A intervenção de Bolsonaro na Polícia Federal (PF) saiu do terreno da especulação e ganhou contornos de fato, com direito a imagem e som, na famigerada reunião ministerial ocorrida em 22 de abril. Com a liberação do sigilo, por decisão do relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, na última sexta-feira (22), o que se vê é a confissão de um crime contra a administração pública. O vídeo veio a público após Bolsonaro negar ter feito referência à Polícia Federal na reunião e insistir na tese que queria trocar a segurança pessoal de sua família.
Nas palavras de Bolsonaro: “Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa”, disse, ele aos gritos, na famigerada reunião ministerial. E continuou: “Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”.
O alvo de Bolsonaro era a Superintendência da Policia Federal no Rio de Janeiro que, segundo de acordo com o próprio presidente, não estaria passando informações a ele, como esperava, sobre investigações de seu interesse. De acordo como ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, tratado como “bonitinho” na reunião, Bolsonaro teria dito que “queria” apenas a Superintendência do Rio de Janeiro, podendo ele (Moro) ficar todas as demais.
O que moveu Bolsonaro em sua tresloucada intervenção nada republicana foi o temor diante das investigações contra o filho Flávio Bolsonaro e o “amigo”, supostamente Fabrício Queiroz. O “amigo” é alvo de investigação por lavagem de dinheiro, após o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificar transações suspeitas feitas pelo então deputado estadual. A investigação envolve a prática de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro, esquema em que assessores parlamentares devolvem parte do salário aos políticos.
A intenção anunciada pelo presidente veio apenas dois dias depois, em 24 de abril, com a demissão do delegado Maurício Valeixo do cargo de diretor-geral da Polícia Federal. Afastado por telefone pelo próprio Bolsonaro durante a noite de 23, a demissão “a pedido” foi publicada no Diário Oficial sem a assinatura do ministro da Justiça. A situação levou Moro a pedir demissão, depois de cerca de 14 meses à frente da pasta dando cobertura às suspeitas que pesam contra membros do governo, como o ministro do Turismo, Marcelo Antônio, do próprio presidente, que teve acesso a inquérito confidencial sobre o caso do laranjal do PSL em Minas Gerais, e do filho do presidente, investigado no caso da Alerj. Moro já vinha cumprindo tabelinha com o presidente. Ao afastar Lula das eleições, o então juiz federal tornou possível a eleição de Bolsonaro e ganhou, entre o primeiro e segundo turnos, o cargo de ministro da Justiça.
Na reunião de 22 de abril, Bolsonaro foi ainda mais longe. Tentando disfarçar a ameaça aos ministros, o presidente deixou claro seu objetivo de extrapolar os limites da legalidade no desempenho de suas funções. “Por isso, vou interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma … urna extrapolação da minha parte. É uma verdade. Como eu falei, né? Dei os ministérios pros senhores. O poder de veto. Mudou agora. Tem que mudar, pô”, disse.
Para justificar a interferência na estrutura de Estado para atender aos seus interesses particulares e familiares, Bolsonaro detonou os serviços de informação oficiais à disposição da Presidência da República. “Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações. Eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não tem informações; a Abin tem os seus problemas, tenho algumas informações. Só não tem mais porque tá faltando realmente, temos problemas, pô! Aparelhamento etc. Mas a gente num pode viver sem informação”.