A manchete do jornal Valor Econômico nesta quinta-feira, 7 de março, confirma a expectativa de analistas econômicos e geopolíticos sobre as relações do atual governo com a China. “Retórica anti-China trava financiamento ao linhão”, diz o principal jornal econômico do país, destacando os desdobramentos dos atritos criados pelo atual governo. Segundo o Valor, o governo chinês colocou “um freio na liberação dos recursos” após declarações de Bolsonaro, antes e durante a campanha eleitoral, e após a posse – incluindo visita à Taiwan, considerada província rebelde pela China continental.
Lançado em 2015, o Fundo de Cooperação Brasil-China para a Expansão da Capacidade Produtiva tem por objetivo impulsionar a cooperação econômica bilateral. Um dos primeiros desembolsos previstos seria para a linha de transmissão responsável pelo escoamento de energia da usina hidrelétrica de Belo Monte até o Rio Janeiro. De acordo com o jornal, “fontes diversas do lado brasileiro” dizem que “os chineses preferem saber como vão ficar as relações bilaterais”.
Nesta quinta-feira, em discurso para militares no Rio de Janeiro, o atual presidente Jair Bolsonaro voltou a sobrepor os interesses ideológicos de seu governo aos interesses do país. “A missão (segundo ele, sua vitória nas eleições) será cumprida ao lado daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa”, disse ele, entre outras parcerias excludentes. País de orientação ideológica comunista, a China é nosso primeiro parceiro comercial e o maior importador de nossa produção agrícola de exportação.
“Em 2017, exportamos para lá US$ 47 bilhões, com um superávit a nosso favor de US$ 20 bilhões. Em contraste, exportamos apenas US$ 26,8 bilhões para os EUA, com um superávit a favor do Brasil de somente US$ 2 bilhões, dez vezes menor que o obtido com a China. Saliente-se que, em 2018, nossas exportações para a China, estimuladas pelas compras de soja, foram de quase US$ 67 bilhões, sendo que as exportações para os EUA foram de apenas US$ 28 bilhões”, esclarece Marcelo Zero, assessor técnico da Bancada do PT no Senado Federal.
As declarações de Bolsonaro podem trazer enormes prejuízos ao agronegócio, em especial, uma vez que a China importa cerca de 65% da soja comercializada no mundo, dos quais 45% do Brasil. “No que tange às exportações agrícolas do Brasil, a China, sozinha, absorve cerca de 37% do total, e importa 4 vezes mais alimentos brasileiros do que os Estados Unidos”, diz ainda Marcelo Zero. Na tentativa de “minimizar danos’, também segundo o Valor, o vice-presidente, general Hamilton Mourão prepara visita ao país asiático para reativar a comissão sino-brasileira.
A relação diplomática e comercial com a China foi estabelecida durante o governo do general Ernesto Geisel, contra a vontade dos setores militares de linha dura comandados pelo general Sylvio Frota. Na época, o então presidente Geisel demitiu Frota que, ao sair, divulgou manifesto criticando o governo por se aproximar de um “país comunista”. O ideário do general Sylvio Frota, de quem o general Augusto Heleno foi ajudante de ordens, é um dos pilares que orienta os atuais militares que chegaram ao poder com Bolsonaro.