Um dos enganos mais comuns a respeito do Bolsa Família é acreditar que se trata de uma simples ação de transferência de renda. Seu sucesso não está apenas no recurso repassado todo mês para complementar a renda das famílias mais pobres, mas, principalmente, na rede de apoio que se criou em torno do programa e uniu governos federal, estaduais e municipais no combate às causas da miséria.
Por isso, ao acabar com o Bolsa Família e criar o Auxílio Brasil, Jair Bolsonaro faz muito mais do que simplesmente trocar um nome. Ele ataca toda a rede de proteção social do país, alerta o secretário de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia, Carlos Martins, hoje uma das pessoas mais empenhadas na defesa do programa de combate à pobreza mais elogiado e copiado no mundo.
Martins explica que governadores e prefeitos estão muito preocupados com a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil. Além de não ter definido os critérios que vão reger o novo programa nem ter garantido a fonte de financiamento, o governo Bolsonaro dá indicações de que pretende copiar o método adotado no pagamento do auxílio emergencial, que estabeleceu a relação direta entre a Caixa Econômica e o beneficiário, excluindo os governos municipais e estaduais do processo. E é aí que mora o perigo.
Para combater as raízes da pobreza, o Bolsa Família estabeleceu condicionalidades, como a manutenção das crianças na escola e da vacinação em dia. Com educação e saúde garantidas, as crianças têm mais chances de obter no futuro empregos melhores que os pais, quebrando, assim, o ciclo de pobreza que passa de geração em geração. E, para se certificar que as famílias fossem acompanhadas, fortaleceu-se o Sistema Único de Assistência Social (Suas), gerido na ponta por governadores e prefeitos.
“O Auxílio Brasil, após a experiência com o auxílio emergencial, pretende manter uma relação direta do beneficiário com a Caixa Econômica Federal, através de um aplicativo. Isso significa dizer que todo o Sistema Único da Assistência Social (Suas) vai ser desestruturado. Hoje, o Suas tem o controle do Cadastro Único (CadÚnico), pelo qual se analisam e se acompanham todas as condicionalidades e ao mesmo tempo se monitora o cadastro, as fraudes”, afirma Martins. “O contato direto do beneficiário com a Caixa Econômica tira do Suas todas as suas funcionalidades, e desestrutura o sistema na sua relação entre estados, municípios e o governo federal”, completa.
Segundo o secretário, ao estabelecer relação direta entre Caixa e beneficiários, o governo Bolsonaro deixa claro o caráter eleitoreiro do Auxílio Brasil. Em primeiro lugar, porque não se preocupa em acompanhar adequadamente as famílias para que se quebre o ciclo de pobreza. Depois, porque deixa todo o controle do repasse dos recursos e da escolha dos beneficiários nas mãos do governo federal.
“Isso caracteriza a intenção claramente eleitoreira, permitindo a inclusão de pessoas que podem não estar na lista daqueles que mais precisam e até, quem sabe, de cabos eleitorais”, afirma Martins. A desconfiança tem razão de ser, explica o secretário, pois os números sugerem que estados do Sul têm sido privilegiados na concessão do Bolsa Família, em detrimento da Região Nordeste. Tanto é que, recentemente, o governo da Bahia precisou recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir o retorno ao programa de 11 mil famílias do estado que haviam sido excluídas entre outubro e março, sem justificativa adequada.
Por fim, Carlos Martins alerta que, com a desestruturação do sistema de assistência social, Bolsonaro joga o Brasil de volta à época em que os mais pobres não eram tratados como cidadãos com direitos, mas como pessoas que precisavam mendigar por ajuda do governo.
“O Suas fez com que se acabasse com a política de assistencialismo, com a caridade, das pessoas mendigando por políticas sociais e se estruturasse um sistema vitorioso, tripartite, que visa não só garantir renda para as pessoas. Todos nós, democratas brasileiros, temos de nos preocupar. O Auxílio Brasil desconhece a existência dos conselhos municipais e estaduais de assistência social, desconhece todo o trabalho dos técnicos e de toda a sociedade civil, que foram fundamentais na consolidação desses programas”, avalia o secretéario, defendendo que o Congresso Nacional derrube a medida provisória que extingue o Bolsa Família e cria o Auxílio Brasil.