Para o professor de Economia da Hobart and Willian Smith Colleges, Felipe Rezende, crise não está no setor público que o governo quer fazer mudanças, mas no setor produtivoA Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), presidida pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), realiza nesta terça-feira (16) uma audiência pública para discutir a proposta do governo interino de limitar por vinte anos os gastos públicos, o que pode ferir de morte áreas como a Saúde e a Educação, e programas sociais inclusivos. A mudança do regime atual, que prevê um percentual mínimo obrigatório de gastos públicos, pretende relacionar ou condicionar os gastos do governo federal à elevação do PIB do ano anterior com base na inflação.
Num exemplo simples, pela proposta do governo interino, a receita destinada para a saúde, que hoje é acima de R$ 100 bilhões, embora seja insuficiente para atender o Sistema Único de Saúde (SUS), cairia para menos da metade desse valor. Quem perderá, obviamente, é o trabalhador e os brasileiros que não têm acesso a planos de saúde particulares. Na Educação, o exemplo é o mesmo, assim como nos programas sociais inclusivos e destinados a reduzir as desigualdades sociais.
A audiência discutiu a Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 241/2016) que está em tramitação no Congresso. Para defender a proposta do governo interino, estiveram presentes o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, além de Marcos Mendes, chefe da assessoria Especial do Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Os dois, alinhados ao pensamento liberal, repetiram a cartilha dos banqueiros de que o ajuste fiscal deve se dar pelo lado da despesa. Em outras palavras, Mansueto e Mendes vendem a ideia de que a confiança dos investidores e do setor produtivo será retomada se os cortes nos gastos do governo forem feitos. Assim, sem criatividade, não seria necessário aumentar os impostos como tem ameaçado em suas entrevistas o ministro Henrique Meirelles.
Marcus Mendes, servidor de carreira do Senado, deixou escapar que a vida do lado do governo interino não está sendo nada fácil. Interessante isso, embora ele tenha elencado, por sua visão, que o governo Dilma possa ter cometido erros na condução da política econômica. A sua visão é a de que “pobre é parente de parente” e, por isso, só a recuperação econômica vai criar emprego. Acontece que ele defende cortes nos gastos e critica a política de Dilma que incentivou, por exemplo, o uso de conteúdo nacional, ou seja, produtos que passaram a ser produzidos no Brasil ao invés de importá-los.
O assessor de Meirelles ainda disse que é melhor importar produtos de melhor qualidade do que produzir aqui. É sério. Ele disse isso e citou que a literatura econômica defende ajustes fiscais para produzir um período de crescimento.
Ajustes levaram países para o buraco
Os outros dois expositores da audiência derrubaram os argumentos de “A a Z” dos dois integrantes do governo interino.
O brasileiro Felipe Rezende, professor do Departamento de Economia da Hobart and Willian Smith Colleges, de Nova Iorque, Estados Unidos, disse que o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) acaba de divulgar um documento dizendo que todos os países que fizeram ajustes fiscais e limitaram os gastos públicos como o governo interino quer fazer aqui foram para o buraco, literalmente. Isso se viu na Grécia, Portugal, Irlanda. “Eles fizeram ajustes fiscais e o resultado foi uma recessão profunda. Esse diagnóstico corrente de que há uma crise no Brasil não é correto. A crise não está no setor público que o governo quer fazer mudanças. A crise está no setor produtivo”, afirmou.
Felipe Rezende está coberto de razão, porque ele mostrou que, desde 2007, alguns setores da indústria aumentaram seus endividamentos no exterior. Os investimentos feitos pelo BNDES, criticados por integrantes do governo interino, atenderam empresas de todos os tamanhos que geraram empregos diversos.
Em relação às críticas Mansueto e Mendes de que a dívida bruta do Brasil já está acima de 60% do PIB, Felipe Rezende mostrou que esse terrorismo econômico financeiro só vale para assustar os mais pobres com a retirada de seus direitos. Ele lembrou que a dívida bruta do Japão está em 252% do PIB e o déficit das contas públicas nos Estados Unidos, Reino Unido e no Japão ficaram em torno de 10% do PIB.
No Brasil, o percentual é bem menor, daí a culpa da crise não ficar centrada no setor público. O erro de interpretação foi aumentar os juros para combater a inflação que se pensava ser de demanda. A inflação de demanda é quando vários cidadãos passam a comprar determinado produto, cuja produção não vence a procura. Assim, o produto disponível que é vendido por 100 acaba custando 200. Isso é inflação de demanda.
Para evitar a inflação de demanda, o juro subiu e, para Felipe Rezende, “o Brasil ficou numa situação que podia passar fome que a inflação não cairia”.
Já para o professor de economia da Unicamp, Pedro Linhares, recuperar a confiança dos empresários não se faz com ajuste fiscal que retira direitos sociais. “Não há evidência disso na literatura internacional. E o próprio FMI, como disse Rezende, reconheceu que a receita foi ruim para diversos países”, afirmou.
O líder da Minoria, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), a PEC 241 na verdade só afetará os pobres. O ajuste fiscal com a limitação dos gastos públicos afetará quem mais necessita de ser incluído na sociedade. “O governo interino está fazendo um keynesianismo fisiológico”, disse Lindbergh. John Maynard Keynes, britânico, é autor da teoria de que a intervenção do Estado na vida econômica do País dá como resultado a melhora da economia e gera emprego, ao contrário da teoria monetarista professada por Mansueto e Mendes.
O monetarismo diz que é o mercado quem deve ditar as regras. Cabe ao povo baixar a cabeça e seguir a cartilha. Se o governo diz que tem que cortar os gastos públicos, os banqueiros e rentistas ficam quietos porque o esforço virá do pobre e não do rico.
Lindbergh cobrou essa posição do governo interino, porque o discurso é que o ajuste fiscal tem que cortar os gastos públicos, mudar a previdência social, para que o trabalhador fique mais tempo trabalhando, mas ninguém diz um “A” sobre o estabelecimento de um imposto sobre grandes fortunas, sobre herança, sobre a vergonhosa estrutura tributária dos juros sobre capital próprio ou sobre os investimentos estrangeiros em bolsa de valores.
Veja só: o milionário não paga imposto sobre sua fortuna no Brasil, e nem quando alguém herda esse dinheiro. O dono de indústrias no Brasil não tem hollerit como os demais mortais. Ele retira dinheiro do caixa, sem pagar imposto de renda na fonte, como seu funcionário faz todo o mês, porque faz uma retirada na condição de recebimento de juros da atividade econômica de sua empresa. Essa é a vergonha tributária brasileira defendida pelo quartel general do golpe, a Fiesp. Outra benesse aos especuladores e rentistas é a isenção que se dá para os investidores estrangeiros que aplicam dinheiro na Bolsa de Valores brasileira.
O cidadão estrangeiro – muitas vezes é brasileiro rico com dinheiro no exterior – envia dinheiro na condição de investidor estrangeiro na bolsa de valores. Esse dinheiro vem para o Brasil, especula na bolsa, e volta limpinho para a origem. Mais isso não vem ao caso para os economistas do governo golpista. O lance é acabar com os ganhos dos pobres, porque incomoda os ricos.
Apresentação de Mansueto de Almeida
Apresentação de Felipe Rezende
Marcello Antunes
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