Apoio a garimpeiros ilegais, que assassinam povos originais e poluem as águas da Amazônia; desamparo da população indígena em plena pandemia; incentivo ao fogo e ao desmatamento em nome de pastagens e plantio em áreas de proteção; defesa de projetos que reduzem a floresta para a construção de grandes empreendimentos; desmonte dos órgãos ambientais. Com todo esse histórico, e depois de dois anos na contramão dos compromissos assumidos em 2015 em Paris, um isolado e pressionado governo brasileiro ensaia, em Glasgow, uma guinada. Nada que o mundo entenda de outra forma: um ensaio.
O governo começou a COP 26, a Cúpula do Clima das Nações Unidas, anunciando ampliação, de 43% para 50%, da meta assumida, em 2015, de redução da emissão de gases de efeito estufa. Mais desconfiança: no ano passado o que o Brasil fez foi aumentar em 9,5% essa emissão. Além disso, até as portas do evento na capital escocesa sabem que a base de cálculo dessas emissões foi modificada em 2020 pelo próprio governo – de 2,1 bilhões de toneladas para 2,8 bilhões. Ou seja, por trás da pretensa ousadia no controle de gases, o governo poderia poluir mais do que estava previsto.
Presente à COP 26, o presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Jaques Wagner (PT-BA), pregou cautela diante do anúncio do governo e cobrou ações concretas: “o tempo de promessas já passou. E passou não só para o Brasil, mas para todo o mundo. O tempo agora é de ação. Precisamos urgentemente de respostas efetivas à crise climática e de esperança para as atuais e futuras gerações”.
Na tentativa de sair das cordas, e de olho em parcela do fundo multilateral de U$ 19 bilhões disponibilizado, o governo assinou tratado em que se compromete a reverter o desmatamento até 2030. O pacto envolve mais de 100 países, que, juntos, somam 85% das florestas do planeta. De novo, o problema do governo é a prática, mais do que o discurso. Cerca de 76% dos gases de efeito estufa emitidos no Brasil vêm do fogo nas florestas. Um cenário que se observa dos satélites e nas páginas do relatório anual do Pnuma, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, segundo o qual o Brasil é, dentre as 20 maiores economias do mundo, o único país que andou para trás no combate às emissões de gases de efeito estufa em 2020.
Na opinião do senador Jean Paul Prates (PT-RN), que também participa da Cúpula do Clima, a realidade do desmatamento na Amazônia derruba a imagem do país no mundo e ajuda a responder por quê Bolsonaro não é bem-vindo no exterior. De fato, a derrubada dessa floresta cresceu 7% em agosto de 2021 em comparação com o mesmo mês no ano passado, segundo o Imazon, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia. “Isso tudo é resultado direto da política criminosa de Bolsonaro”, critica Jean Paul Prates.
Outro acordo fechado pelas nações na COP 26, à exceção de China, Índia e Rússia, é o que reduz a emissão de gás metano, segundo maior poluente do planeta e potencialmente mais perigoso para o aquecimento global que o gás carbônico. O Brasil assinou o acordo, a reboque do voto e da pressão norte-americanos. Nesse caso, não existem metas individuais fixadas, apenas a previsão de corte coletivo de 30% até 2030. No Brasil, o maior responsável pelas emissões desse gás é a agropecuária.
Também presentes em Glasgow, empresários que representam cerca de 50% do PIB nacional cobram do governo como o país irá atingir a neutralidade de emissões até 2050. Querem saber detalhes do plano e das métricas utilizadas por Bolsonaro para anunciar tal meta. Mas o silêncio de Bolsonaro e seus auxiliares sobre como vão cumprir tais promessas mantém o mundo em estado de desconfiança; e o Brasil, isolado nas grandes cúpulas.
A resposta que o planeta quer ouvir veio de outra voz. Em entrevista à TV TRT World, da Turquia, que foi ao ar no último sábado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu as vantagens que o país pode obter com a economia verde: “nós queremos efetivamente dizer ao mundo inteiro: não precisamos desmatar a Amazônia para plantar soja ou criar gado, o Brasil tem terras incomensuráveis para plantar sem precisar derrubar. O que nós precisamos é convencer a sociedade de que a floresta em pé, ela pode ser mais rentável para o desenvolvimento do Brasil do que a floresta tombada”.