O ódio bolsonarista contra a educação, a ciência e o conhecimento atingiu um patamar que coloca em risco todo o sistema educacional. Anunciados como prioridade do desgoverno Bolsonaro, por exemplo, a educação básica e o ensino profissional, que sofrem com reduções de orçamento desde o golpe contra a presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff, vão continuar perdendo recursos no próximo ano.
O Orçamento de 2021, em análise no Congresso, prevê para o MEC uma redução de 21% nos recursos dos programas de educação profissional e tecnológica e 7% nas rubricas inscritas como educação básica de qualidade. A comparação é da Consultoria de Orçamento da Câmara com a peça deste ano em relação ao projeto de 2020. No geral, o MEC é a pasta que mais perdeu recursos.
Conforme o Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2021, o governo federal vai cortar R$ 1,4 bilhão do orçamento de universidades e institutos federais. O montante representa 18,2% de corte nos gastos discricionários em cada setor. Os gastos discricionários são aqueles sobre os quais o governo tem certo grau de poder de decisão e maleabilidade. No geral, destinam-se a custeio, investimentos e assistência estudantil.
No caso das universidades federais, a redução significará R$ 1 bilhão, aproximadamente, segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que representa 68 universidades federais.
Segundo o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), para a rede de 38 institutos federais no país, que tem ainda o Colégio Pedro II e os dois CEFET, os 18,2% representam cerca de R$ 430 milhões na proposta do orçamento discricionário em comparação com o ano passado. Alguns institutos federais poderão perder mais ou menos, devido aos critérios de distribuição.
Todas as gorduras que tínhamos para eliminar – vigilância, diárias, estágios, visitas técnicas – nós tivemos que reduzir nesses últimos anos. Não tem a menor chance de conseguirmos tocar as instituições. É uma situação grave, gravíssima
O presidente do Conif, Jadir José Pela, estima que a verba para investimento e funcionamento da rede de institutos federais deve ser cortada em até 22,5%. O dinheiro é usado para pagar energia elétrica, água e segurança das mais de 600 unidades da rede, por exemplo. O número de matriculados nessas instituições totaliza 1,2 milhão de estudantes.
“Todas as gorduras que tínhamos para eliminar – vigilância, diárias, estágios, visitas técnicas – nós tivemos que reduzir nesses últimos anos. Não tem a menor chance de conseguirmos tocar as instituições. É uma situação grave, gravíssima”, denuncia Pela.
O presidente da Andifes, Edward Madureira Brasil, afirma que a redução inviabilizará as atividades de ensino, pesquisa e extensão em 2021. Ele prevê que as despesas das universidades vão subir ano que vem, quando o Brasil ainda deverá sofrer efeitos da pandemia, para adequação e limpeza dos prédios, compra de equipamento de proteção individual e melhoramento da internet.
“Estamos há três anos com o orçamento nominalmente congelado. As despesas têm ajustes anuais. Além disso, o corte ocorre em um ano que deveria ter aumento de recursos. As aulas vão voltar com álcool em gel, sabão, papel, equipamentos de proteção. Será preciso mexer na estrutura da universidade para garantir o distanciamento. Haverá gastos no pós-pandemia”, afirma Madureira.
“Não basta ampliar os recursos para serem iguais a 2020. O corte significa a paralisação em algum momento do ano. A partir de certo momento, as universidades vão atrasar o pagamento dos contratos e as empresas vão suspender os serviços”, conclui o dirigente.
Em nota sobre a previsão do corte de R$ 4,2 bilhões, o MEC diz que “a Administração Pública terá de lidar com uma redução no orçamento para 2021, o que exigirá um esforço adicional na otimização dos recursos públicos”. Segundo o MEC, a crise econômica causada pela pandemia provocou a redução na arrecadação e, consequentemente, no orçamento.
Por outro lado, segundo as universidades, a Covid-19 trará aumento nos gastos do ensino superior quando as aulas presenciais forem retomadas. Para Eduardo Raupp, pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as consequências para a reabertura serão “desastrosas”. “Os gastos com assistência estudantil aumentaram” já com o ensino remoto, diz Raupp.
“Há estimativas de que os gastos para a retomada, só em limpeza, podem ser de 30% a 50% maiores. Estamos arcando sozinhos com os custos e, agora, ainda somos surpreendidos com a redução para 2021”, afirma o pró-reitor. “Um retorno presencial sem vacina fica praticamente impossível, porque não teremos como investir em protocolos seguros para o retorno.”
De acordo com Raupp, todos os programas (assistência estudantil, bolsas de iniciação científica, atividades de extensão e de monitoria) e atividades essenciais (limpeza, manutenção, segurança e investimentos em infraestrutura) poderão ser afetados.
“A universidade terá de suspender serviços e encerrar atividades. A UFRJ teria uma redução de R$ 70 milhões, em termos nominais, sem a correção da inflação. Nosso orçamento que, antes, só cobria 10 meses por ano, não chegará nem à metade”, afirma. “Teremos de fazer cortes drásticos, justamente quando a sociedade mais precisa dos nossos serviços.”
O reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), João Carlos Salles, informa que o corte previsto na instituição será de R$ 30 milhões, equivalente a 18,32% do orçamento de 2020. “É um corte inaceitável e insustentável para as universidades”, diz.
Sangria desatada a partir do teto de gastos
Essa é a quarta redução seguida desde a promulgação da Emenda Constitucional 95, do “teto de gastos”. Aprovada em 2016, durante o golpe que afastou Dilma Rousseff, e consagrada como “grande legado” do usurpador Michel Temer, a EC 95 congela os investimentos sociais por 20 anos, utilizando como base de cálculo para os dispêndios federais o orçamento do ano-base 2017, somado à variação da inflação. Dessa forma, o orçamento destinado às instituições de ensino fica definido apenas pelo montante executado e pago no ano anterior.
Para Educação e Saúde, o ano-base foi 2017, com início de aplicação em 2018. Já naquele ano, o repasse do MEC às universidades havia caído 28,5%, em comparação com 2016.
Em 2019, foram R$ 5,8 bilhões a menos no orçamento do MEC para as universidades, além do congelamento de mais de R$ 1 bilhão que durou até setembro. Para 2020, o MEC teve orçamento autorizado de R$ 119 bilhões – dos quais R$ 70,1 bilhões foram pagos até agora, segundo o portal Siga Brasil, do Senado Federal.
A redução nos valores do orçamento já estava inclusa na primeira versão aprovada da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), no final de dezembro de 2019. Os principais afetados pelo corte foram as universidades e os institutos federais.
A LDO de 2020, aprovada por Bolsonaro, cortou R$ 20 bilhões da educação na comparação com 2019, sendo 14,8% nas universidades e 7,1% nos institutos federais. O movimento desenha o plano de futuros ataques privatistas à estrutura das universidades e institutos federais, como o projeto Future-se.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), depois de uma sequência de cortes de bolsas em 2019, sofreu uma nova redução de R$ 1,4 bilhão no orçamento, o que comprometeu as atividades de pesquisadores e grupos de pesquisa em plena pandemia do coronavírus.