Em um momento em que os países abrem seus cofres para reerguer a economia e restabelecer a normalidade social, o desgoverno Bolsonaro promove o que deve ser o maior programa de redução do gasto público do mundo. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2021, enviado em 31 de agosto para o Congresso Nacional, ignora os impactos da pandemia do coronavírus em 2021 e reduz a despesa primária em oito pontos do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2020 e 2023, de 27,6% para 19,8%.
O Teto de Gastos criado pela Emenda Constitucional (EC) 95 volta a ser a “âncora fiscal” do orçamento federal, com o fim do Estado de Calamidade Pública em 31 de dezembro. Em 2020, com a decretação da calamidade, o Congresso Nacional suspendeu as regras de gasto vigentes, e as despesas para enfrentamento da pandemia, autorizadas por meio de Medidas Provisórias que não são contabilizadas no teto de gasto, somam quase R$ 600 bilhões. Isso demonstra que a tese do país quebrado pelo PT, sem recursos para investir e financiar políticas sociais, era falsa.
Não faltam recursos, mas sobram regras de gastos que autolimitam a capacidade de ação do Estado, com destaque (negativo) para o teto. A propósito, o Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou que o Tesouro utilize R$ 325 bilhões dos R$ 500 bilhões do lucro cambial das reservas internacionais, deixadas pelas gestões do PT. Que país quebrado dispõe de lucros com equalização cambial de reservas internacionais parados no Banco Central (BC)?
Ademais, diante do baixo patamar da taxa Selic (e também dos juros internacionais), e do fato de que a dívida pública é, em boa medida, denominada em moeda nacional, não há maiores dificuldades em tomar dívida para financiar gasto de combate à pandemia. É o que o mundo inteiro está fazendo!
A suspensão das regras do teto de gasto viabilizou o aumento das despesas em 2020 e demonstrou que o problema reside nos limites auto impostos pelo teto de gastos. Mesmo assim, o governo cortou o auxílio emergencial, reduzindo seu valor pela metade, mesmo diante da existência de fontes para financiá-lo e da suspensão das regras do teto.
Para 2021, a situação é crítica. O país enfrenta uma recessão e o recuo do PIB até o segundo trimestre de 2020 só não foi pior em virtude do auxílio emergencial, que será reduzido. O PLOA ainda será emendado pelos parlamentares, entre 1º e 20 de outubro, e precisa ser aprovado até o final do ano. Mas com a volta do teto de gastos, o Congresso não pode acrescer R$ 1 às despesas.
Perdas generalizadas
O engessamento criado pelo teto de gastos levará ao desfinanciamento de diversas áreas do governo. Enquanto Desenvolvimento Regional, Direitos Humanos, Meio Ambiente, Educação e Agricultura são os que mais perderam capacidade de gastar, apenas três dos 16 ministérios foram poupados do corte.
Não há, por exemplo, previsão de continuidade do auxílio emergencial, de novo programa de renda básica ou ampliação substantiva do Bolsa Família, mesmo diante de 13,7 milhões de desempregados e 26,7 milhões de pessoas que estavam fora da força de trabalho, mas gostariam de trabalhar, segundo o IBGE.
O salário mínimo também não será reajustado em termos reais (considerando o PIB de 2019). Se o governo desse o reajuste real (considerando PIB de 2019, de 1,1%), o valor seria R$ 1.079, e não os R$ 1.067 previstos. Na prática, Bolsonaro e Guedes estão retirando R$ 153 por ano de cada trabalhador e aposentado que recebe um salário mínimo. Além de prejudicar quase 50 milhões de pessoas que têm rendimento referenciado no SM, vai retirar da economia R$ 7,6 bilhões em 2021, o que aprofunda a crise. Enquanto Bolsonaro reajusta o salário mínimo em 2,1% para 2021, o arroz já subiu quase 20% até agosto de 202 e o feijão preto, quase 30%.
Educação, Ciências e Tecnologia também vão sofrer com o teto. As despesas discricionárias (custeio e investimento) do Ministério da Educação caíram de R$ 30 bilhões (2015) para R$ 18,5 bilhões (2021); Entre 2015 e 2021, as despesas discricionárias da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) caíram de R$ 7,7 bilhões para R$ 2,9 bilhões. E as despesas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) caíram de R$ 3 bilhões (2013) para R$ 510 milhões (2021).
Na Saúde, as ações e serviços públicos terão redução de R$ 37,4 bilhões entre 2020 e 2021, em razão da retomada da EC 95 e o consequente congelamento do piso de aplicação de saúde. Haverá forte impacto sobre o direito à saúde, mas também prejuízos econômicos, já que o setor saúde representa quase 10% do PIB.
Não há recursos no PLOA para manter 20 mil leitos de UTI abertos por estados e municípios e para investir no complexo econômico e industrial da saúde para reduzir nossa dependência externa dos produtos de saúde (inclusive vacina da Covid, respiradores e demais insumos). Também não será possível financiar serviços abertos que não foram habilitados pelo Ministério da Saúde, financiar a demanda represada por serviços de saúde em razão da pandemia e cobrir os custos adicionais com elevação do desemprego e queda da renda que pesam sobre o SUS, entre outras despesas.
Quem ganha
Ao final, restam os que ganharão com os cortes. Os recursos da comunicação institucional, por exemplo, passarão de R$ 138,6 milhões este ano para R$ 496 milhões em 2021, ano que precede as eleições federais. E as despesas de pessoal do Ministério da Defesa passaram de R$ 86 bilhões este ano para R$ 89,5 bilhões, em razão do reajuste salarial recentemente concedido pelo ex-capitão. Essa ampliação das despesas de pessoal implicará em queda de despesas sociais e investimentos, dado o teto de gasto.
Outro beneficiado foi o Ministério de Minas e Energia, autorizado a gastar R$ 8,9 bilhões, ou 45,7% a mais do que os R$ 6,1 bilhões deste ano. Mas para atender à sanha privatista do ministro-banqueiro: parte do dinheiro deve ser aplicada na criação da nova estatal que vai gerenciar as empresas Itaipu Binacional e Eletronuclear, caso a Eletrobrás seja privatizada.
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), a proposta orçamentária demonstra que Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, são incapazes de fazer o país crescer com distribuição de renda. “O projeto apenas confirma a fata de clareza do governo em implementar uma política econômica capaz de fazer o país crescer, gerar emprego e garantir a distribuição de renda e a melhoria de vida população. O Bolsa Família teve um incremento extremamente pequeno, o que vai fazer com que milhões de pessoas continuem excluídas. É uma proposta que demonstra claramente que estamos na área econômica sem qualquer rumo para o país”, afirma.