Um ato político dominou o cenário do Congresso Nacional na manhã desta terça-feira (2) em defesa do sistema eleitoral brasileiro e de combate à violência política, numa coalizão reunindo mais de 200 entidades representativas de todas as esferas e camadas da sociedade. De juízes e advogados a estudantes e movimentos populares, de senadores e deputados a sindicalistas e trabalhadores sem terra e sem teto, de diplomatas a religiosos, do movimento negro e LGBT a policiais antifascistas, todos compartilharam o mesmo objetivo de proteger a democracia diante da permanente ameaça golpista de Bolsonaro e seus aliados.
Coordenado pela advogada Tânia Oliveira, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, o ato realizado no Senado abriu microfone para a sociedade se posicionar e serviu para o lançamento da Carta ao Congresso Nacional, assinada pelas entidades da Coalizão e que deve ser entregue ainda nesta semana ao presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco.
Em vídeo, o senador Humberto Costa (PT-PE) expressou seu apoio à mobilização. “Vivemos hoje um momento crucial, onde o presidente da República e apoiadores, na certeza de que não conseguirão resultado eleitoral favorável, começam a construir um pretexto para rejeitar o resultado das eleições e tentar produzir processo de ruptura institucional”, afirmou.
“A Coalizão tem sido uma ação importante para, juntos, a Justiça, o Parlamento e a sociedade demonstrar que o Brasil possui um dos sistemas eleitorais mais seguros em todo mundo. E ao mesmo tempo une forças para combatermos a violência política, que é a manifestação do desespero que da extrema direita por ver o risco de Bolsonaro perder as eleições”, concluiu.
Para o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), esse fortalecimento do campo democrático é essencial para manter a estabilidade do país. “Tenho dito sempre que a união das forças democráticas do país é o único caminho para impedir que o Brasil volte aos tempos sombrios do golpe e da ditadura”, lembrou.
“E hoje, temos um presidente que diariamente ataca as instituições do país e estimula o ódio, que já resultou em morte por divergência política, algo inaceitável”, disse, em referência ao assassinato do dirigente petista Marcelo Arruda por um bolsonarista em Foz do Iguaçu (PR). “O que ele quer é desestabilizar a democracia. Por isso, precisamos estar unidos para barrar o fascismo, para garantir que o Brasil siga na sua caminhada democrática, com respeito, tolerância, liberdade e sem violência.”
Caso Marcelo Arruda
A presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), também mencionou a tragédia que matou o militante do partido. “É muito importante lembrar do companheiro Marcelo Arruda, que como outros, como Marielle Franco, morreram por motivação política, por crime de ódio. Esse não é o Brasil que queremos, que o povo merece. Nessas eleições, nossa escolha é a democracia, é vencer a violência e o retrocesso. Nós queremos paz e um país melhor para todos e todas”, disse.
Um dos convidados para o ato foi Danel Godoy, advogado da família de Marcelo Arruda, para quem a morte do tesoureiro do PT de Foz do Iguaçu não é resultado de um evento único e solitário. “Houve uma série de episódios como nas caravanas do Lula, a cassação de um vereador [Renato Freitas] sob pressão de racistas e extrema direita, uma ameaça virulenta à desembargadora que deu liminar para Renato continuar no mandato… O Paraná é um teatro de operações de violência política. O caso do Marcelo é o mais emblemático, trágico, horrível e violento dos últimos tempos, envolvendo a instigação do discurso de ódio”, relatou Godoy.
“O que a família espera é que as pessoas não se deixem abater com esses processos de violência, porque isso possibilitaria a vitória do fascismo. É a resistência, a solidariedade que faz com que isso tudo seja rejeitado”, completou.
Para o líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), “o governo Bolsonaro prepara um golpe porque tem medo do resultado eleitoral”, resumiu. “É vergonhoso que um presidente convoque 40 embaixadas para dizer que não vai aceitar resultado. Isso coloca nosso país cada vez mais vulnerável e prejudica nossa economia. Por isso, se impõe nossa unidade, superar nossas diferenças e reafirmar que não aceitaremos nenhuma escalada autoritária”, afirmou.
Deus no meio do povo
Falando em nome do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), Tatiane Ribeiro desmontou o slogan do governo ao colocar a religião em defesa da democracia e da solidariedade às minorias e aos mais necessitados. “Mais do que nunca, precisamos nos unir, em nome da Justiça, da democracia e do Estado laico, onde Deus não está acima de ninguém, mas está no meio do seu povo, junto daqueles que sofrem, daqueles que passam fome”, afirmou, arrancando aplausos.
“Somos a favor do Deus da vida, da Justiça, que está junto dos pobres, das viúvas, das crianças, dos LGBTQIAP+. Não podemos nos calar! Que o nosso voto seja um ato de amor em nome da democracia do país”, defendeu.
Em outro momento de quebra de paradigma, nesse caso em relação à segurança pública, o representante dos policiais antifascistas Daniel Barros destacou a importância da adesão de agentes de segurança compromissados com a democracia, como era, por sinal, Marcelo Arruda, também citado por ele.
““Como disse o companheiro Marcelo Arruda, assassinado por um bolsonarista,
nós policiais seremos as primeiras vitimas, porque o clima de fascismo dentro das polícias é extremamente maior do que no restante da sociedade. Então, não poderíamos deixar de estar aqui, porque este é o nosso papel, como forca de segurança: defender a democracia”, declarou.
Ele mencionou a informação de que o presidente teria declarado que, caso tenha a prisão decretada, receberia a tiros os policiais que forem cumprir o mandado de prisão. “Mas não é ele que é amigos dos policiais? Na verdade, ele é amigo de miliciano. Se fosse amigo de policial, estaria defendendo a Justiça e a Constituição brasileira”, concluiu.
Carta ao Congresso
Na Carta ao Congresso Nacional, a Coalizão em defesa do sistema eleitoral e de combate à violência política manifesta a indignação da sociedade com as frequentes ameaças à democracia e à urna eletrônica perpetradas por Bolsonaro e com a escalada de violência política no país incentivada por ele.
“Tais agressões, bravatas e afirmações desprovidas de respaldo técnico, científico e moral, servem a um único propósito: o de gerar instabilidade institucional, disseminando a desconfiança da população brasileira e do mundo acerca da correção e regularidade das eleições brasileiras, e, por consequência, desacreditar o próprio país, como nação democrática, colocando em xeque a segurança jurídica, em momento especialmente delicado, em que se faz essencial a tranquilidade e a isenção de ânimos, para que o processo eleitoral transcorra sem sobressaltos ou mesmo atos de violência”, diz o texto.
Além disso, as entidades signatárias pedem ao presidente do Congresso que reafirme “seu compromisso com a lisura e integridade do processo eleitoral e com as instituições da Justiça Eleitoral” e que o Congresso “reaja às ameaças do presidente da República manifestando-se claramente contrário a qualquer aventura golpista”.