Em audiência na Comissão que investiga o Assassinato de Jovens, representante do Instituto Sou da Paz adverte: Armas de fogo são usadas em 56% dos assassinatos registrados no BrasilA violência contra os jovens negros do Brasil mata 15 vezes mais que o vírus da Aids —epidemia que tanto assusta e mobiliza. Contra os meninos negros das comunidades pobres, conspira uma epidemia muito mais letal, a “epidemia da indiferença”. “Durante a minha fala [de 15 minutos] duas pessoas serão assassinadas no País”, lembrou o ativista Ivan Contente Marques, do Instituto Sou da Paz, “Provavelmente serão dois jovens negros, moradores da periferia”. Marques destaca o papel essencial do controle de armas de fogo, instrumento usado em 56% dos assassinatos registrados no Brasil, para estacar a epidemia de mortes violentas da juventude.
Marques foi um dos expositores da audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que investiga a morte de jovens no País, realizada na noite desta segunda-feira (8). Também participaram Fabiano Dias Monteiro, representando o Viva Rio, Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, do Instituto da Mulher Negra – Geledés, Maria de Nazaré Costa da Cruz, da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conem), Hamilton Borges dos Santos, da Campanha Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto, e Átila Roque, da Anistia Internacional.
“Se a gente quer aprofundar análise dos homicídios de jovens no Brasil, é impossível não falar do instrumento que potencializa essas mortes”, alertou Marques. Ele destaca a necessidade de o País se olhar no espelho, abandonar o mito da cordialidade e reconhecer que somos uma sociedade violenta. Ainda assim, a política pública mais eficaz no combate à violência letal é a que está amparada pelo Estatuto do Desarmamento. “Essa é uma política que deu certo, o controle de armas”.
A arma de fogo é um catalisador da violência, aponta Marques, e engana-se quem imagina que os sofisticados fuzis usados pelo tráfico têm algum protagonismo nas estatísticas. “O objeto preferencial usado para cometer homicídios no Brasil tem nome e sobrenome: é um revólver calibre .38, nacional, no máximo uma pistola, com fabricação anterior a 2003”, revela o pesquisador. “A indústria de armas não gosta que a gente fale, mas não é o fuzil que aparece na TV, uma arma de guerra, de grande potencial ofensivo, ou a metralhadora. É o revólver vendido ao cidadão que quer se proteger, proteger a integridade da sua família e da sua propriedade”. Além de cair nas mãos do crime, essa arma também potencializa a letalidade dos conflitos interpessoais, como brigas de vizinhos ou as brigas de casais.
Em parceria com o Ministério Público, o Sou da Paz analisou todas as armas do crime nos anos de 2011 e 2012 apreendidas pela polícia na cidade de São Paulo. A origem dessas armas quebra um outro mito: em geral, elas não vêm de fora. São fabricadas no Brasil e ficam no Brasil. “A esmagadora maioria dessas armas foi comercializada em São Paulo, foi perdida em São Paulo – seja a empresa de segurança ou o suposto cidadão que comprou a arma para se defender, perdeu essa arma – e ela foi usada no crime na cidade de São Paulo. Apreendida pela polícia, muitas vezes ela é devolvida para o seu dono de origem e esse dono perde mais uma vez, a polícia apreende novamente… ou seja, a vida útil dessa arma no crime dura anos”.
De 1993 a 2003, os homicídios causados por armas de fogo subiram de 17 mil 36 mil, um crescimento de 112%. Entre 1980 a 2012, quase 500 mil jovens foram mortos por arma de fogo. Só em 2012, dos 75.553 óbitos de jovens, 24.882 por arma de fogo. “Um em cada três jovens morreu por arma de fogo. A maior causa de morte de jovens hoje no Brasil é o homicídio por arma de fogo”, resumiu Ivan Marques. “São 116 mortes por dia, mais que o tristemente célebre Massacre do Carandiru”.
Pressão e mobilização para barrar pauta conservadora
A senadora Fátima Bezerra (PT-RN), integrante da CPI, destacou o “dever e a obrigação” do Congresso Nacional de atuar efetivamente no sentido de conter a violência contra a juventude. A primeira tarefa, acredita Fátima, é buscar a parceria com a sociedade para travar a pauta conservadora que vem da Câmara dos Deputados, onde propostas como a redução da maioridade penal e a flexibilização do Estatuto do Desarmamento, para facilitar o acesso às armas de fogo, caminham exatamente na contramão das soluções preconizadas pelas organizações que trabalham para reduzir a violência. “Não tenhamos ilusões. Só conseguiremos barrar essas iniciativas se houver muita mobilização de fora para dentro, houver muita pressão”.
Ela acredita que além de desvendar e denunciar as engrenagens que movem a violência letal contra a juventude pobre e negra, no Brasil, cabe à CPI também apontar políticas e, principalmente, contribuir para que haja orçamento para a execução das ações e programas necessários à erradicação do problema.
Cyntia Campos