Um olhar sobre o Código Penal Brasileiro a partir da eficiência das políticas criminais centralizou a discussão sobre o projeto de reforma da legislação penal (PLS 236/2012), em análise por uma comissão especial parlamentar, na manhã desta quinta-feira (14). Entre convergências e divergências, os juristas convidados: o pesquisador e professor Juarez Cirino dos Santos e o promotor de Justiça de São Paulo, Rogério Sanches Cunha, foram taxativos ao ponderar que a atualização do código precisa medir o impacto que a nova lei representará ao sistema carcerário brasileiro, já superlotado.
Conhecido crítico do PLS 236, Juarez Cirino dos Santos iniciou o debate descartando a necessidade de promover a reforma da parte geral do Código Penal – na qual estão os princípios de definição dos crimes e penas –, que, na visão dele, responde a demanda atual, ao contrário da parte especial – constituída por orientações de aplicabilidade da legislação –, que realmente precisa ser revista. Para Santos, o principal problema do texto de reforma está na ideia de que o direito penal é a solução dos conflitos e anseios da sociedade. “Não se resolve conflitos sociais com penas criminais. Se resolve conflitos sociais por meio de políticas públicas”, afirmou.
O pesquisador rebateu a tese de que o Brasil é um dos países que menos punem no mundo. “Em vinte anos, quintuplicamos a população carcerária. Os Estados Unidos, que é o país mais prende, a população carcerária foi quintuplicada em trinta anos”, observou. “É um equívoco usar a pena para tentar transformar o sujeito. A única resposta que o Estado tem para a questão criminal no Brasil é a pena [de restrição de liberdade] e essa resposta está dando em mais pena, mais polícia, mais justiça e mais prisão. Onde vamos parar?”, indagou.
Defensor do projeto de reforma, o promotor Rogério Sanches Cunha, reconhecendo o problema do inchaço penitenciário, ponderou que a aplicação de penas de reclusão poderiam ser destinadas somente para crimes de maior gravidade – medida que, na avaliação de Cunha, contribuiria para combater o “inchaço” das cadeias. “No presente não temos solução melhor para crimes de grande potencial ofensivo. Se limitarmos a esse tipo de crime, não teremos esse inchaço”, constatou. Entretanto, advertiu que não é possível afastar completamente a Justiça dos conflitos sociais. “O Estado tem que atuar sim com política social. Mas eu, como promotor, atuo quando a política social falhou”, arguiu.
Retrocessos
Ao elencar os problemas que encontrou no projeto, Juarez Cirino dos Santos considerou gravíssimo a retirada de princípios adotados no mundo todo, como a progressão de regime e a liberdade condicional, para minorar o superpovoamento nas prisões e reinserir o egresso na sociedade. Ele também criticou o conceito de crimes de omissão de ação. Segundo Santos, o projeto não é claro e abre a possibilidades de múltiplas interpretações, como, por exemplo, a condenação de um pai por omissão em uma situação na qual uma filha tenha sido estuprada quando este não estava em casa, porque a função dele é cuidar e proteger. Além disso, o pesquisador fez duras críticas a forma linguística do texto.
Ganhos
Por outro lado, Rogério Sanches Cunha acredita que as falhas do texto podem ser facilmente corrigidas pelos senadores. E que é preciso reconhecer a inovação que o projeto provoca na interpreção da legislação penal nacional: a preocupação com a vítima. “O projeto preocupa-se muito com a vítima. O Código atual esquece. Quantos artigos do Código [em vigor] faz referência a vítima? O projeto fala inúmeras vezes. Há até a possibilidade do juiz prever o pagamento de alimentos para a vítima. O projeto está preocupado não só em punir, mas em assistir a vítima”, destacou.
Outro ponto celebrado com muita ênfase pelo promotor está no combate ao direito penal elitista, que, conforme explicou Cunha, faz do código atual uma peça que abarca apenas “os crimes praticados pelos pobres contras os ricos e não o contrário”. Para exemplificar ele comparou o tratamento dado a empresário que sonegam vultosas quantias de dinheiro com a punição definida para o roubo de uma bicicleta. “Quem sonega e devolve é perdoado; enquanto que um pobre que rouba a bicicleta e devolve a pena é apenas diminuída”, frisou.
Agenda
O senador Pedro Taques (PDT-MT), relator do PLS 236, voltou a defender a democratização do debate e para isso destacou que as audiências estaduais vão começar a acontecer na segunda quinzena de cada mês, neste primeiro semestre. Taques ainda reafirmou sua intenção de votar o projeto até o fim do ano.
Catharine Rocha
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