões em 2017 (perda de 68,6%).
Muitas empreiteiras, obrigadas a executarem planos de desinvestimentos para adequar-se ao novo cenário de menos projetos e obras, além de arcar com pesados acordos de leniência junto às autoridades, também se desfizeram de muitos ativos para grupos estrangeiros: Odebrecht inicia processo de venda da subsidiária Braskem, até então a maior firma petroquímica da América Latina produtora de biopolímeros com participação expressiva da Petrobras, ao grupo holandês LyondellBasell; Andrade Gutierrez vende seu controle sobre a Oi para acionistas holandeses e portugueses; Camargo Corrêa vende a CPFL para a chinesa State Grid.
No que tange ao setor de petróleo, o escândalo envolvendo o cartel montado entre a estatal e demais empresas se dá em meio a uma forte queda no preço da commodity afetando os resultados financeiros da Petrobrás, que apresentam prejuízos líquidos de R$ 26,6 bilhões no último trimestre de 2014 e de R$ 36,9 bilhões no último trimestre de 2015. A crise fez a empresa arrefecer seu volume de investimentos do montante aproximado de US$ 48,8 bilhões em 2013 para US$ 15,1 bilhões em 2017: uma retração de quase 70%.
As inversões da estatal caem de 1,97% do PIB em 2013 para 0,73% do PIB em 2017 e de 9,44% do volume total de investimentos para 4,69% no mesmo recorte. Dentro do próprio conjunto de investimentos públicos, o volume responsável pela Petrobras também caiu de 49,3% em 2013 para 36,5% em 2017. Essa retração aguda da atuação da empresa contribuiu para uma redução dos trabalhadores empregados formalmente no Sistema Petrobras de 86.108 para 68.829 entre 2013 e 2016, e de 360.180 para 117.555 entre os terceirizados no período equivalente. Ou seja, num intervalo de quatro anos a cadeia produtiva direta da empresa teve perda de quase 260 mil postos de trabalho formais e informais.
A crise no setor de petróleo em função do escândalo da Petrobras, somada à nova inclinação programática liberalizante do governo Temer, levou a uma reversão radical da política para o setor e venda maciça de refinarias e ativos da estatal. A Petrobras se desfez de 90% de seus ativos relativos a uma rede de dutos do Sudeste – Nova Transportadora Sudeste (NTS) – para o grupo canadense Brookfield e da rede de gasodutos e transportes nas regiões Norte e Nordeste – TAG – para o grupo francês Engie.
Em síntese, o segmento de petróleo e gás foi a ponta de lança do processo de desestruturação econômica e desmonte da engenharia e infraestrutura do Brasil, acentuando inclusive uma tendência grave de desnacionalização das atividades produtivas do país em curso desde o pós-Plano Real. A desestruturação desses dois setores – construção civil e petróleo e gás – contribuiu sobremaneira, por um lado, para o aprofundamento da crise econômica a partir de 2015, ao qual não nos recuperamos até momento; de outro, para a desestruturação de alguns dos poucos setores em que o capital nacional era forte e competitivo a nível internacional. Não é pouca coisa.
Luiz Fernando de Paula é professor do IE/UFRJ e Coordenador do Geep/Iesp/UERJ. Rafael Moura é doutorando de Ciências Políticas do Iesp/UERJ.
*Artigo publicado originalmente no Valor Econômico