Domingo passado opinei, neste espaço, sobre as ameaças para o país a partir de uma extrema direita que saiu do armário durante o ‘governo’ passado, mas que permaneceu forte, mesmo com a derrota sofrida. No momento, suas ameaças se juntam ao esforço de sabotagem contra o governo Lula por segmentos especulativos do mercado e de parte da mídia, não necessariamente orgânicos da extrema direita. O fato é que observamos essa convergência de forças atuando de forma organizada e sistemática para a desestabilização do governo por meio da oposição à nova política socioeconômica que recoloca os pobres no orçamento e prioriza a expansão e modernização da base produtiva do país, em linha com padrões ambientais contemporâneos. Com ampla maioria no Congresso, acumulam e comemoram derrotas impostas ao governo, que satisfazem interesses seccionais e contratam enormes apuros para o cumprimento da Lei do arcabouço fiscal, sem cortes orçamentários que inviabilizariam o programa de governo.
Em outra arena, forjam “realidade paralela” como se o país estivesse à beira de uma hiperinflação ou default para, na suposta defesa da higidez fiscal da economia brasileira, manterem uma política monetária que conserva a taxa Selic nas alturas. Atingem dois coelhos: criam empecilhos e desgastes para o governo, e atendem ao capital rentista, com efeitos no aumento da dívida pública e na contração crédito com repercussões negativas para o conjunto da economia.
O inusitado, mas não surpreendente, é que para justificar as manobras, disseminam em jornais e programas especializados de TV, artigos, editoriais, entrevistas com gente do mercado e “técnicos respeitáveis” projetando desgraças para a economia brasileira. Sim, para uma economia com indicadores sólidos, virtuosos, como reconhecido pelos investidores e organizações internacionais, incluindo as maiores agências de classificação de risco do mundo.
Criaram cenário tão ameaçador para a economia brasileira que impuseram resultado por unanimidade na decisão recente do Copom que manteve a Selic em 10.5%, que coloca o Brasil com a segunda maior taxa de juros reais do planeta.
A propósito, em contraste com os discursos pela austeridade fiscal, a manutenção dos juros básicos em 10.5% ao ano custa aos cofres públicos R$ 102 bilhões conforme estimativas do próprio BACEN.
Todos sabemos que o crédito é o motor da economia capitalista. No Brasil o crédito corresponde a 55% do PIB. No Chile, é 120% e nos EUA, beira 200% do PIB. Portanto, a decisão pela manutenção dos juros básicos colocando o Brasil no G2 dos juros reais no mundo se opõe ao crescimento do comércio, da indústria e da economia como um todo. Assim, a atitude, sem justificativa na economia, até porque não se vislumbra cenário de descontrole da inflação, prejudica, sim, o governo, mas sobretudo pune o Brasil e a maioria dos brasileiros.
O presidente do Banco Central tem sido o principal interlocutor público dessa aliança. Com desenvoltura nessa função que lhe denuncia o desprezo pela autonomia da instituição pela qual deveria zelar, tem operado diuturnamente para propagar o terror fiscal e deixar claro o seu alinhamento explícito às forças de oposição ao governo federal. Teve a cara dura de antecipar a última decisão do Copom em evento que participou nos EUA quase um mês antes. Sem cerimônia, se ofereceu ao governador de São Paulo para ocupar o cargo de ministro da fazenda em eventual governo Tarciso. Nada mais revelador da atual conduta cavilosa e politicamente alinhada do BACEN, que na maior parte do governo Bolsonaro tivemos inflação em alta e Selic em patamares bem menores, enquanto no governo Lula temos inflação em queda e a curva da Selic muito acima. Autonomia em relação a quem, mesmo?
Artigo originalmente publicado pelo jornal O Liberal no dia 25/6/2024