Vai pro Einstein!
Marcelo Zero
A inacreditável agressão sofrida pelo ex-ministro Guido Mantega no Hospital Albert Einstein faria corar até o Doutor Mengele.
A incrível falta de civilidade e o ato gratuito de crueldade contra uma pessoa que, obviamente, passa por um período difícil, de grande fragilização psicológica, demonstram a que ponto chegou o ódio patológico dos “conservadores” (permitam-me o eufemismo) a tudo que esteja associado ao PT e à esquerda de um modo geral.
Trata-se de ato irracional de difícil entendimento.
É difícil entender, sobretudo, de que o ex-ministro deveria se envergonhar. Ele é acusado de quê? De ter contribuído para a retirada de 36 milhões de brasileiros da miséria? Do Brasil ter saído do Mapa da Fome? De ter trabalhado para reduzir a taxa de desemprego ao seu mínimo histórico? De ter se empenhado para que a pior crise mundial desde 1929 não atingisse os mais desprotegidos, como acontecia no passado? De ter adotado políticas anticíclicas para proteger a economia brasileira? De ser heterodoxo?
Porém, não é a primeira vez que uma figura pública associada ao PT e à esquerda é gentilmente convidada a tratar-se no sistema público. Quando Lula começou a se tratar contra o câncer, surgiu, das cloacas políticas das redes sociais, a campanha, de elevado grau de civismo, para que o ex-presidente fosse expulso para o SUS.
Lula curou-se do câncer, mas o Brasil não se curou do câncer do ódio político.
Ao contrário, cevado pelo neoudenismo tardio, pela mídia que é mera sucedânea de um grande partido de oposição e por uma oposição que resolveu apostar, como na Venezuela, na aventura irresponsável da ingovernabilidade e do golpismo, esse ódio só fez aumentar, espalhando suas metástases por todos os setores da vida nacional, até mesmo por hospitais.
Curiosamente, não ocorre aos neointegralistas (desisti dos eufemismos) mandar políticos e autoridades de outros partidos e matizes ideológicas ao SUS.
Tivesse passado pelo Albert Einstein a vetusta figura de FHC, provavelmente teria sido recebida com aplausos pelo corpo médico e os “populares” que desfilam pelos seus mármores. E, ao contrário de Lula e de Mantega, não lhe seria sugerido o tratamento no SUS, mas talvez a ida, em primeira classe, para fazer tratamento no exterior, como conviria a “estadista” que tanto fez pela saúde pública brasileira.
Afinal, as assépticas privatizações se justificaram, em grande parte, com o argumento de que sua realização permitira ao Estado brasileiro investir naquilo que realmente importa: Saúde e Educação.
Dito e não feito.
No governo daqueles que não são mandados para o SUS, o orçamento da Saúde ficou praticamente estacionado, tendo passado de US$ 26 bilhões, em 1995, para RS$ 28,5 bilhões, em 2002. Data também desse período de notório investimento na coisa pública, um notável crescimento da medicina privatizada no Brasil. Posteriormente, já na oposição, os que não são mandados para o SUS deram nova contribuição à saúde pública brasileira derrubando a CPMF, cujos recursos, bem ou mal, a financiavam.
Já nos governos daqueles que são mandados para o SUS, o orçamento da Saúde subiu de R$ 30 bilhões, em 2003, para R$ 106 bilhões, em 2014. Foi também nos governos dos que se precisam tratar pelo SUS que se criou o Mais Médicos, programa que finalmente levou assistência básica à saúde a municípios remotos, pobres e desassistidos, beneficiando cerca de 50 milhões de brasileiros que, ao contrário dos frequentadores do Einstein, queriam se tratar pelo SUS, mas não podiam.
Assim, os que são mandados para o SUS mandaram o SUS para esses cidadãos antes desassistidos. Talvez seja por isso que, inconscientemente, os neoudenistas façam essa associação entre o PT e o SUS.
Na cabeça deles, quem luta contra a pobreza e a desigualdade tem de fazer voto de pobreza (lembram de como Collor “acusou” Lula de ter um som “três em um”?). E quem luta pela saúde pública tem de se tratar compulsoriamente no SUS.
Para eles, tal identidade com a população mais pobre tem uma conotação negativa e pejorativa. Quem gosta de povo e faz pelo povo tem de ficar nos lugares frequentados pelo povo, não em instituições destinadas a “gente diferenciada”. Estar perto do povo é, para eles, um castigo vergonhoso.
É como se dissessem: “Você, que gosta tanto de pobres, tome vergonha e vá lá ficar com eles no SUS!”
No fundo, trata-se de um elogio político involuntário, pois tal identidade é, sob todos os aspectos, positiva. Positiva e vencedora.
Muito pior seria entrar num hospital público e ouvir: “Não tem vergonha? Vá se tratar no Einstein!”