8 de Março de 2021, Dia Internacional das Mulheres, o presidente Jair Bolsonaro fez um novo ataque às brasileiras ao não assinar a declaração do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidos (ONU) que pedia aos países que assegurassem a igualdade de direitos para mulheres e meninas. O Brasil se recusou a aderir a uma declaração conjunta realizada por mais de 60 países no qual foram acordados compromissos de 40 bilhões de dólares para desenvolvimento da agenda de combate à desigualdade de gênero, inclusive no que se refere ao acesso a direitos reprodutivos e sexuais.
A postura do Presidente da República chocou o cenário internacional, mas, infelizmente não surpreende vindo de um sujeito que gosta de dizer que a sua própria filha foi fruto de uma “fraquejada. Mais recentemente, Bolsonaro vetou a distribuição gratuita de absorventes para meninas e mulheres, fruto de um projeto de lei da Deputada Federal Marília Arraes (PT/PE). A ação de Bolsonaro não é só mais uma demonstração do desrespeito e menosprezo reiterado pelas mulheres, faz parte de seu compromisso com a agenda ultraconservadora, neoliberal e alinhada à uma pauta de costumes na qual as mulheres não dispõem de nenhuma autonomia, devem servir aos desígnios “superiores” e cumprir papéis sociais bem delimitados pelo patriarcado, pela religião e pela divisão sexual do trabalho. Bolsonaro disse fora de suas famosas 4 linhas que a declaração da ONU dá margem à “promoção do aborto”. Desde que assumiu o poder há inúmeras tentativas de mudanças na legislação com medidas ainda mais restritivas aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Bolsonaro que gosta de dizer que defende a família, não gastou nem um terço dos recursos previstos no Orçamento Público da União especificamente para ações que têm as mulheres como público-alvo no seu Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e no Ministério da Saúde. O levantamento exclusivo da revista AzMina mostra que entre janeiro de 2019 e julho de 2021, o Planalto não gastou R$ 376,4 milhões dos R$ 1,1 bilhão disponíveis. A completa ausência de projetos e os desmontes de políticas públicas provocados pelo governo Bolsonaro demonstram como os direitos das mulheres estão sob ameaça constante. O cenário é desalentador.
Sabemos que em tempos de crise são as mulheres as primeiras a sofrerem os impactos. A pesquisa com dados do PNAD Contínua do IBGE mostra que, só durante a pandemia, mais de 8 milhões de mulheres deixaram a força de trabalho brasileira. Dessas, 26% afirmaram não poderem trabalhar pelo fato de terem que cuidar dos afazeres domésticos, filhos ou outros parentes. Menos de 2% dos homens alegaram ter restrições pelo mesmo motivo. Os efeitos da crise política, econômica e sanitária recaem mais pesadamente sobre os ombros das mulheres pretas e periféricas, estas são as primeiras a serem demitidas, a caminharem para o subemprego e informalidade. São milhares de mulheres que ganham a vida como babás, domésticas, e são profissionais da linha de frente da saúde e das tarefas relacionadas ao cuidado, que mesmo antes da pandemia já reuniam condições precárias de trabalho e que foram dispensadas. Não por acaso também foi uma mulher doméstica a primeira vítima da Covid-19 no Brasil.
São vários os ataques sofridos pelas trabalhadoras brasileiras desde o golpe em 2016 que apeou do poder Dilma Roussef, a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Sob o governo Temer foi iniciado o avanço da terceirização, a restrição de direitos como aposentadorias, pensões e seguro-desemprego, com consequências diretas sobre as mulheres. Com Bolsonaro e sua negligência deliberada durante a pandemia, o abismo da desigualdade de gênero em nosso país foi dilatado.
Os treze anos de Lula e Dilma Rousseff na Presidência da República tiveram importância especial na luta pela equidade de gênero no Brasil. A criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, com status de Ministério, foi fundamental para a formulação de políticas públicas que tiveram desde sua origem o recorte de gênero com objetivo de promover melhoria da vida das mulheres. Programas consagrados como Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, focaram nas mulheres como destinatárias principais das ações, afinal, são elas que chefiam 34 milhões de lares no Brasil. São esses mesmos lares que Hamilton Mourão, Vice-Presidente de Bolsonaro diz ser “fábrica de desajustados” que são criados por mães e avós. O Bolsa Família foi extinto por Bolsonaro, o programa habitacional foi totalmente desidratado. O Brasil de 2021 voltou a sentir fome e milhares de pessoas padecem de insegurança alimentar e nutricional, essas pessoas são, em sua maioria mulheres, principalmente as nordestinas, mães, pretas e pardas, conforme os dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar/IBGE de agosto de 2021.
A pandemia da Covid-19 escancarou a desigualdade de classe, de renda, de raça e de gênero no Brasil. Não bastasse a perda da renda, o desemprego massivo, o preço absurdo dos alimentos, a falta de creches e escolas para seus filhos, a impossibilidade de adotar medidas de distanciamento social, o abandono de seus estudos e de suas formações, a falta de acesso à tecnologia, o apoio insuficiente dos familiares e cônjuges, a completa ausência de ação do Estado, as mulheres tiveram ainda o incremento cruel e devastador da violência doméstica: 1 em cada quatro afirmam ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses. Conforme dados da pesquisa “Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil”, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública junto ao Instituto Datafolha. Isso significa dizer que cerca de 17 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano. Para piorar, 61,8% das mulheres que sofreram violência afirmaram que a renda familiar diminuiu e 46,7% das mulheres que foram violentadas também haviam perdido seus empregos, perpetuando ainda mais o ciclo da violência contra a mulher.
O fato é que se na rua as mulheres correm riscos, em suas casas as mulheres brasileiras não estão seguras. É assustador que a “Casa da Mulher Brasileira”, uma das principais iniciativas do governo federal de Dilma Roussef para atendimento à mulher em situação de violência doméstica não tenha recebido nenhum centavo do governo Bolsonaro. Em fevereiro de 2020 Bolsonaro disse que não pretendia reforçar o orçamento para políticas de combate à violência contra a mulher. Para ele, a área não depende de dinheiro, e sim de “postura”, “mudança de comportamento” e “conscientização”. Deveria começar por ele, mudando quem ocupa hoje a cadeira da Presidência da República.
O maior desafio posto para nós mulheres hoje é conseguir assegurar as conquistas que foram feitas ao longo de anos de luta enquanto resistimos aos retrocessos que são impostos. Precisamos ocupar os espaços de poder, como têm feito à duras penas, cada vez mais mulheres candidatas e eleitas ao redor do Brasil, sabemos que ainda é muito pouco, num país cuja a maioria da população e do eleitorado é mulher. Sabemos que a cada passo que damos um nível é elevado no muro que nos separa dos nossos direitos sobre nossos corpos, ideais e direitos. A violência contra nós é sobretudo política e é por meio dela que poderemos colocar em curso o progresso e as transformações necessárias. Lutar é verbo feminino ao qual nos habituamos desde que nascemos. A esperança, não por acaso, tem nome de mulher.